sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Pesquisadores de Harvard armazenam 704 TB em um grama de DNA


Descoberta pode ser capaz de guardar todas as informações sobre a humanidade durante períodos de tempo que passam dos 400 mil anos.




Um time de cientistas de Harvard liderados por George Church conseguiu usar filamentos de DNA como um meio para armazenar dados. Para isso, eles atribuíram um valor binário a cada uma das bases (A, C, G, T), criando uma sequência genética que em seguida foi sintetizada em um chip microfluídico que faz correspondências entre elas e um banco de dados com informações relevantes.
A técnica é capaz de armazenar cerca de 96-bits em um único filamento de DNA, algo que não parece muito impressionante em um primeiro momento. Porém, quando se leva em consideração que a técnica permite guardar nada menos que 704 TB em um volume de um milímetro cúbico (com peso aproximado de um grama), a descoberta surge como um forte concorrente aos discos rígidos e memórias SSD.

Armazenando todas as experiências humanas


Uma das principais vantagens da novidade é o fato de que o DNA não precisa de condições especiais para armazenar informações. “Você pode deixá-lo em qualquer lugar que desejar, seja no meio do deserto ou em seu quintal, e ele vai estar lá 400 mil anos depois”, afirma Church.
Pesquisadores de Harvard armazenam 704 TB em um grama de DNA 


Como escrever e ler os dados armazenados nos filamentos se mostra um processo mais lento do que aquele que ocorre em outras mídias, a invenção é voltada a armazenar grandes quantidades de dados que não precisam ser consultados rapidamente — quase como uma biblioteca ou uma sala imensa repleta de pastas com documentos.
O problema do método fica pelo fato de que não é possível utilizar células vivas no processo, já que os filamentos de DNA presentes nelas se destroem de maneira rápida demais. Isso forçou os pesquisadores a investir em microchips contendo os filamentos necessários para o processo, o pode significar a possibilidade de guardar em um espaço mínimo toda a soma das experiências registradas em toda a história humana.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Cientistas afirmam dióxido de carbono ‘corrói o gelo

Zhao Qin com um pedaço de gelo em frente ao modelo atômico usado para simular o efeito do dióxido de carbono sobre a quebra do gelo. (Cortesia: MIT)

 

          A concentração de dióxido de carbono na atmosfera aumentou de aproximadamente 280 ppm na época da revolução industrial para cerca de 390 ppm nos dias de hoje. Atualmente, pesquisadores dos EUA têm realizado simulações ao nível atômico que sugerem que o aumento das concentrações de CO2 faz com que o gelo se torne mais frágil, ou seja, mais propenso a quebras ou rachaduras. Embora o trabalho esteja voltado para pequenos "nanocristais" de gelo, o grupo de pesquisadores acredita que isto possa aumentar a nossa compreensão sobre rachaduras em estruturas maiores, como geleiras e calotas polares.

          "Estes resultados sugerem que a composição química da atmosfera pode ser crucial para mediar o movimento e/ou de fusão de grandes volumes de gelo, além do efeito da temperatura global", explica Markus Buehler do Massachusetts Institute of Technology (MIT). "Num certo sentido, a fratura do gelo devido ao dióxido de carbono é semelhante à distribuição de materiais devido à corrosão, como por exemplo: quando as estruturas de um carro, de um prédio ou de um central energética são ‘corroídas’ por agentes químicos, levando-as a se deteriorarem lentamente. Na caso do gelo, o dióxido de carbono pode desempenhar o papel de um agente corrosivo e levar à desestabilização da estrutura."

          As geleiras e calotas polares recobrem 7% da Terra, uma área maior do que a Europa e América do Norte. Refletem de 80 a 90% da radiação solar incidente e atuam como um sumidouro de carbono - o que significa que o derretimento significativo poderia criar um ciclo de realimentação e impulsionar ainda mais o aquecimento.

Quebra de ligações

          "Da mesma maneira que para outros materiais, o processo de fratura de grandes volumes de gelo, ex.: geleiras, é geralmente iniciada por um única rachadura propagando-se nos cristais de gelo pela quebra das ligações de hidrogênio entre as moléculas de água", diz Buehler. "Estas fissuras eventualmente crescem e quebram a geleira inteira a partir da propagação e ramificação em grandes distâncias. Fraturas de gelo em macro-escala ocorreram recentemente perto da Geleira de Pine Island (Antártida), gerando um iceberg com uma área do mesmo tamanho da cidade de Berlim. "

          Buehler e o colega Zhao Qin realizaram simulações atômicas para examinar o efeito do dióxido de carbono no crescimento sobre a quebra do gelo e calcularam que o gelo contendo 2% de dióxido de carbono era 38% menos resistente do que o gelo puro.

 

As moléculas se movem em direção à extremidade da rachadura

          O grupo de pesquisa verificou que o dióxido de carbono rompe as ligações de hidrogénio entre as moléculas de água no gelo, uma vez que os átomos de oxigénio nos gases apresentam uma carga parcial negativa e são atraídas para os átomos de hidrogénio carregados positivamente provenientes da água. Nas simulações, foi observado que as moléculas de dióxido de carbono anexadas à superfície rachada moviam-se para a extremidade da rachadura, quebrando as ligações de hidrogênio entre as moléculas de água.

