sábado, 7 de maio de 2016

Ciência e Educação, políticas de Estado


Helena Nader
06/05/2016, Folha de São Paulo.

          Se numa transição governamental normal (via eleições) a Ciência e a Educação devem ser entendidas e tratadas como política de Estado, a assunção de um novo governo pelo afastamento, temporário ou definitivo, do anterior não pode negar essa condição aos temas que mais dizem respeito ao futuro do país.
          A notícia de que um bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (Marcos Pereira, presidente nacional do PRB) é cotado para assumir o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, em eventual governo Temer, mostra que a barganha política está acima dos critérios de competência, afinidade e compromissos com a área.
          Não temos nada contra religiões, nem contra a pessoa do político cotado para o posto, mas não se pode misturar preceitos religiosos com a Ciência. Precisamos de um ministro empenhado no progresso científico, com conhecimento a acrescentar, e não de um político com agenda religiosa.
          Durante décadas, repetimos exaustivamente que os rumos da Ciência e Tecnologia e da Educação não poderiam continuar submetidos exclusivamente aos interesses do governante que estivesse ocupando o Palácio do Planalto.
          O Brasil caminhou e podemos dizer que, nos últimos anos, Ciência e Tecnologia e Educação vêm avançando progressivamente para atingir o status de políticas de Estado. Portanto, não podemos admitir a possibilidade de retrocessos.
          Conseguimos, a partir do momento em que a educação passou a superar a condição de política de governo, universalizar o acesso ao ensino básico, estabelecer mecanismos de avaliação em todos os níveis do sistema e envolver a sociedade nas lutas pela melhoria da escola.
          Ainda precisamos universalizar a qualidade do ensino, especialmente na escola pública. O tamanho dessa tarefa nos faz exigir, na iminência de um novo governo, que as questões educacionais tenham tratamento à altura deste desafio: gente competente no Ministério da Educação (do ministro aos chefes de programas), orçamento condizente com a importância da pasta, eficiência administrativa e diálogo com a comunidade educacional.
          Com a Ciência, o quadro é o mesmo: avançamos nos últimos anos, mas há chão pela frente – principalmente porque o conhecimento científico está associado a três níveis de desenvolvimento indispensáveis ao Brasil de hoje e de amanhã.
          Um nível é o da Ciência como base do desenvolvimento tecnológico e da inovação, ferramentas cada vez mais utilizadas para a promoção da competitividade das empresas e das economias nacionais.
          O outro nível é o de desenvolvimento humano. Por exemplo, ao potencializar a funcionalidade de alimentos; ao pesquisar doenças, suas causas, comportamento e remédios; ao desenvolver equipamentos de alta tecnologia para diagnóstico e cura de enfermidades.
          O terceiro nível é o da sustentabilidade ambiental com desenvolvimento econômico. Conhecer e explorar nossos recursos naturais são dois aspectos que se interligam. Não há outra alternativa que não seja recorrer à Ciência para termos as respostas que nos indiquem os caminhos corretos para utilização das riquezas da nossa biodiversidade.
          Nesses três níveis, a Ciência brasileira já caminhou consideravelmente, mas ainda tem muito a contribuir com o país. Portanto, para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação também deve haver pré-requisitos: escolha de um ministro compromissado com o saber científico, seu desenvolvimento e sua aplicação; orçamento que acompanhe a curva histórica de crescimento; investimento equilibrado em Ciência básica e na sua aplicação.
          Precisamos de ações e pessoas à altura do Estado brasileiro.

HELENA NADER, 68, biomédica e professora titular de biologia molecular da UNIFESP, é presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).