quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Uma dose de AAS a cada três dias é suficiente para prevenção de infarto e AVC


Em artigo no The Journal of Clinical Pharmacology, pesquisadores brasileiros mostram que benefício do novo esquema terapêutico é equivalente ao da dose diária e tem menor risco gastrointestinal

            Para pacientes de risco, a ingestão de uma dose de ácido acetilsalicílico (AAS) a cada três dias pode ser tão eficiente na prevenção de infarto, acidente vascular cerebral (AVC) e doença vascular periférica quanto consumir o medicamento diariamente. E com uma vantagem: a probabilidade de complicação gastrointestinal diminui.
            A conclusão é de um estudo brasileiro apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Biolab Farmacêutica. Os resultados foram publicados no The Journal of Clinical Pharmacology e o artigo foi destacado como “escolha do editor”.
            “Há 50 anos o AAS tem sido adotado na prevenção de eventos cardiovasculares, mas seu uso constante pode causar irritação e sangramento gástrico – muitas vezes sem sintomas prévios. Por isso, nos últimos anos, vem se tentando reduzir a dose. Neste estudo, propomos um esquema terapêutico diferente”, disse Gilberto De Nucci, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, coordenador do Projeto Temático ao qual está vinculado o estudo.
            Conforme explicou De Nucci, o ácido acetilsalicílico inibe a ação da enzima cicloxigenase (COX). Nas plaquetas, isso diminui a produção de tromboxano, um tipo de lipídeo que favorece a agregação plaquetária. Por essa razão, na linguagem popular, costuma-se dizer que o AAS “afina” o sangue, ou seja, diminui a probabilidade de formação de coágulos que podem obstruir o fluxo sanguíneo.
            Por outro lado, na mucosa gástrica, a inibição da enzima COX diminui a produção de prostaglandinas – substâncias lipídicas que protegem o estômago e o intestino.
            “Originalmente, o AAS americano tinha 325 miligramas (mg) do princípio ativo. Na tentativa de diminuir os efeitos adversos, a dose foi reduzida para 162 mg e, depois, para 81 mg. Também há comprimidos de 75 mg. Mas a verdade é que, até hoje, ainda não se sabe ao certo qual é a dose necessária para obter o benefício cardiovascular”, comentou De Nucci.
            No ensaio clínico realizado durante o doutorado de Plinio Minghin Freitas Ferreira, na USP, sob orientação de De Nucci, foi adotada a dose de 81 mg. Vinte e quatro voluntários sadios foram divididos em dois grupos. Metade recebeu AAS todos os dias durante um mês. Os demais receberam o fármaco a cada três dias e, no intervalo, apenas placebo.
            Antes e ao final do tratamento, todos os voluntários passaram por diversos exames, entre eles endoscopia, biópsia gástrica e teste de agregação plaquetária. Também foi medido no sangue o nível de tromboxano e, no estômago, o de prostaglandina do tipo 2 (PGE2).
            “No grupo que tomou AAS todos os dias, houve uma redução de 50% na síntese de PGE2, enquanto nos voluntários que tomaram a cada três dias não foi observada diferença em relação aos níveis basais. Por outro lado, em ambos os grupos, a inibição de tromboxano foi superior a 95% e o resultado no teste de agregação plaquetária foi equivalente”, contou De Nucci.
            Na avaliação de Ferreira, os dados permitem concluir que o uso de AAS a cada 72 horas é tão eficaz – e mais seguro – quanto seu uso diário. Essa descoberta, segundo o pesquisador, abre a possibilidade de adotar o fármaco também na prevenção primária de eventos cardiovasculares.
            Atualmente, o Food and Drug Administration (FDA) – órgão que regulamenta o consumo de alimentos e de medicamentos nos Estados Unidos – recomenda que o AAS seja usado apenas na prevenção secundária de doenças cardiovasculares, ou seja, em pacientes diagnosticados com doença vascular periférica e os que já tiveram algum episódio de infarto ou AVC e correm risco de um segundo evento. Somente nessa situação, segundo o FDA, os benefícios da terapia suplantariam os riscos de efeitos adversos.
            “Com esse novo esquema terapêutico, o AAS também poderia ser usado no tratamento de pacientes que nunca tiveram um evento cardiovascular, mas apresentam alto risco, como os diabéticos”, disse Ferreira.