          "Se as calotas polares e geleiras continuarem a rachar e a quebrar-se em pedaços, a área da superfície exposta ao ar iria aumentar significativamente, podendo levar ao derretimento acelerado à redução da área coberta por gelo da Terra", diz Buehler. "As consequências dessas mudanças ainda precisam ser exploradas pelos especialistas, mas elas podem contribuir para as mudanças do clima global."

          Buehler, diz que a técnica utilizada no estudo foi aplicada também no estudo das propriedades mecânicas de materiais proteicos e poliméricos, cujas estruturas são normalmente estabilizadas por pontes de hidrogénio. "Para essas estruturas, descobrimos que as condições químicas, por exemplo: pH, concentração iônica e tipo de íon são muito importantes em afetar as estruturas dos materiais e as funções mecânicas", diz ele. "Estes resultados nos levam a afirmar que o dióxido de carbono diminui a força das ligações de hidrogênio na ponta da rachadura, contribuindo para a compreensão de uma das substâncias mais abundante e crítica para o clima do nosso planeta – á água congelada ou gelo ".

Buehler e Qin reportam que seu trabalho no Journal of Physics D: Applied Physics . Afirmam que são necessárias mais pesquisas para vincular a visão microscópica às propriedades macroscópicas do gelo, das geleiras e de outras estruturas geologicamente relevantes.

A queda do muro entre ciências e humanidades


Neste ano, comemora-se meio século da publicação de 'A estrutura das revoluções científicas', do físico e filósofo norte-americano Thomas Kuhn (1922- 1996).

 

            Qualquer lista relacionando os 100 livros mais relevantes e influentes do século passado não poderia deixar A estrutura das revoluções científicas de fora, sob pena de ter seus critérios de escolha devidamente contestados. As ideias contidas nessa obra transformaram radicalmente a imagem da ciência que predominara até então.

            Como consequência, as áreas de história, sociologia e filosofia da ciência nunca mais foram as mesmas depois de 1962. O livro inspirou até os chamados science studies (estudos sobre ciência), campo responsável pelas mais ricas discussões sobre a ciência nos nossos dias.

            A estrutura - traduzida pela primeira vez no Brasil em 1975 - deixou marca indelével em praticamente todos os campos do saber, a ponto de o filósofo norte-americano Richard Rorty (1931-2007) ter sentenciado que Kuhn contribuiu para remodelar a cultura humana como um todo - notadamente, para borrar a fronteira demarcatória entre ciências naturais, sociais e humanas.

            O sucesso da obra não deve, todavia, ser identificado apenas com a atitude de aprovação. Pelo contrário. Se houve autor alvo de ataques contundentes (e virulentos), esse foi Kuhn. Tanto assim que empregou, em grande medida, sua produção acadêmica pós-1962 para responder às críticas, alegando sempre ter sido mal compreendido.

 
Críticas - O que teria levado Kuhn, então, a sofrer tamanha 'perseguição'? Em grande parte, isso se explica pelo modo como ele descreveu o desenvolvimento da ciência, uma vez que este se distinguia substancialmente da forma como, até então, o progresso científico fora interpretado. A nova imagem de ciência proposta por Kuhn pode ser assim esquematizada: ciência normal - crise - revolução científica - nova ciência normal, e assim sucessivamente.

            Em linhas gerais, a ciência normal é uma modalidade de pesquisa conduzida sob os auspícios de um paradigma, sendo este responsável por instaurar um consenso em vários níveis (metodológico, epistemológico, ontológico e axiológico) no interior de uma comunidade.

            Nessa fase, os cientistas lidam com 'operações de limpeza' em seu trabalho cotidiano, no sentido de precisar resolver, de maneira personalizada e criativa, quebra-cabeças; ou seja, aprofundar o conhecimento sobre os 'fatos'; aprimorar o próprio paradigma; e aumentar a correspondência dos 'fatos' com esse último.

            No período de ciência normal, a pesquisa progride de modo linear e cumulativo, graças ao consenso generalizado engendrado pelo paradigma. A confiança no paradigma pode ser quebrada, entretanto, quando os quebra-cabeças da prática normal se tornam anomalias, isto é, problemas que, a princípio, não são mais passíveis de solução.

            A crise instaurada em função da estagnação do paradigma vigente pode ter como desfecho possível uma revolução científica, episódio de desenvolvimento não cumulativo em que um paradigma é substituído por outro, incompatível com o anterior.

            Foi, efetivamente, com relação ao tópico das revoluções científicas que Kuhn despertou a ira de seus contemporâneos. Afinal, a leitura mais comum compreende que Kuhn estaria comparando - ao afirmar que, na disputa entre paradigmas concorrentes, não se pode recorrer a critérios estritamente lógicos e empíricos para decidir a querela - a ciência com outras formas de conhecimento normalmente consideradas 'irracionais' ou 'subjetivas'.

