quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Ciência para Educação


ROBERTO LENT, Tendências/debates/Folha de São Paulo, 17/11/2016

          Todo mundo sabe o que é ciência, todo mundo sabe o que é educação. Mas talvez nem todos conheçam a expressão "ciência para educação".
          Trata-se de uma modalidade de pesquisa translacional, isto é, pesquisa científica inspirada pelo uso social, como já se faz tradicionalmente para a saúde e as engenharias. O uso social, neste caso, é a educação.
          Em saúde, por exemplo, ninguém duvida de que a pesquisa científica é crucial para descobrir a causa das doenças, desenvolver novos tratamentos e medidas de prevenção, avaliar se as intervenções propostas funcionam.
          Resultou dessa compreensão um grande avanço na expectativa de vida em vários países, inclusive o nosso, apesar de ainda estarmos muito longe do ideal.
          No caso da educação, tudo isso é novo. Ultimamente, a cultura da avaliação científica usada por epidemiologistas, economistas e cientistas sociais tem crescido em aceitação e importância.
          A recente medida provisória sobre o ensino médio, por exemplo, foi orientada pelo mau resultado dos estudantes brasileiros nesse segmento, avaliado com metodologia relativamente rigorosa.
          Essa forma de pesquisa pode ser denominada "reativa", isto é, realizada depois que uma intervenção é implementada, sendo esta concebida por critério políticos, ideológicos ou eleitorais.
          Já é alguma coisa. No entanto, melhor seria se as políticas educacionais fossem propostas com base em evidências obtidas antes da implementação nas escolas. Seria uma forma mais controlada e eficaz de política pública, que podemos chamar de "proativa".
          Um bom exemplo seria incluir, e não excluir, naquela mesma medida provisória as aulas de educação física na grade curricular obrigatória.
          Isso teria levado em conta as extensas evidências científicas, em animais e humanos, de que o exercício físico aumenta a produção de neurônios e melhora o desempenho da memória (ou seja, da aprendizagem também).
          O ícone dessa forma de pesquisa inspirada pelo uso é Louis Pasteur, que derrotou a concepção da origem espontânea da vida. Foi uma revolução na ciência natural.
          Todavia, poucos sabem que as pesquisas de Pasteur foram inspiradas (leia-se, financiadas) pelos vinicultores e cervejeiros, preocupados em entender e controlar a contaminação natural dos seus produtos. Pasteur revolucionou a ciência básica e criou tecnologias que até hoje são empregadas, como a pasteurização dos alimentos.
          Ciência para educação, portanto, é um novo enfoque agregador para as políticas sociais, que exige a captação do interesse de neurocientistas, psicólogos, pedagogos, linguistas, cientistas da computação, matemáticos e muitos outros.
          Todos eles deveriam se envolver em projetos voltados para otimizar a aprendizagem das crianças, o tratamento de transtornos que prejudicam o rendimento escolar, a adequada orientação dos professores e o desenvolvimento de tecnologias educacionais eficazes.
          Poucos países começam a adotar essa nova vertente: Estados Unidos, Austrália, China, Coreia. Ninguém mais, ainda. A chance é agora, quando a corrida está começando.

ROBERTO LENT é professor titular do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro da Academia Brasileira de Ciências.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Ciência – o inédito, o interessante, o aplicável, o rentável… Ciência – o exercício de cidadania de um país

Artigo de Regina P. Markus, professora titular do IBUSP, membro da ABC e ACIESP, e dos conselhos deliberativos da SBPC e do CNPq.

