sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Precisamos falar sobre a vaidade na vida acadêmica



Combater o mito da genialidade, a perversidade dos pequenos poderes e os "donos de Foucault" é fundamental para termos uma universidade melhor

Por Rosana Pinheiro-Machado, publicado em 24/02/2016, Carta Capital.

          A vaidade intelectual marca a vida acadêmica. Por trás do ego inflado, há uma máquina nefasta, marcada por brigas de núcleos, seitas, grosserias, humilhações, assédios, concursos e seleções fraudulentas. Mas em que medida nós mesmos não estamos perpetuando esse modus operandi para sobreviver no sistema? Poderíamos começar esse exercício auto reflexivo nos perguntando: estamos dividindo nossos colegas entre os “fracos” (ou os medíocres) e os “fodas” (“o cara é bom”).
          As fronteiras entre fracos e 'fodas' começam nas bolsas de iniciação científica da graduação. No novo status de bolsista, o aluno começa a mudar a sua linguagem. Sem discernimento, brigas de orientadores são reproduzidas. Há brigas de todos os tipos: pessoais (aquele casal que se pegava nos anos 1970 e até hoje briga nos corredores), teóricas (marxistas para cá; weberianos para lá) e disciplinares (antropólogos que acham sociólogos rasos generalistas, na mesma proporção em que sociólogos acham antropólogos bichos estranhos que falam de si mesmos).
          A entrada no mestrado, no doutorado e a volta do doutorado sanduíches vão demarcando novos status, o que se alia a uma fase da vida em que mudar o mundo já não é tão importante quanto publicar um artigo em revista Qualis A1 (que quase ninguém vai ler).
          Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, dizíamos que quando alguém entrava no mestrado, trocava a mochila por pasta de couro. A linguagem, a vestimenta e o ethos mudam gradualmente. E essa mudança pode ser positiva, desde que acompanhada por maior crítica ao sistema e maior autocrítica – e não o contrário.
          A formação de um acadêmico passa por uma verdadeira batalha interna em que ele precisa ser um gênio. As consequências dessa postura podem ser trágicas, desdobrando-se em dois possíveis cenários igualmente predadores: a destruição do colega e a destruição de si próprio.
          O primeiro cenário engloba vários tipos de pessoas (1) aqueles que migraram para uma área completamente diferente na pós-graduação; (2) os que retornaram à academia depois de um longo tempo; (3) os alunos de origem menos privilegiada; (4) ou que têm a autoestima baixa ou são tímidos. Há uma grande chance destas pessoas serem trituradas por não dominarem o ethos local e tachadas de “fracos”.
          Os seminários e as exposições orais são marcados pela performance: coloca-se a mão no queixo, descabela-se um pouco, olha-se para cima, faz-se um silêncio charmoso acompanhado por um impactante “ãaaahhh”, que geralmente termina com um “enfim” (que não era, de fato, um “enfim”). Muitos alunos se sentem oprimidos nesse contexto de pouca objetividade da sala de aula. Eles acreditam na genialidade daqueles alunos que dominaram a técnica da exposição de conceitos.
          Hoje, como professora, tenho preocupações mais sérias como estes alunos que acreditam que os colegas são brilhantes. Muitos deles desenvolvem depressão, acreditam em sua inferioridade, abandonam o curso e não é raro a tentativa de suicídio como resultado de um ego anulado e destruído em um ambiente de pressão, que deveria ser construtivo e não destrutivo.
          Mas o opressor, o “foda”, também sofre. Todo aquele que se acha “bom” sabe que, bem lá no fundo, não é bem assim. Isso pode ser igualmente destrutivo. É comum que uma pessoa que sustentou seu personagem por muitos anos, chegue na hora de escrever e bloqueie.
          Imagine a pressão de alguém que acreditou a vida toda que era foda e agora se encontra frente a frente com seu maior inimigo: a folha em branco do Word. É “a hora do vâmo vê”. O aluno não consegue escrever, entra em depressão, o que pode resultar no abandono da tese. Esse aluno também é vítima de um sistema que reproduziu sem saber; é vítima de seu próprio personagem que lhe impõe uma pressão interna brutal.
          No fim das contas, não é raro que o “fraco” seja o cavalinho que saiu atrasado e faça seu trabalho com modéstia e sucesso, ao passo que o “foda” não termine o trabalho. Ademais, se lermos o TCC, dissertação ou tese do “fraco” e do “foda”, chegaremos à conclusão de que eles são muito parecidos.
          A gradação entre alunos é muito menor do que se imagina. Gênios são raros. Enroladores se multiplicam. Soar inteligente é fácil (é apenas uma técnica e não uma capacidade inata), difícil é ter algo objetivo e relevante socialmente a dizer.
          Ser simples e objetivo nem sempre é fácil em uma tradição “inspirada” (para não dizer colonizada) na erudição francesa que, na conjuntura da França, faz todo o sentido, mas não necessariamente no Brasil, onde somos um país composto majoritariamente por pessoas despossuídas de capitais diversos.
          É preciso barrar imediatamente este sistema. A função da universidade não é anular egos, mas construí-los. Se não dermos um basta a esse modelo a continuidade desta carreira só piora. Criam-se anti-professores que humilham alunos em sala de aula, reunião de pesquisa e bancas. Anti-professores coagem para serem citados e abusam moral (e até sexualmente) de seus subalternos.
          Anti-professores não estimulam o pensamento criativo: por que não Marx e Weber? Anti-professores acreditam em Lattes e têm prazer com a possibilidade de dar um parecer anônimo, onde a covardia pode rolar às soltas.