            Inclusive, no livro, Kuhn estabelece analogias surpreendentes entre essas formas de conhecimento e a revolução científica: mudança de perspectiva (gestalt), diálogo de surdos, revolução política, conversão religiosa etc. Tudo isso para ilustrar a tese - denominada por ele incomensurabilidade - segundo a qual não haveria possibilidade de se estatuir um juiz neutro para bater o martelo, de modo inequívoco, em prol de um dos dois lados.

            Paradigmas, portanto, argumentariam sempre de forma autorreferente, não havendo possibilidade de se lançar mão da coerência lógica e racional, nem da correspondência com a verdade sobre a natureza.
 

Provocação - Nada poderia soar mais provocador para os defensores da ciência como modelo de racionalidade e objetividade. Em obras posteriores, Kuhn tentou desfazer os mal-entendidos sobre seu 'irracionalismo', 'subjetivismo', 'relativismo'... Sua alegação básica foi afirmar que a incomensurabilidade, ao contrário do que pensaram seus adversários, seria justamente a condição necessária para que a ciência continuasse progredindo, no sentido de investigar parcelas da realidade até então desconsideradas.

            A incomensurabilidade propiciaria o advento de novas especialidades científicas - daí sua proposta estar afinada com as concepções que defendiam uma racionalidade especial da ciência.

            Sem querer entrar nessa disputa por ora, o fato é que, curiosamente, suas ideias foram incorporadas principalmente pelas áreas ligadas às ciências sociais e humanas, tendo havido até, a partir da década de 1970, verdadeira corrida em busca de paradigmas perdidos nas diversas disciplinas. Em contrapartida, nas ciências naturais - originalmente o objeto de análise de A estrutura - a recepção das ideias kuhnianas passaram ao largo do entusiasmo.

            Seja como for, só o fato de Kuhn não ter explicado a ciência em termos apenas de metodologia - tendo cunhado a noção mais abrangente de paradigma (visão de mundo e valores compartilhados) - representa grande avanço em comparação à concepção de inspiração positivista predominante à época - e, talvez, ainda hoje. Isso sem contar outras contribuições igualmente importantes.
 

O autor - A compreensão da relevância da publicação de A estrutura seria incompleta ou injusta se não falássemos algo sobre seu autor. Não só o conteúdo do livro é inovador, mas também o que tornou possível sua existência. Kuhn só foi capaz de nos legar obra tão significativa porque viveu a experiência da interdisciplinaridade de modo intenso.

            Mais do que isso, Kuhn transitou entre as ciências naturais e as ciências sociais e humanas de modo exemplar, valendo lembrar que, por exemplo, no período final (1958-1959) de gestação de A estrutura, trabalhou no Centro de Estudos Avançados em Ciências do Comportamento, na Califórnia (EUA), que foi fundamental para que concebesse a ideia de paradigma como consenso, ao ter convivido com o dissenso reinante entre os cientistas sociais.

            Tendo doutorado em física teórica, Kuhn deu uma guinada para a história e a filosofia da ciência, mas sem ter perdido seu interesse original naquela área. Na verdade, é como se Kuhn tivesse feito esse movimento de 'sair' de sua área de formação para buscar ferramentas que lhe permitissem conhecê-la melhor, olhando-a de fora. E, ao entrar nas humanidades, levou toda sua bagagem de cientista, que lhe permitiu causar, 'naturalmente', verdadeira revolução dentro daquelas.

            A trajetória de Kuhn nos inspira a não pensar mais em termos de dentro e fora, uma vez que seu grande legado foi ter derrubado as fronteiras entre ciências e humanidades. A questão persistente é: como podemos levar para o nível institucional, sem perda da espontaneidade, o que Kuhn fez 'naturalmente' durante toda a sua vida?

(Portal Ciência Hoje)

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Norte-americanos Robert Lefkowitz e Brian Kobilka são agraciados com o Nobel de Química de 2012


Os americanos Robert Lefkowitz e Brian Kobilka foram anunciados nesta quarta-feira (10/10/2012) como os vencedores do Prêmio Nobel de Química 2012 por seus estudos inovadores sobre os receptores acoplados às proteínas G.

         Segundo comunicado da Real Academia Sueca de Ciências, os dois pesquisadores fizeram descobertas revolucionárias sobre os funcionamentos internos de uma importante família de receptores, os acoplados às proteínas G, que permitem às células "adaptar-se a situações novas".

         Em nota, a entidade que concede a premiação disse que "cerca da metade de todos os remédios fazem efeito através dos receptores acoplados a proteínas G", por isso a descrição de seu "funcionamento interno" levará a grandes avanços neste âmbito.

         O trabalho dos dois revelou os chamados receptores G, uma vasta gama de proteínas podem atravessar as membranas das células e permitir que elas recebam mensagens químicas sobre o ambiente. É graças a elas que as bilhões de células de nosso corpo conseguem interagir e se adaptar.