Patente
            Os dois grupos de voluntários que participaram do ensaio clínico receberam, além de AAS, o anti-hipertensivo losartan. Conforme explicou De Nucci, o objetivo foi mostrar que uma droga não influencia a ação da outra.
            Em um estudo anterior, publicado no Journal of Bioequivalence & Bioavailability, o grupo já havia mostrado que o AAS não diminui a biodisponibilidade do losartan. As duas drogas são frequentemente associadas no tratamento de pessoas com insuficiência cardíaca, hipertensão e doenças isquêmicas.
            “Em parceria com a Biolab, nós solicitamos nos Estados Unidos a patente do esquema terapêutico adotado no estudo. Umas das possibilidades em estudo é lançar um produto que associe, na mesma cartela, o AAS e o losartan ou algum outro medicamento. No primeiro dia, o paciente tomaria os dois fármacos, no segundo e no terceiro, apenas o anti-hipertensivo e placebo e assim por diante. Isso ajudaria as pessoas a tomar os medicamentos corretamente”, afirmou De Nucci.
            O artigo Acetylsalicylic Acid Daily vs Acetylsalicylic Acid Every 3 Days in Healthy Volunteers: Effect on Platelet Aggregation, Gastric Mucosa, and Prostaglandin E2 Synthesis (doi: 10.1002/jcph.685) pode ser acessado no seguinte link.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

“Pílula do câncer” é testada em seres humanos


          Os primeiros testes com a fosfoetanolamina mostraram que ela não é tóxica para os seres humanos, mas mostraram também que ela não tem eficácia maior que outros medicamentos que já existem e são usados no tratamento do câncer, aponta o ex-ministro da Saúde, Humberto Costa. Instituto do Câncer do Estado de São Paulo e parceria entre Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da UFC e pelo Instituto Nacional de Câncer do Rio de Janeiro conduzem os estudos clínicos
          Simples placebo ou droga realmente eficaz no combate ao câncer? Vinte anos depois de ser sintetizada e começar a ser distribuída pelo químico Gilberto Chierice no interior de São Paulo, a fosfoetanolamina, composto de nome complicado que se tornou sinônimo de polêmica, finalmente é posta à prova em humanos de acordo com padrões reconhecidos pelo governo e instituições de pesquisa.
          Dois estudos clínicos conduzidos por entidades respeitadas no setor de oncologia estão dando os primeiros passos. Um deles, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), é financiado pelo governo daquele estado. O outro, com financiamento dos Ministérios da Saúde e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, é feito em parceria pelo Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará (NPDM-UFC) e pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), com sede no Rio de Janeiro.
          — A questão mais crítica em relação à fosfoetanolamina é que ela não foi produzida, encapsulada e distribuída aos pacientes seguindo as práticas laboratoriais, farmacêuticas e clínicas — avalia a coordenadora de Pesquisa e Educação do Inca, Marisa Dreyer.
          Segundo ela, se desde o começo da produção do composto esses procedimentos tivessem sido seguidos, “já teríamos encontrado com segurança respostas a todas as perguntas”.
          Os dois estudos obedecem a um protocolo aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável por liberar a utilização e comercialização de medicamentos no País.
          A primeira fase, chamada pré-clínica, tem testes in vitro (com células humanas ou de animais em laboratório) e experimentos in vivo (com animais como camundongos). Um dos principais objetivos nessa etapa é verificar a segurança (não toxicidade) da droga.
          Esse estágio foi dispensado na pesquisa do ICESP pelo fato de a fosfoetanolamina vir sendo ministrada há anos a pacientes com câncer. Mesmo assim, o estudo iniciado no final de julho começou pela fase clínica 1, que visa testar a segurança da droga na ingestão das pílulas por seres humanos. Os primeiros resultados da fase atual devem sair em dois meses, mas todas as etapas da pesquisa previstas para antes da comercialização podem levar cerca de dois anos.
          No caso do estudo financiado pelos ministérios, a fase pré-clínica, na Universidade Federal do Ceará, ocorreu no fim do ano passado e a avaliação com humanos pode começar este mês.
          No dia 16, o Ministério da Ciência e Tecnologia divulgou os resultados de pesquisa sobre os efeitos da fosfoetanolamina em camundongos com melanoma. O estudo indicou que a substância foi capaz de reduzir o tumor, mas com efeito menor que a ciclofosfamida, já usada na quimioterapia contra o câncer.
Origem
          A fosfoetanolamina foi sintetizada no Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), há cerca de 20 anos, pelo professor Gilberto Chierice. A substância tem sido usada sem autorização da Anvisa e vinha sendo distribuída de forma gratuita no campus da universidade em São Carlos.
          Em 2014, a entrega foi suspensa depois que uma portaria do governo determinou que substâncias experimentais deveriam obter todos os registros antes de serem liberadas à população.
          O assunto ganhou repercussão. Em setembro de 2015, o Senado entrou nas discussões, com pronunciamentos de senadores e audiências públicas.
          Nos debates, que contaram com Chierice e diversos especialistas, as posições divergiram. Alguns pesquisadores relataram casos de regressão do câncer pela substância. Outros apontaram a necessidade dos estudos controlados em humanos.
          No Congresso, Ivo Cassol (PP-RO) é um dos maiores defensores da fosfoetanolamina. Em pronunciamento em 14 de abril, o senador saudou a sanção da Lei 13.269/2016, que autorizou o uso da substância por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna antes do registro pela Anvisa.
          No entanto, a aplicação da lei foi suspensa em maio pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ao deferir ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação Médica Brasileira (AMB). A entidade sustentou que, diante da ausência de testes em seres humanos, a liberação do medicamento é incompatível com direitos constitucionais à saúde, à segurança e à vida.
          Para Humberto Costa (PT-PE), ex-ministro da Saúde, a realização dos testes é justa, já que há depoimentos apontando a redução de sintomas com o uso da substância. O senador ressalta, porém, que não pode haver comercialização sem as pesquisas clínicas.
          — No caso da fosfoetanolamina, os primeiros testes mostraram que ela não é tóxica para os seres humanos, mas mostraram também que ela não tem eficácia maior que outros medicamentos que já existem e são usados no tratamento do câncer.

