sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Uma breve história da luz: do que ela é feita e de seus mistérios


Por MARCELO GLEISER

Neste que é seu Ano Internacional, a luz, embora presente em inúmeras tecnologias do cotidiano, continua sendo fonte de mistérios e objeto de pesquisas. No século 17, discutia-se se a luz era onda ou partícula; em 1905, Einstein esclareceu que poderia ser os dois, e a usou como base para a Teoria da Relatividade.

Somos criaturas da luz.
Nossa percepção mais imediata da realidade vem dela, do que podemos ver. Claro, os outros sentidos ajudam e, na cegueira, são essenciais. Mas acordamos ao abrirmos os olhos, mesmo que mais figurativa do que fisiologicamente.
A luz representa sabedoria, conhecimento, o lado bom do divino. As trevas são a ignorância, a violência, o mundo do mal. Nossos corpos evoluíram para detectar padrões na natureza, algo de fundamental para nossa sobrevivência num mundo cheio de predadores e inimigos. É útil saber diferenciar entre um arbusto e um tigre, ou entre sombras e um guerreiro da outra tribo.
No romance "Ensaio sobre a Cegueira", José Saramago cria uma sociedade em que todos (ou quase) ficam cegos subitamente. Essa cegueira pode simbolizar muita coisa, ou mesmo ela mesma: como a sociedade colapsaria de forma devastadora se perdêssemos coletivamente nossa visão; ou nossa visão coletiva.
Não é uma coincidência que tantas culturas idolatrassem a luz através de seu provedor-mor, o Sol. Os egípcios, os incas, os celtas, sabiam que o Sol é a essência da vida. Sem ele, sem o influxo de luz e energia vindo dele, não estaríamos aqui. O que vemos da realidade, fração pequena de todas as "luzes" que nos cercam - o espectro luminoso das ondas de rádio aos raios gama- coincide com o pico de emissão luminosa do Sol. O processo de seleção natural privilegiou animais capazes de utilizar ao máximo a luz da estrela que os ilumina. Claro, alguns animais percebem as franjas além do visível, como as abelhas, que veem no ultravioleta, ou certas cobras, que veem no infravermelho. Mas a maioria vê o que vemos, a luz que se espalha pela atmosfera.

O que é?
É, portanto paradoxal que a luz, que nos é tão íntima, seja também um dos grandes mistérios da natureza. O que é, afinal, a luz? Não é palpável como o ar ou a água, e nem sabemos exatamente do que é "feita". Se voltássemos ao século 17, assistiríamos aos debates entre Isaac Newton e Christiaan Huygens, Newton afirmando que a luz é feita de partículas indivisíveis - de átomos - e Huygens, que a luz é uma onda que se propaga num meio que preenche todo o cosmo, o éter.
Ambos os cientistas aplicaram sua teoria da luz para explicar uma série de fenômenos, com sucesso variável. Que partículas seriam essas que compõem a luz?
Newton herdou conceitos atomistas antigos, da época da filosofia pré-socrática de Leucipo e Demócrito, que, em torno de 450 a.C., sugeriram ser tudo feito de corpúsculos minúsculos que se propagam no "vazio". Para ele, a noção de que um tipo de matéria preenche o espaço como o ar preenche nossa atmosfera era absurda. Que matéria é essa, se perguntava, que é transparente e não oferece resistência ao movimento dos planetas e cometas?
Por outro lado, se o éter de Huygens era um tanto estranho, como atribuir realidade a pequenos átomos de luz que não podem ser vistos? Como determinar se algo existe se não pode ser diretamente observado? Por trás do debate sobre a natureza da luz esconde-se a questão da natureza da realidade: como sabemos se algo existe?
A ciência, em particular a física, cria descrições da realidade baseadas no que podemos observar. Como disse Werner Heisenberg, um dos arquitetos da física quântica, "o que vemos não é a natureza, mas a natureza exposta ao nosso método de questionamento". Em outras palavras, nosso conhecimento do mundo depende de quem somos e como pensamos. Uma outra inteligência, com métodos e percepções diferentes, criaria uma outra descrição da realidade.
Esse fato é mais do que claro quando lidamos com a natureza da luz. No final do século 19, a física estava em crise: na época, a descrição da luz como onda era universalmente aceita. Com isso, era também aceito o éter como meio por onde as ondas luminosas se propagavam. Afinal, qualquer onda precisa de um meio material que a suporte: ondas de água na água, ondas de som no ar... O problema surgiu em 1887, quando o experimento dos americanos Albert Michelson e Edward Mosley --desenhado para detectar o éter-- falhou. Se não existia o éter, o que sustentava a propagação da luz?
Essa tensão entre teoria e experimento é crítica para o desenvolvimento da ciência. Ao revelarem falhas nas teorias, experimentos forçam cientistas a revisarem suas hipóteses, muitas vezes levando-os a propor o inusitado. Se aprendemos algo com o estudo da natureza, é que ela é bem mais criativa do que nós. A ciência precisa falhar para avançar.