         A descoberta tem várias aplicações em medicina e química. Os receptores G são alvo de cerca da metade de todos os medicamentos conhecidos. Estão ligados também às sensações, sejam luminosas, gustativas ou olfativas. São eles que também permitem que saibamos quando um alimento é doce ou salgado.

         Lefkowitz trabalha no Instituto Médico Howard Hughes e no Centro Médico Universitário Duke, em Durham (EUA), e Kobilka é pesquisador da Escola Universitária de Medicina de Stanford (EUA).

terça-feira, 9 de outubro de 2012

A aventura e a beleza da Química

Leiam o editorial publicado no Journal of the Brazilian Chemical Society do mês de outubro de 2012. O texto é de autoria de Angelo da Cunha Pinto, do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
 
            Os cientistas precisam resgatar com a máxima urgência a beleza da ciência e preservar sua qualidade. A maior parte deles está mais preocupada com indicadores e índices numéricos do que propriamente com a qualidade da ciência que vêm fazendo. Passou-se a medir a importância de um artigo científico muito mais pelo fator de impacto da revista em que foi publicado do que pela sua contribuição ao conhecimento. Não que as revistas não devam ser hierarquizadas e que umas não sejam muito melhores do que outras. Mas, mesmo nas revistas consideradas como as melhores, às vezes o artigo que foi publicado é algo "requentado".

            A criatividade cedeu lugar à técnica em que a única novidade é o equipamento, mesmo que as medidas feitas pudessem ser obtidas em máquinas mais simples e acessíveis. Isso acontece em todas as áreas do conhecimento consideradas duras, como é o caso da Química e da Física. Fazer medidas e simplesmente tabulá-las não pode ser considerado ciência. Mas, infelizmente esta prática é dominante entre muitos cientistas aos quais mais interessa o número de papers do que a qualidade da ciência que fazem.

            É raríssimo assistir, nos dias de hoje, um conferencista exaltar o seu trabalho, mas é comum vê-lo distinguir, cheio de orgulho, a revista onde foi publicado. Ao lerem este texto, muitos dirão que o editorialista esqueceu-se de mencionar que a qualidade de um artigo pode ser mensurada pelo número de citações que recebeu. É verdade que o número de citações é um excelente indicador de qualidade. Mas, mesmo ele passou em muitos casos a ser um indicador "falso" por causa da criação dos "clubes de citação". Chegou-se ao cúmulo de alguns editores sugerirem a citação de artigos publicados em suas revistas nos últimos dois anos para que estas melhorem seu fator de impacto, isto sem falar nas autocitações desnecessárias feitas por muitos autores.

            Revista científica importante é aquela que é muito lida e apreciada por seus leitores. Se os indicadores forem bons, melhor. O que não pode acontecer é os editores correrem atrás dos indicadores e esquecerem a qualidade do que está sendo publicado. A prevalecer certos dogmas, os jovens se afastarão cada vez mais da ciência, e esta atividade será dominada pelos "velhos" até que eles deixem de existir, porque o número de revistas científicas cresce a cada ano em ritmo maior do que o número de jovens que optam pela carreira científica.

            Beleza, Ciência e Artes são como irmãs siamesas. Quanto maior a beleza de um artigo científico, não há dúvida, melhor e mais qualificado é seu autor ou autores, porque a ciência moderna é na maior parte das vezes obra de uma equipe. Resgatar a beleza da ciência e não deixar que esta seja terceirizada é dever de todo cientista, e, principalmente, dos editores de periódicos científicos. A estes últimos cabe zelar pela prática de uma boa ciência.

            A ciência é uma grande aventura que deve ser vivenciada em sua plenitude. E como toda e qualquer aventura, é bela para os que a ela se entregam de corpo e alma. Os químicos, como herdeiros dos feiticeiros e dos alquimistas, têm vocação pela aventura. Por isso, é dever de todo orientador inculcar nos seus orientandos o espírito de aventura e mostrar que a Química tem tanta beleza quanto qualquer obra de arte, desde que feita com criatividade, qualidade e, sobretudo, com entrega total.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Nobel da pesquisa maluca ajuda a criticar ciência 'séria'

Vencedor do Ig Nobel de neurociência questiona resultados duvidosos de investigação do cérebro.

            O Prêmio Ig Nobel - a paródia do Nobel que elege as pesquisas científicas mais esdrúxulas - destaca neste ano descobertas como a de que chimpanzés reconhecem outros macacos olhando fotos de seus traseiros e um experimento que identificou ideias complexas no cérebro de um salmão morto.

            Apesar do tom de ridículo, o segundo trabalho foi, na verdade, a denúncia de uma crise na neurociência, área em que revistas técnicas têm publicado estudos com conclusões duvidosas sobre mapeamentos cerebrais.

            A lista de ganhadores tinha outros trabalhos inacreditáveis - um deles era sobre o (baixo) risco de pacientes explodirem durante colonoscopias -, e o estudo sobre a mente do peixe acabou meio ofuscado entre os vencedores anunciados ontem (20).