O dono do Foucault
          Uma vez, na graduação, aos 19 anos, eu passei dias lendo um texto de Foucault e me arrisquei a fazer comparações. Um professor, que era o dono do Foucault, me disse: “não é assim para citar Foucault”.
          Sua atitude antipedagógica, anti-autônoma e anti-criativa, me fez deixar esse autor de lado por muitos anos até o dia em que eu tive que assumir a lecture “Foucault” em meu atual emprego. Corrigindo um ensaio, eu quase disse a um aluno, que fazia um uso superficial do conceito de discurso, “não é bem assim...”.
          Seria automático reproduzir os mecanismos que me podaram. É a vingança do oprimido. A única forma de cortamos isso é por meio da autocrítica constante. É preciso apontar superficialidade, mas isso deve ser um convite ao aprofundamento. Esquece-se facilmente que, em uma universidade, o compromisso primordial do professor é pedagógico com seus alunos, e não narcisista consigo mesmo.
          Quais os valores que imperam na academia? Precisamos menos de enrolação, frases de efeitos, jogo de palavras, textos longos e desconexos, frases imensas, “donos de Foucault”. Se quisermos que o conhecimento seja um caminho à autonomia, precisamos de mais liberdade, criatividade, objetividade, simplicidade, solidariedade e humildade.
          O dia em que eu entendi que a vida acadêmica é composta por trabalho duro e não genialidade, eu tirei um peso imenso de mim. Aprendi a me levar menos a sério. Meus artigos rejeitados e concursos que fiquei entre as últimas colocações não me doem nem um pouquinho. Quando o valor que impera é a genialidade, cria-se uma “ilusão autobiográfica” linear e coerente, em que o fracasso é colocado embaixo do tapete. É preciso desconstruir o tabu que existe em torno da rejeição.
          Como professora, posso afirmar que o número de alunos que choraram em meu escritório é maior do que os que se dizem felizes. A vida acadêmica não precisa ser essa máquina trituradora de pressões múltiplas. Ela pode ser simples, mas isso só acontece quando abandonamos o mito da genialidade, cortamos as seitas acadêmicas e construímos alianças colaborativas.
          Nós mesmos criamos a nossa trajetória. Em um mundo em que invejas andam às soltas em um sistema de aparências, é preciso acreditar na honestidade e na seriedade que reside em nossas pesquisas.

Transformação
          Tudo depende em quem queremos nos espelhar. A perversidade dos pequenos poderes é apenas uma parte da história. Minha própria trajetória como aluna foi marcada por orientadoras e orientadores generosos que me deram liberdade única e nunca me pediram nada em troca.
          Assim como conheci muitos colegas que se tornaram pessoas amargas (e eternamente em busca da fama entre meia dúzia), também tive muitos colegas que hoje possuem uma atitude generosa, engajada e encorajadora em relação aos seus alunos.
          Vaidade pessoal, casos de fraude em concursos e seleções de mestrado e doutorado são apenas uma parte da história da academia brasileira. Tem outra parte que versa sobre criatividade e liberdade que nenhum outro lugar do mundo tem igual. E essa criatividade, somada à colaboração, que precisa ser explorada, e não podada.
          Hoje, o Brasil tem um dos cenários mais animadores do mundo. Há uma nova geração de cotistas ou bolsistas Prouni e Fies, que veem a universidade com olhos críticos, que desafiam a supremacia das camadas médias brancas que se perpetuavam nas universidades e desconstroem os paradigmas da meritocracia.
          Soma-se a isso o frescor político dos corredores das universidades no pós-junho e o movimento feminista que só cresce. Uma geração questionadora da autoridade, cansada dos velhos paradigmas. É para esta geração que eu deixo um apelo: não troquem o sonho de mudar o mundo pela pasta de couro em cima do muro.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Um exército de doutores desempregados