Entra Einstein.
Em 1905, com apenas 26 anos, publica dois artigos que irão revolucionar nossa visão de mundo. Ambos relacionados à natureza da luz, e ambos profundamente contraintuitivos. As propostas do jovem cientista eram tão chocantes que só seriam aceitas aos poucos, sob o peso da evidência experimental.
No primeiro artigo, Einstein sugere que a luz tem um comportamento dual, podendo não só ser interpretada como uma onda mas também como feita de partículas. Fachos de luz podem ser descritos como sendo compostos por corpúsculos --ou "quanta"-- mais tarde chamados de fótons.
Com isso, Einstein reconcilia as visões antagônicas de Newton (luz é partícula) e Huygens (luz é onda), criando algo surpreendente: uma entidade que se manifesta de forma diversa no mundo natural de acordo com a situação. A luz não tem uma identidade fixa; sua realização - o modo como se manifesta no mundo - depende de como ela interage com objetos.
No segundo artigo de 1905, Einstein propõe sua famosa teoria da relatividade especial. A essência da teoria é o postulado: "A luz se propaga sempre com a mesma velocidade independente do movimento da fonte ou do observador".
Para entender como isso é estranho, imagine que você esteja num carro viajando a 60 km/h e que, do carro, jogue uma bola para frente com velocidade de 20 km/h. Você verá a bola viajar com 20 km/h, enquanto que uma pessoa na calçada verá a bola viajar a 80 km/h (60 + 20 = 80). Se, em vez da bola, você ligasse uma lanterna, tanto você quanto a pessoa na calçada veriam a luz com a mesma velocidade, 300.000 quilômetros por segundo. A velocidade da luz é sempre a mesma.

Temperamental
Ninguém sabe por que a velocidade da luz não muda, ou por que seu valor no espaço vazio é de 300.000 km/s. Mas esse comportamento esdrúxulo explica um número enorme de observações, sendo, portanto aceito como uma descrição válida do que ocorre na natureza.
Como se não bastasse ter captado a natureza dual onda-partícula e sua velocidade constante, Einstein notou também que a luz, ao contrário de tudo o que conhecemos no universo, não tem massa. A luz é uma forma de energia pura que se propaga pelo espaço, interagindo aqui e ali com a matéria, ou seja, com coisas que têm massa.
Completando o ciclo de artigos sobre a luz, ainda em 1905 Einstein escreve outro, mostrando como energia e matéria estão relacionados; em particular, como energia pode gerar matéria e vice-versa.
Essa é a famosa fórmula E=mc², que tem aplicação direta na luz: se fótons de luz têm energia suficiente (no caso, o extremo mais energético do espectro luminoso, os raios gama) podem se transformar em partículas de matéria como, por exemplo, elétrons. Luz e matéria são, de certa forma, dois lados da mesma moeda.
A física de Einstein mostra que somos criaturas da luz não apenas de modo figurativo. Não só porque precisamos dela para viver, mas porque podemos - ao menos em princípio - nos transformar nela.
Antes, porém, que os leitores se imaginem como fótons de luz viajando pelo cosmo a 300.000 km/s, devo deixar claro que essa conversão só ocorreria se houvesse uma colisão entre você e sua cópia feita de antimatéria.
A antimatéria não é tão exótica quanto parece, mas feita de cópias das partículas que existem com cargas elétricas opostas. Por exemplo, a antipartícula do elétron é o pósitron, que tem carga positiva. Essas partículas são rotineiramente geradas em laboratório.
O produto dessa colisão seria uma explosão de fótons de raios gama com energia para destruir boa parte do Brasil. Felizmente, estamos longe de criar cópias de antipessoas no laboratório. No momento, criamos apenas átomos de anti-hidrogênio.
Este é o Ano Internacional da Luz, celebrado no mundo inteiro em uma série de eventos (light2015.org). Apesar de suas estranhezas, ou por causa delas, a luz é hoje integrante essencial de nossas tecnologias, dos lasers no caixa de supermercado a DVDs; de tecnologias usando micro-ondas e ondas de rádio a aplicações industriais de fontes de luz ultraintensas; dos raios X e outras máquinas de visualização em medicina a observações astronômicas de estrelas e galáxias longínquas.
Considerando os mistérios que sobrevivem em torno da luz e o quanto deles exploramos nas aplicações tecnológicas, é difícil prever o que nos espera em cem anos. No mínimo, mais uma revolução em nosso conhecimento do mundo que, tal como a que começou no início do século 20, será iluminada pela curiosa natureza da luz.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Biossensores para Proteínas Tóxicas