         Estamos sob uma nova velha ordem no Brasil que vem construindo uma ponte entre momentos históricos. Como sempre, pouco conhecemos do passado recente, visto que apenas conseguimos ver o que os nossos olhos, ou mesmo óculos conseguem focar. Assim, em cada grupo ideológico, classe social ou origem parental temos opiniões diferentes. Há, no entanto, “coisas” que consideramos essenciais e entre estas está a educação e a saúde e outras que parecem ser muito importantes, mas que podem ser relativizadas e entre estas está a ciência.
         Ciência, uma atividade que tem permitido a humanidade distinguir-se de outras espécies levando o homem a domínio e uso de tecnologias cada vez mais avançados. Atividade pouco compreendida que às vezes é romantizada, às vezes temida e outras precisa ser controlada.
         Um fato é certo, a capacidade de gerar conhecimento é que tem distinguido nações e povos ao longo da história. O domínio da agricultura e da tecnologia da construção. A capacidade de singrar os mares e o espaço. A melhoria da condição de vida através do progresso da medicina. Todos estes fatos, que foram importantes na antiguidade, no início da Era Comum, na Idade Média e Moderna continuam sendo na atualidade.
         Vindo para o mundo real lembro do dia 24 de outubro de 1924, a famosa quebra das bolsas de Nova York. Falta de regulação e de comprometimento fez com que uma país inteiro e o mundo sofresse grandes perdas, a partir de papel. E as empresas estavam com dinheiro, e com estoques, mas não tinham para quem vender. No que aplicar? No que investir? Conta a história que uma delas resolve investir em perguntas básicos e saber se é possível formar longas cadeias de carbono (polímeros). Muita química? Muito técnico? Sim, para a maioria, mas não para o jovem William Carothers e a diretoria da Dupont. Era algo revolucionário na época, mas era uma forma de investimento e a Dupont de 1924 investiu em ciência básica e colheu os frutos dez anos depois, com o início da era do nylon e de muitos outros polímeros.
         Será que é muito distante? Então voemos no tempo até 2016, e vamos avaliar o plano quinquenal da China (2016 – 2020). O objetivo do 13o Plano Quinquenal é que os trabalhos científicos da China passem a ser os segundos mais citados no mundo e que os cientistas da China estejam entre os 10% mais citados do mundo. O Fundo criado para este fim é gerenciado pela “National Natural Science Foundation of China (NSCF)”. Esta vontade é traduzida em investimento de 88.8 bilhões de yuans (13,6 bilhões de dólares).
         E o Brasil??? Nos últimos 40 anos, com investimento nacional e no caso de São Paulo com um forte investimento estadual, o Brasil logrou alcançar o 13o lugar em publicação e 18o em citações no mundo (Thomas Reuters, SCImago, 1996-2014). Disto deveríamos nos orgulhar e continuar. Mas, ao invés vemos o governo atual desmontar o sistema, e mais do que isto, começamos a ver que existe estudos teóricos baseando estas atitudes (Fernanda de Negri, O Estado de São Paulo, 7 de novembro de 2016). Estes estudos ignoram o obtido e consideram que a ciência brasileira pouco contribuiu para o desenvolvimento do País. Dizem que é preciso focar na busca do conhecimento. Sabemos que esta é a forma ideal para chegarmos a muito pouco.
         Nas áreas em que o Brasil tem competência em absorver o conhecimento gerado, a contribuição foi altamente significativa, como é o caso da agricultura – e isto não só se reflete na competência econômica, como também retorna para a competência científica – o Brasil responde por 10% dos trabalhos internacionais nas áreas Ciências Agrícolas (Thomas Reuters, inCities – 2011). Em ciências ambientais o Brasil responde por 7,4% – o que demonstra que também temos visibilidade no caso de meio ambiente e biodiversidade – a nossa ciência vem contribuindo de forma mensurável para o equilíbrio entre o desenvolvimento humano e a saúde planetária.
         Seguindo nesta lista que mostra o quanto a ciência brasileira vem produzindo encontramos a área de Farmacologia e Toxicologia – a indústria farmacêutica brasileira engatinha e as internacionais têm suas bases científicas alhures… Então?? Neste caso temos que considerar que os avanços obtidos em território nacional e nas Universidades Brasileiras, com foco especial ao Campus de Ribeirão Preto da USP, são marcos importantes na Farmacologia Internacional e que o Brasil está inserido como capítulos básicos de livros textos e na história do desenvolvimento de fármacos para hipertensão, inflamação e dor. Nominar apenas um Centro em todo o território nacional é uma injustiça e é preciso deixar registrado que centros de excelência científica são encontrados no Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul – e que alguns estão sendo formados na região Norte.
         Respostas rápidas a problemas emergentes só podem ser dadas quando a competência instalada está ativa e articulada. Anos de financiamento, com avaliação permanente e foco em excelência fizeram com que rapidamente os cientistas brasileiros tivessem competência de focar na Zika e mostrarem que esta causava microcefalia. Passo muito importante na busca da solução, quer individual, quer de grupo.
         Por que a Ciência Brasileira não é reconhecida e encontra importantes críticos dentro e fora das Universidades? A falta de capacidade de captação do conhecimento e transferência do mesmo para o setor produtivo é uma questão que tem que ser avaliada. Investimento dirigido por aqueles que podem consumir e transformar, leis que permitam que esta transferência seja objetivada. Enfim, temos que nos debruçar neste processo e encontrar formas adequadas de gerar pessoal e competência na área de transferência. Mas, NUNCA, JAMAIS – tolher e extinguir com todo o progresso já conseguido na GERAÇÃO de conhecimento. Não existe conhecimento inútil.
         A desconstrução da ciência brasileira ora em curso precisa parar.