            O experimento de Craig Bennet, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, representa bem o lema do Ig Nobel: premiar pesquisas que "primeiro fazem rir, depois fazem pensar".

            Usando uma máquina de ressonância magnética para mapear o cérebro do animal morto, o cientista mostrou que, usando um pouco de estatística sem rigor para interpretar os resultados, é possível tirar qualquer conclusão. No estudo, Bennet mostrou que o cadáver de peixe tinha empatia e apontou quais áreas de seu cérebro eram responsáveis por isso. "Mostramos ao salmão uma série de fotografias com humanos em situações sociais de valor emocional específico", diz o estudo. "Pedíamos ao salmão para determinar quais emoções o indivíduo estaria sentindo."

            A parte do estudo de Bennet que não tinha graça nenhuma era um levantamento sobre o panorama atual da pesquisa com ressonância magnética funcional (que vê a atividade do cérebro em tempo real). Em um ano, 26% dos artigos científicos estavam se valendo do mesmo método estatístico que ele mostrou ser frágil. Numa conferência, 79% dos trabalhos tinham esse problema. Isso explica, em parte, a proliferação de estudos atribuindo funções ultraespecíficas a partes do cérebro.

            A cerimônia de entrega do prêmio ocorreu ontem (20), no teatro da prestigiada Universidade Harvard (EUA). Conheça os ganhadores da edição 2012 do prêmio Ig Nobel:
 

FÍSICA

Joseph Keller (EUA), Raymond Goldstein (Reino Unido) e colegas

Por calcular o equilíbrio de forças que movem o cabelo e lhe dão forma num penteado com rabo-de-cavalo

 
ACÚSTICA

Kazutaka Kurihara e Koji Tsukada (Japão)

Pela criação do SpeechJammer, um dispositivo que faz as pessoas se embaralharem para falar

 
LITERATURA

Controladoria Geral do Governo dos EUA

Por publicar um relatório acerca de relatórios sobre relatórios que recomenda a preparação de um relatório sobre o relatório acerca de relatórios sobre relatórios

 
QUÍMICA

Johan Pettersson (Suécia)

Por descobrir a razão pela qual alguns habitantes da cidade sueca de Anderslöv estavam ficando com o cabelo verde: o cobre dos canos
 

ANATOMIA

Frans de Waal e Jennifer Pokorny (EUA)

Por descobrir que chimpanzés são capazes reconhecer uns aos outros por meio de fotografias dos seus traseiros
 

NEUROCIÊNCIA

Craig Bennett e colegas (EUA)

Por mostrar que algumas técnicas de neuroimagem podem detectar atividade relevante no cérebro de um salmão morto
 

PSICOLOGIA

Anita Eerland e colegas (Holanda)

Pelo estudo "Inclinar-se para a esquerda faz a Torre Eiffel parecer menor"
 

MEDICINA

Emmanuel Ben-Soussan e Michel Antonietti (França)

Por aconselhar médicos que realizam colonoscopias sobre como minimizar o risco de seus pacientes explodirem

 
PAZ

SKN Company (Rússia)

Por converter munição antiga em diamantes novos

 
DINÂMICA DE FLUIDOS

Rouslan Krechetnikov e Hans Mayer (EUA)

Por compreender padrões do movimento de líquidos dentro de uma xícara de café nas mãos de uma pessoa em movimento

(Folha de São Paulo)

sábado, 6 de outubro de 2012

Artigo: A Atividade de Penhor e a Química


O penhor é uma modalidade de empréstimo que existe há muitos séculos e, desde o seu surgimento,
consiste em se aceitar bens em troca de dinheiro. Artigos como joias, moedas, relógios e peças decorativas
confeccionadas com metais preciosos são penhorados não somente pelo seu valor econômico, mas também
pelo seu valor artístico e histórico. O ouro, a prata e a platina são metais bastante utilizados na confecção de
peças valiosas. Neste artigo, buscou-se descrever a história do dinheiro, do penhor e os materiais e os métodos utilizados na identificação de metais preciosos presentes em joias e objetos de valor.


sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Molécula protege neurônios em condições de isquemia


 
Em artigo publicado na PLoS One, pesquisadores do Instituto de Química da USP demonstram que a bradicinina interrompe processo de apoptose celular no tecido cerebral de ratos

Agência FAPESP – Em artigo publicado na revista PLoS One, um grupo de pesquisadores do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) demonstrou que a bradicinina – peptídeo com conhecida ação anti-hipertensiva – é capaz de reverter o processo de morte celular em condições que ocorrem durante uma isquemia cerebral. A pesquisa foi feita em colaboração com cientistas de Porto Rico.

            “Quando há oclusão das artérias e o fluxo de oxigênio é interrompido, as células morrem e liberam uma substância chamada glutamato. Isso estimula os receptores de glutamato, inclusive aqueles do tipo NMDA (N-metil D-Aspartato) em células vizinhas, permitindo a entrada de cálcio na célula de forma descontrolada”, explicou Alexander Henning Ulrich, coordenador do Projeto Temático apoiado pela FAPESP.