Artigo de Hugo Fernandes-Ferreira, publicado originalmente na Tribuna do Ceará
Vou contar uma história para vocês, para que entendam em que ponto a Ciência brasileira se insere nessa crise. Ao personagem, dou o nome de Carinha. Obviamente, é uma história generalista, que jamais pode ser aplicada a todos, mas pelo menos a uma enorme parcela dos acadêmicos. Você verá muitos amigos seus na pele do Carinha. Talvez, você mesmo.
1 – No começo dos anos 2000, principalmente a partir de 2005, novas universidades começam a surgir e o número de vagas, inclusive nas já existentes, aumentam vertiginosamente. A estrutura também melhora e as taxas de evasão de cursos de Ciência básica (Física, Química, Biologia e Matemática, por exemplo) caem. O Carinha, então, ingressa em um desses cursos.
2 – O Carinha que entrou em 2005 e se formou em 2009 passou o período da faculdade desconhecendo o mercado de trabalho do seu curso fora do meio acadêmico. Ao seu lado, muitos colegas que passaram quatro anos sem saber nem o que estavam fazendo. Para o Carinha, não havia outra solução a não ser lecionar em escolas ou tentar o Mestrado, que oferecia bolsa de pesquisa de R$ 1.100,00. Mas, para isso, teria que passar por uma difícil e concorrida seleção. Até que, com o aumento do número de programas e bolsas de pós-graduação, ele viu então que aquilo não era tão difícil assim. Em 2010, torna-se mestrando.
3 – Enquanto seu amigo engenheiro civil, recém-formado, já está dando entrada para comprar um carro, o Carinha usa sua bolsa para pagar seus pequenos gastos pessoais, além de sua pesquisa sem financiamento externo. Em dois anos, tenta produzir alguns artigos para enriquecer o currículo. Tem planos para publicar cinco, mas publica um, em revista de qualis baixo. Em paralelo, entra num forte estresse para entregar sua dissertação e passar pelo forte crivo da banca, que pode reprová-lo. Será? Na semana de sua defesa, seu colega também é aprovado, mas com um projeto medíocre e mal conduzido, que, apesar de criticado, foi encaminhado pela banca porque reprovações não são interessantes para a avaliação de conceito do Programa. Normas do MEC.
4 – Já mestre, publica mais um artigo e entra no Doutorado, em 2012. Foi mais difícil que o Mestrado, porém mais fácil do que teria sido anos atrás, por conta do bom número de bolsas disponível. Boa parte daqueles colegas medianos desiste da vida acadêmica, mas aquele dito cujo sem perfil de cientista de alto nível também é aprovado. Afinal, ter bolsas desocupadas não é interessante, porque senão o Programa é obrigado a devolvê-las. Normas do MEC.
5 – Sua bolsa de R$ 2.500,00 já ajuda um pouco sua condição financeira, enquanto aquele colega engenheiro conta sobre sua primeira casa própria. Além disso, o amigo já contribui com o INSS, tem seguro desemprego, 13º salário, plano de saúde, cartão alimentação, entre outros benefícios. O Carinha não, tem só a bolsa e um abraço. Normas do MEC. Mas, tudo bem, é um investimento em longo prazo. Logo menos, ele tentará um concurso para ser professor universitário, com iniciais de cerca de R$9.000,00. Ele se esforça, publica artigos, dá aulas, redige a Tese, defende e é aprovado. O colega mediano faz um terço disso, mas também alcança o título.
6 – Eis que, em 2016, doutor Carinha se depara com uma grave crise financeira. Cortes profundos no orçamento, principalmente no Ministério da Educação, tornam escassas as vagas como docente. Concursos em cidades remotas do interior, antes com dois, cinco concorrentes no máximo, contam hoje com 30, 50, 80. A solução então é caminhar urgentemente para um Pós-Doutorado, com bolsa de R$ 4.100,00, metade do que ganha seu amigo engenheiro, mas ok, dá um caldo bom, ainda que continue sem direitos trabalhistas. Pouco tempo atrás, as bolsas sobravam e os convites eram feitos pelo próprio professor. Hoje, ele enfrenta uma seleção com 30. Ele passa, o outro colega já fica pelo caminho, assim como centenas espalhados pelo País. O que eles estão fazendo agora?
O resumo da história é… Temos um exército de graduados analfabetos funcionais e de mestres que não merecem o título. Em um pelotão menor, mas ainda numeroso, doutores cujo diploma só servem para enfeitar a parede. Bilhões de reais gastos para investir e manter um grupo cujo retorno científico é pífio para o País. Entretanto, esse não é o pior cenário.
Alarmante é ver outro exército de Carinhas, esse qualificado, com boas produções, só que desempregado e enfrentando a maior dificuldade financeira de suas vidas. Alguns há anos em bolsas de Pós-Doutorado, sem saberem se essas podem ser cortadas no ano seguinte. Se forem, nenhum mísero centavo de seguro desemprego. Na rua, ponto. Outros abandonando por vez a carreira para tentar os já escassos concursos públicos em outras áreas ou mesmo para fazer doces caseiros, entre outras alternativas.
Ao passo que o Governo acertou na criação de novas universidades, programas e bolsas de pós-graduação nesses últimos 14 anos, a gestão desse material humano e financeiro foi bastante descontrolada. Quantidade exacerbada de cursos criados sem demanda profissional, falta de política de cargos e carreiras para o cientista brasileiro, recursos transportados para um programa de intercâmbio que não exigia praticamente nenhum produto de um aluno de graduação (sobre Ciência Sem Fronteiras, teremos um post exclusivo), critérios de avaliação bem distantes da realidade das melhores universidades do mundo, além de uma série de outros absurdos.
Teremos cerca de dez anos pela frente para que essa curva entre oportunidades e demanda volte a estabilizar. Não tenho dúvidas de que alcançaremos isso. Mas, até lá, cabe a pergunta. O que faremos com os novos Carinhas que ainda surgem a cada vestibular?