domingo, 21 de agosto de 2016

Comentário sobre o artigo “Transgênicos e hidrelétricas”, do Jornal O Estado de S. Paulo, divulgado no Jornal da Ciência


        Refiro-me ao artigo do professor José Goldemberg, publicado no Estadão e projetado pelo Jornal da Ciência.
        Discordo do ilustre cientista a começar por ele dizer que transgênicos são feitos para proteger plantas de pragas. Sabe-se que o único transgênico plantado para essa finalidade no Brasil é o milho Bt. Assim, o professor esqueceu ou fez esquecer que, para essa finalidade, é introduzido na planta um gene produtor de toxina que mata insetos e, consequentemente, a planta passa a funcionar como um inseticida!
   A toxina Bt, assim como mata insetos, intoxica o próprio ser humano. Frequentemente é citado na literatura o alto risco, inclusive fatal, para o indivíduo. Um exemplo dessas variedades de milho Bt é a variedade milho MO 810: proibida para uso humano pelo próprio país produtor, pela França, Alemanha, Inglaterra e outros países europeus. Infelizmente, a variedade é autorizada no Brasil e quem autorizou não se preocupou em nos fazer de simples cobaias! Em países pobres da África foi rejeitado até como presente. A Zâmbia preferiu ver seu povo sofrer de fome a morrer envenenado! Além de matar insetos invasores, a toxina Bt mata insetos úteis, como abelha de mel e outros polinizadores necessários para que a planta gere frutas.
  Quando esse tipo de transgênico morre, ao final de estação de crescimento, suas raízes deixam para o solo resíduos tóxicos que matam bactérias fixadoras de nitrogênio e transformam o solo em um ambiente envenenado para o crescimento da bactéria fixadora do Azoto, que forma fertilizante. Assim, fica impedido o crescimento de qualquer cultura leguminosa. O fabricante desse transgênico gasta milhões de reais com todos os tipos de propagandas, em todas as formas e todos os níveis: o resultado é o mais alto nível o custo das sementes transgênicas, que chega a ser 130 vezes mais cara do que o preço normal. Os pequenos agricultores enganados e iludidos pela propaganda, quando não podem pagar dívidas, correm para um destino trágico: o suicídio. Há muitos casos conhecidos da Índia, que chegou a registrar, em apenas um ano, 180 mortos.
    É bom um físico falar sobre hidrelétricas, mas é questionável que se afirme dogmaticamente sobre transgênicos. E por que ele escolheu transgênicos para associá-los às hidrelétricas? Será como uma fachada que esconde o mal dos transgênicos? Isto me lembra do manifesto assinado por cem ganhadores de Nobel em favor de transgênicos escondendo atrás o arroz dourado. Entre esses ganhadores de Nobel, físicos, químicos, até de literatura e, além de tudo, três mortos!
   Lembro-me também de um cientista distante da área que foi há dez anos à Câmara de Deputados com argumentos e pedidos para a liberação da soja transgênica, e não pelos resultados científicos, que nunca foram apresentados e nem existiam, mas para não prejudicar agricultores que contrabandeavam soja.

Nagib Nassar
Professor emérito da Universidade de Brasília
Presidente da fundação FUNAGIB (www.funagib.geneconserve.pro.br)