            Quando esse excesso de cálcio atinge a mitocôndria, estimula a formação de espécies reativas de oxigênio e induz programas de apoptose, uma espécie de suicídio celular.

            “Em experimento feito com ratos, a bradicinina conseguiu reverter o processo de apoptose. Isolamos cortes de uma região do cérebro desses animais, o hipocampo, e colocamos em uma solução fisiológica. Em seguida, fizemos uma estimulação elétrica com eletrodos e medimos a atividade neuronal”, disse Ulrich.

            Para simular o que ocorre no cérebro após uma isquemia, os pesquisadores trataram o tecido com NMDA, causando uma invasão de cálcio nas células. A medição da atividade neuronal feita em seguida mostrou que 80% dos neurônios piramidais do hipocampo haviam iniciado o processo de apoptose. Mas, quando o tecido cerebral recebeu bradicinina após a exposição ao NMDA, a maioria das células foi resgatada da morte.

            “Ainda estamos investigando qual é exatamente o mecanismo que confere à bradicinina esse efeito neuroprotetor. Nossa hipótese é que ocorre a ativação de uma sinalização que interrompe o processo de apoptose”, disse Ulrich.

            Apesar dos resultados promissores, de acordo com o pesquisador é pouco provável que a bradicinina possa ser usada para tratar isquemia cerebral. Alguns estudos indicam que subprodutos resultantes da degradação da molécula, tais como a des-arg9-bradicinina, poderiam induzir efeitos adversos, agravando os danos causados pela isquemia.

            “Nosso objetivo é descobrir uma substância análoga à bradicinina que tenha o efeito neuroprotetor sem as reações indesejadas”, disse.

Versátil

            A bradicinina foi isolada há mais de 50 anos por pesquisadores brasileiros. Eles observaram que o veneno da cobra jararaca-da-mata (Bothrops jararaca) aumentava a presença desse peptídeo no sangue de mamíferos.

            As substâncias responsáveis pelo aumento da concentração da bradicinina – denominadas peptídeos potencializadores da bradicinina (BPPs) – serviram de base para o desenvolvimento do captopril e de toda uma classe de medicamentos anti-hipertensivos.

            No Temático coordenado por Ulrich, o objetivo é descobrir novos usos para a molécula. A equipe verificou em modelos celulares in vitro que a substância estimula a neurogênese, ou seja, faz com que células-tronco do cérebro se transformem em novos neurônios. A descoberta abre caminho para novos tratamentos para doenças degenerativas, como Alzheimer e Parkinson.

            Em outro experimento feito com ratos modelos da doença de Parkinson, Ulrich e a pesquisadora Telma Tiemi Schwindt Diniz Gomes, professora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, conseguiram reverter quadros semelhantes aos que ocorrem em pacientes com Parkinson em estágio avançado.

            Os resultados foram apresentados durante a 27ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), realizada em Águas de Lindoia no mês de agosto.

            “Induzimos a morte dos neurônios dopaminérgicos em um dos hemisférios dos animais e eles passaram a apresentar falhas motoras, observadas como comportamento rotacional após a indução do sistema dopaminérgico por apomorfina”, contou Ulrich.

            “Cinquenta e seis dias após a administração da bradicinina, o comprometimento da função motora foi revertido na maioria dos animais. A análise histológica sugere que, de fato, a melhora foi causada pela neurogênese induzida pela droga”, afirmou.

O artigo “Kinin-B2 Receptor Mediated Neuroprotection after NMDA Excitotoxicity Is Reversed in the Presence of Kinin-B1 Receptor Agonists” pode ser lido em www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0030755.

 

05/10/2012,  Por Karina Toledo

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O que não mata alivia

Veneno da mamba-negra, um dos mais tóxicos do mundo, contém molécula com potencial analgésico similar ao da morfina, sem seus efeitos colaterais. Estudo da substância também identifica novos alvos potenciais no sistema nervoso para o combate à dor.
Por: Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line
Publicado em 03/10/2012 | Atualizado em 03/10/2012
 
Sem medo: pesquisa mostra que importantes descobertas podem ter as mais perigosas e insuspeitas origens. (foto: viperskin/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)
 
