quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Revistas como a Nature, Cell e Science são prejudiciais à Ciência


Artigo de Randy Schekman, ganhador do prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 2013, publicado pelo Jornal The Guardian, afirma que os incentivos oferecidos pelas principais revistas distorcem a ciência, assim como os grandes bônus distorcem o sistema bancário.

Traduzido por Murilo Sérgio da Silva Julião
           Sou um cientista e o meu objetivo profissional é obter grandes coisas para a humanidade. Porém, isto pode ser desfigurado por meio de incentivos inadequados. As estruturas predominantes de reputação pessoal e progressão profissional nos levam às maiores recompensas, muitas vezes acompanhadas de trabalhos rápidos, mas não os melhores. Os que seguem estes incentivos estão sendo inteiramente racionais – tenho seguido a mim mesmo – mas nem sempre estão servindo aos melhores interesses de nossa profissão, muito menos aos da humanidade e da sociedade.
          Sabemos como os incentivos distorceram os sistemas financeiro e bancário Os incentivos ofertados aos cientistas não são bônus enormes, porém recompensas profissionais são sempre destinadas aqueles cientistas que publicam em revistas de prestígio – principalmente a Nature, Cell e a Science.
          Essas revistas de luxo supostamente são a epítome da qualidade, pois publicam apenas as melhores pesquisas. Por conta disto, as agências de financiamento de pesquisas frequentemente levam em consideração as revistas onde foram publicadas as pesquisas como um parâmetro para avaliar a qualidade da ciência, logo se o cientista publicar sua pesquisa numa destas revistas, certamente obterá mais subsídios e alçará mais degraus na carreira. Porém a reputação das grandes revistas é só uma justificativa parcial. Enquanto essas revistas publicam muitos artigos excelentes, não publicam somente artigos excelentes. Nem são as únicas publicações para pesquisas de excelência.
          A curadoria dessas revistas atua de modo agressivo, pois propicia à maior vendagem de assinaturas do que o estímulo às pesquisas mais importantes. Como os estilistas que criam bolsas ou roupas de edição limitada, pois sabem que a escassez alimenta a demanda, de modo que artificialmente restringem o número de artigos aceitos. As marcas exclusivas são então comercializadas com um truque chamado "fator de impacto" – uma pontuação para cada revista, que mede o número de vezes que seus trabalhos são citados por pesquisas posteriores. Melhores artigos, diz a teoria, são citados com mais frequência, por isso as melhores revistas possuem as maiores pontuações. Ainda assim, é uma medida profundamente falha, perseguindo o que tornou-se um fim em si mesmo – e é tão prejudicial para a ciência como a cultura do bônus para o setor bancário.
          Isto é comum e incentivado por muitas revistas, para a pesquisa ser julgada pelo fator de impacto do periódico do que publicá-lo. Mas, como a pontuação de uma revista é uma média, este parâmetro não diz muito sobre a qualidade de qualquer pedaço individual da pesquisa. Além disso, a citação é, por vezes, mas nem sempre, ligada à qualidade. Um artigo pode se tornar altamente citado porque divulgou bons resultados sob o ponto de vista da ciência – ou porque é atraente, provocante ou errado. Os editores de revistas de luxo sabem disso, por isso aceitam artigos que possam explorar temas sensuais ou fazer reivindicações desafiadoras. Isso influencia a ciência que os cientistas fazem. Esses editores constroem verdadeiras bolhas nos campos da moda, pois do mesmo modo que incentivam os pesquisadores a fazer afirmações ousadas nessas revistas querem ao mesmo tempo desencorajar outros trabalhos importantes, como os estudos de replicação.
          Em casos extremos, a atração por uma revista de luxo pode incentivar correções mais rígidas e contribuir para o número crescente de artigos retraídos por serem falhos ou fraudulentos. A Science só recentemente retraiu artigos de alto nível que reportaram clonagem de embriões humanos, ligações entre lixo e violência e os perfis genéticos de pessoas centenárias. Talvez pior do que não ter retraído sobre as alegações de que um micróbio é capaz de usar arsênio em seu DNA em vez de fósforo, apesar das críticas da esmagadora maioria da comunidade científica.
          Há uma maneira melhor de corrigir isto, através da nova geração de revistas de acesso aberto que são livres para qualquer um ler, e não têm assinaturas caras para promover. Nascidas na web, essas revistas podem aceitar todos os artigos que cumprirem as normas de qualidade, sem limites artificiais. Muitas delas são editadas por cientistas em atividade, que podem avaliar o valor dos artigos sem levar em conta as citações. Como a eLife, uma revista de acesso aberto, que faço a editoria, financiada pelo Wellcome Trust, na qual os Institutos de Medicina Howard Hughes e a Sociedade Max Planck estão publicando ciência de nível mundial a cada semana.
          As agências financiadoras e universidades também têm um papel a desempenhar, pois devem esclarecer às comissões, que decidem sobre auxílios financeiros e cargos de chefia, para não julgar artigos com base somente nas revistas onde foram publicados. O importante é a qualidade da pesquisa, e não a marca da revista. O mais importante de tudo é que nós, cientistas, precisamos ter mais atitude. Tal como muitos pesquisadores de sucesso, já publiquei em revistas de marca, inclusive o artigo que me fez ser agraciado com o prêmio Nobel de medicina. Mas não publico mais. Já comprometi o meu laboratório para evitar revistas de luxo e incentivo os outros a fazerem o mesmo.
          Assim como Wall Street precisa quebrar a influência da cultura dos bônus, o que leva a assumir riscos que podem ser racionais para os indivíduos, mas prejudiciais para o sistema financeiro, de modo que a Ciência deve quebrar a tirania das revistas de luxo. Os resultados serão melhores pesquisas que servem melhor à ciência e à sociedade.