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Einstein acertou: cientistas provam que ondas gravitacionais existem


Detecção acontece pouco mais de cem anos após publicação da Teoria da Relatividade Geral pelo físico


Por CESAR BAIMA

Ondas gravitacionais geradas por colisões de buracos negros foram observadas pela primeira vez pelo LIGO – Divulgação de vídeo do LIGO

RIO — Última das principais previsões da Relatividade Geral de Albert Einstein que ainda não tinham sido observadas diretamente, as ondas gravitacionais foram finalmente detectadas, provando mais uma vez a correção da teoria publicada pelo físico de origem alemã há pouco mais de cem anos. Após meses de rumores na comunidade científica, que ganharam ainda mais força nas últimas semanas, pesquisadores do experimento Ligo (Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferometria a Laser, na sigla em inglês), nos EUA, anunciaram ontem em uma conferência em Washington que seus equipamentos registraram a passagem dessas distorções no espaço-tempo pela Terra em 14 de setembro último, o que deverá representar uma nova era na astronomia e cosmologia.

— Senhoras e senhores, nós detectamos ondas gravitacionais. Conseguimos! — comemorou David Reitze, pesquisador do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e diretor-executivo do Ligo. — Esta é a primeira vez que o Universo fala conosco por meio de ondas gravitacionais. Ao abrirmos essa nova janela para a astronomia, poderemos ver coisas que nunca vimos antes.

Processo que mostra a colisão de dois buracos negros, o que acontece em pouquíssimos segundos - Divulgação/LIGO

         Elaborada para explicar como funciona a gravidade, a Relatividade Geral diz que toda massa distorce a estrutura do espaço-tempo à sua volta, deformações geralmente ilustradas, de maneira simplificada, como uma bola de boliche pousada em uma cama elástica, e que sentimos como uma força atrativa. Mas como nada no Universo é estático, a movimentação de qualquer objeto provoca oscilações no tecido do espaço-tempo que se espalham a partir dele como uma pedra atirada em um lago, que são as chamadas ondas gravitacionais.