            Ser mordido por uma mamba-negra não deve ser uma experiência agradável – e muito provavelmente seria sua última. Isso porque a cobra, natural da África, possui um dos venenos mais tóxicos conhecidos. Porém, um novo peptídeo encontrado em meio a toda essa letalidade pode dar origem a novas substâncias analgésicas. Em ratos, os mambalgins mostraram uma eficiência similar à da morfina, mas sem seus efeitos colaterais. Além disso, por agirem sobre estruturas moleculares que nunca haviam sido associadas à sensação de dor, podem servir para a identificação de novos alvos para futuros tratamentos.
            “É muito instigante que um veneno tão mortal também contenha uma porção pequena de um poderoso analgésico não tóxico”
            O estudo, desenvolvido na França, foi publicado na edição desta semana da revista Nature. A nova classe de peptídeos corresponde a apenas 0,5% do conjunto de substâncias que formam o veneno da mamba-negra. Os mambalgins (mambalgin-1 e mambalgin-2) inibem a atividade de estruturas do sistema nervoso denominadas canais iônicos sensíveis a ácidos (ASICs, na sigla em inglês). Esses canais são responsáveis pelo transporte seletivo de íons, especialmente de sódio, através da membrana celular de neurônios – processo fundamental para a transmissão dos sinais elétricos.
            “Não sabemos se os mambalgins desempenham algum papel no veneno da cobra ou qual efeito produzem no corpo das presas, mas é muito instigante que um veneno tão mortal também contenha uma porção pequena de um poderoso analgésico não tóxico”, afirma uma das autoras do estudo, a fisiologista Anne Baron, da Universidade de Nice Sophia Antipolis. “Seu potencial contra dor se mostrou comparável ao dos derivados da morfina, sem, no entanto, envolver receptores opioides, relacionados aos muitos efeitos colaterais da substância."
            A aplicação clínica da morfina pode levar a problemas como diminuição da capacidade respiratória, constrição das pupilas, rigidez muscular, sedação, euforia e até dependência química.
 
 
 
Derivada do ópio, a morfina é um dos fármacos mais utilizados no combate à dor. Os mambalgins apresentaram um potencial analgésico comparável ao do composto, mas sem provocar seus muitos efeitos colaterais. (foto: -sel/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)
 
 
            Além de identificar os peptídeos, o estudo também traz novos conhecimentos sobre a fisiologia molecular da dor e abre novas perspectivas para seu combate. Muitos ASICs são reconhecidamente associados à transmissão da sensação de dor, tanto nos nociceptores (células nervosas especializadas nesse tipo de sinal), quanto em neurônios do sistema nervoso central, que conduzem a informação dos nociceptores até o cérebro.
            No entanto, os mambalgins atuam sobre canais de íons que nunca haviam sido relacionados a essa sensação, denominados ASIC1a, ASIC2a e ASIC1b. “A ciência já havia relacionado outros canais de íons à sensação de dor, mas essas associações são inéditas”, comemora Baron. “Por isso, o estudo desses canais e de substâncias que atuem sobre eles pode dar origem a novas classes de analgésicos”, acredita.
 
Sobre ratos e cobras
            Os pesquisadores avaliaram a ação da substância no alívio da dor a partir de testes com ratos. Soluções com os mambalgins eram injetadas nos animais por diversas vias (como subcutânea e intracerebral) e a sensibilidade dos roedores era medida a partir de suas reações a estímulos de dor aguda e dor inflamatória.
            “As vias associadas à dor são parecidas no homem e no rato, o que nos dá confiança no seu potencial para combater a dor”
            “Não sabemos ainda se poderemos repetir, em humanos, os bons resultados obtidos com os ratos”, pondera Baron. “Mas as vias neurológicas associadas à dor são parecidas no homem e nesses animais, o que nos dá confiança no seu potencial para combater a dor.”
            Ela pondera, no entanto, que ainda há muitas etapas a serem vencidas para uma aplicação comercial da molécula. O próximo passo será a realização de mais testes pré-clínicos que avaliem seu potencial para o alívio de outros tipos de dor, como dores crônicas, e com outras vias de administração.
            “Há muitos desafios nesse caminho”, avalia. “Por exemplo, sua própria natureza de peptídeo pode dificultar a manipulação dos mambalgins pela indústria farmacêutica, por serem pouco estáveis e difíceis de administrar oralmente. No entanto, a química de hoje é boa o suficiente para superar esse tipo de barreira.”
            Baron lembra que, apesar de se tratar de um fato raro, essa não é a primeira vez que substâncias analgésicas são identificadas no veneno de animais. Até agora, a mais notável delas não vem de cobras, mas de caracóis marinhos, e é utilizada no combate à dor crônica.
Rápida, mortal e famosa
 
A mamba-negra ou mamba-preta (Dendroaspis polylepis) é uma das cobras mais venenosas do mundo: sua taxa de mortalidade, sem tratamento, é de quase 100%, levando a presa à morte de minutos a poucas horas depois da mordida. Ela pode ser encontrada em boa parte da África e é uma das mais velozes serpentes do planeta, podendo se deslocar sobre o solo em velocidades de até 20 km/h. Seu nome está relacionado à coloração da parte interna da sua boca – uma ameaçadora bocarra negra. A espécie ficou famosa em 2003 e 2004, por aparecer (como na imagem acima) nos filmes da série Kill Bill, do cineasta Quentin Tarantino, e servir de codinome para a personagem principal da produção, Beatrix Kiddo, interpretada pela atriz Uma Thurman.

Bactéria pode atuar como “vacina” para dengue


  Organismo pode bloquear a multiplicação do vírus da dengue dentro do Aedes aegypti ao ser inoculado no inseto, indicam cientistas. Há também possibilidade de estender a estratégia para o vetor da malária (UCSC).