50 vezes a energia de todas as estrelas
Estas oscilações, no entanto, são muito pequenas. Assim, para as ondas gravitacionais serem detectadas, pelo menos com a tecnologia disponível atualmente — e inexistente na época de Einstein —, é preciso, primeiro, que elas sejam geradas por objetos extremamente maciços se movendo muito rápido. E foi exatamente isso que o Ligo observou.
Segundo os cientistas, o sinal captado — com uma frequência que começou em 35 ciclos por segundo (hertz) e rapidamente subiu para 250 hertz, e por isso foi equiparado ao “pio” de um passarinho — foi provocado pela fusão de dois buracos negros, um com cerca de 36 vezes a massa do Sol e outro com 29 massas solares, que colidiram a uma velocidade equivalente à metade da luz em uma galáxia distante, há estimados 1,3 bilhão de anos. Dessa união resultou um novo buraco negro com 62 vezes a massa do Sol, com as três massas solares faltantes convertidas em uma fração de segundo na energia que alimentou a emissão das ondas gravitacionais, num total que, neste breve período de tempo, ultrapassou em 50 vezes a energia liberada por todas as estrelas do Universo juntas.
Apesar de todo este poder na sua origem, os efeitos da passagem das ondas gravitacionais pela Terra foram ínfimos. Isso porque, assim como as ondas geradas pela pedra no lago vão diminuindo de tamanho à medida que se afastam do ponto de impacto, essas oscilações no espaço-tempo perderam “força” ao percorrerem os 1,3 bilhão de anos-luz que nos separam do agora único buraco negro. Assim, durante uma fração de segundo, elas esticaram e espremeram o espaço-tempo no nosso planeta em apenas uma parte em um sextilhão, no equivalente à largura de um simples núcleo atômico.
E essa variação tão pequena só pôde ser detectada graças à incrível sensibilidade do Ligo. Idealizado pelos físicos americanos Rainer Weiss, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Kip Thorne, do Caltech, e o escocês Ronald Drever, hoje aposentado, mas anteriormente associado ao instituto californiano — e todos eles desde já considerados fortes candidatos a receberem um futuro Prêmio Nobel de Física, se não ainda este ano muito em breve —, o experimento é, na verdade, composto por dois observatórios instalados nos estados americanos de Washington e Louisiana, cerca de três mil quilômetros distantes um do outro.
Construídos a um custo de mais de US$ 1,1 bilhão (cerca de R$ 4,4 bilhões) a partir dos anos 1990 pela Fundação Nacional de Ciência dos EUA (NSF), nestes dois observatórios potentes lasers com comprimento de onda extremamente curto batem e voltam constantemente em espelhos colocados nas extremidades de dois corredores de aproximadamente quatro quilômetros de comprimento cada, erguidos em forma de “L” e cuidadosamente protegidos de vibrações externas. Em situações normais, esses dois raios de luz se anulam ao se encontrarem no “canto” do “L”, num processo conhecido como interferometria. Mas, quando uma onda gravitacional passa por eles, um dos “braços” do “L” fica ligeiramente mais curto ou longo que o outro, e parte da luz “vaza” para atingir um detector. Com isso, os dois observatórios podem medir variações no comprimento dos corredores por essas oscilações no espaço-tempo com uma precisão de um décimo de milésimo do diâmetro de um próton.

Uma nova era na astronomia
Mais que provar, novamente, que Einstein estava certo, porém, a detecção das ondas gravitacionais promete abrir novos caminhos para as pesquisas em astronomia e cosmologia. Até hoje, por exemplo, alguns teóricos, embora poucos, duvidavam da possibilidade da existência de buracos negros — ideia que inclusive não agradava e chegou a ser rechaçada pelo famoso autor da Relatividade Geral —, o que agora foi definitivamente comprovado, já que nenhum outro par de objetos poderia concentrar tanta massa em tão pouco espaço e se comportar da maneira como os dois cuja fusão foi observada pelo Ligo.
— A importância desta detecção vai além do que podemos prever, pois acaba de nascer um novo campo da ciência — destaca a astrônoma brasileira Duilia de Mello, professora da Universidade Católica da América, nos EUA, e pesquisadora do Centro de Voo Espacial Goddard, da Nasa. — Já estudamos a teoria de ondas gravitacionais há muito tempo, mas só hoje (ontem) é que esta teoria virou realidade. Só hoje (ontem), quando os cientistas do Ligo mostraram os sinais observados, que a comunidade científica respirou aliviada. Agora estamos prontos para inventar, inovar e transformar a ciência e a tecnologia mais uma vez. Já pensou quanta coisa importante está por ser descoberta que antes não conhecíamos? Agora que podemos ouvir buracos negros se chocando, podemos sonhar em ouvir muito mais e entender melhor fenômenos que nos deixam sempre perplexos e que fazem parte da história do Universo.