Agência FAPESP – Primeiramente encontrada em 1924 no mosquito Culex pipiens, a Wolbachia pipientis é uma bactéria presente nas células de cerca de 70% dos insetos, desde borboletas ao pernilongo.

          O Aedes aegypti, vetor da dengue – considerada a mais importante doença viral transmitida por mosquitos no mundo –, pertence aos 30% de invertebrados que não têm a bactéria. Ou não tinham.

          Pesquisadores descreveram, durante o 28º Congresso Internacional de Medicina Tropical, evento realizado no Rio de Janeiro entre os dias 24 e 27 de setembro pela Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, como a Wolbachia pode atuar como uma “vacina” para o Aedes, bloqueando a multiplicação do vírus dentro do inseto ao ser inoculada no mosquito.

Cada cepa da bactéria é responsável por uma reação em seu hospedeiro. Há alguns anos, ao observarem que ela diminuía pela metade o tempo de vida da Drosophila (a mosca-das-frutas), cientistas do programa internacional “Eliminar a Dengue: Nosso Desafio”, liderados por Scott O’Neill, da Universidade de Monash (Melbourne, Austrália), demonstraram que a Wolbachia, se inoculada no Aedes aegypti, poderia também reduzir a longevidade do mosquito, diminuindo a sua capacidade de transmitir o vírus.

          “Se o mosquito vivesse pela metade, ele teria menor chance de transmitir o vírus, já que esse precisa ficar incubado de oito a dez dias dentro do corpo do vetor. Então, pensamos que, se vivesse 15 em vez de 30 dias, o inseto morreria antes de se alimentar e de haver a incubação do vírus”, disse o entomologista molecular Luciano Moreira, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição brasileira parceira do projeto mundial.

          “Mas, quando inoculamos a bactéria, ficamos surpresos ao ver que ela, além de diminuir o tempo de vida do mosquito, também fazia com que o vírus não se desenvolvesse”, disse.

          “Agora, há uma nova cepa da bactéria que está sendo usada na Austrália e que não encurta a vida do inseto, mas apenas bloqueia o vírus. Então, a ideia de encurtamento da vida do mosquito já não é tão importante. O importante é o bloqueio do vírus”, disse Moreira à Agência FAPESP.

          A Wolbachia foi transferida da mosca-das-frutas para o Aedes aegypti por meio da técnica de microinjeção, que consiste em uma agulha fina que insere a bactéria nos ovos do mosquito.

          Em 2008, Moreira se mudou para a Austrália e passou a trabalhar com a equipe de pesquisadores que desenvolviam o projeto no país. “A partir do momento que tivemos a linhagem de mosquitos com a bactéria, trouxemos os ovos para o Brasil e fizemos o cruzamento com as populações brasileiras de mosquitos, ainda mantidos em laboratório”, contou.

          No Brasil, o projeto em sua primeira fase foi focado na manutenção de colônias dos mosquitos com a bactéria e no cruzamento com Aedes aegypti de populações brasileiras.

          A soltura da nova linhagem de mosquitos na natureza deve ocorrer no começo de 2014, no Rio de Janeiro, escolhido por este ser o estado campeão de casos da doença e pela quantidade de mosquitos encontrada ao longo do ano inteiro. Na Austrália, os mosquitos com as bactérias já foram soltos. No Vietnã e na Indonésia, a soltura ocorrerá no ano que vem.

          “Há um processo de preparação. Temos que trabalhar primeiro com as comunidades e informá-las sobre o projeto. Além disso, precisamos conhecer dados entomológicos sobre as populações de mosquitos locais”, explicou Moreira.
 

Projeto seguro e sustentável

          A Wolbachia só pode ser transmitida verticalmente (de mãe para filho) por meio do ovo da fêmea do mosquito. Fêmeas com Wolbachia sempre geram filhotes com a bactéria no processo de reprodução.

          “Por isso, uma vez estabelecido o método em campo, os mosquitos continuam a transmitir a bactéria naturalmente para seus descendentes”, disse Moreira.

          Após soltos em campo, o número de mosquitos machos e fêmeas com Wolbachia tende a aumentar, até que a população inteira de mosquitos tenha a bactéria e o vírus não se estabeleça mais.

          “Nossa estratégia é completamente compatível com outras. Não será a única forma de controle da dengue. As pessoas terão que continuar a tirar os criadouros e os cientistas a continuar as pesquisas em vacinas”, disse Moreira.

          O entomologista ressalta as principais características do projeto, como a segurança e a autossustentabilidade. “É um projeto seguro, pois a bactéria já está presente na natureza. É autossustentável porque, a partir do momento em que é colocada no campo, a bactéria é passada para a natureza. Além de tudo isso, não tem fins lucrativos. Os mosquitos não serão vendidos. Serão espalhados e assim utilizados”, afirmou.

          Assim como o A. aegypti, o Anopheles, principal vetor da malária no Brasil, não tem a bactéria. “Mas já foi demonstrado que se a Wolbachia for injetada no corpo do mosquito ela bloqueará o parasita causador da malária”, destacou Moreira.
 
03/10/2012, Por Washington Castilhos.