Por Murilo Sérgio da Silva Julião

Neurotoxinas são difíceis de detectar
         Existem inúmeras proteínas que os químicos analíticos gostariam de identificar numa ampla faixa de amostras. Por exemplo: seria muito útil detectar com rapidez a presença da toxina botulínica ou de ricina, uma proteína formada de carboidratos (lectina) e letal ao ser humano, em várias situações como: na área médica, no meio ambiente ou no caso de um ataque biológico. As proteínas tóxicas são notadamente difíceis de identificar, pois além de exigirem técnicas bem complexas e laboriosas, estas não respondem com a rapidez requerida.
         Andrew J. Bonham e colaboradores, da Universidade Metropolitana de Denver, Colorado, EUA, desenvolveram biossensores eletroquímicos a partir de aptâmeros que demostraram aplicabilidade na detecção, tanto da neurotoxina botulínica como da ricina. A equipe sugeriu que o dispositivo foi suficientemente robusto e específico para a detecção da proteína alvo em concentrações ao nível de nM (10-9 molL-1). Além disso, as análises funcionaram em amostras diluídas de soro sanguíneo. O grupo do Dr. Andrew J. Bonham relatou no artigo publicado na revista Chemical Communications que esses "biossensores podem futuramente vir ajudar no diagnóstico rápido de toxinas." A mesma abordagem poderá ser estendida para outras proteínas tóxicas.

Toxinas Botulínica e Ricina
         Os pesquisadores apontam que a bactéria Clostridium botulinum encontrada em solos, bem conhecida pela toxina causadora do botulismo, doença potencialmente fatal, pode ser transmitida para o homem através de má higiene alimentar ou de agulhas contaminadas por usuários de drogas. Embora seja conhecida também por suas aplicações como um relaxante muscular nos campos da cosmética e da medicina, a sua potencial aplicação como um agente de guerra biológica torna-se bastante preocupante. Os testes atuais para a toxina botulínica dependem de inoculação em ratos ou testes de ELISA (ensaios imunosorventes de enzimas ligadas), que têm um tempo de resposta de dois a cinco dias. E infelizmente, o botulismo, uma vez contraído, age rapidamente e é muitas vezes fatal num prazo muito mais curto.
         Do mesmo modo, a ricina, uma proteína produzida pelo óleo de rícino extraído da planta Ricinus comunis, é letal para os seres humanos numa dose < 1,0 mg/Kg de massa corporal. Também pode ser usada como um agente de guerra biológica e seus efeitos letais podem levar de 6 a 12 horas para se manifestar. Mais uma vez, um teste rápido no local para esta proteína seria de grande utilidade aos militares dos serviços de emergência médica.

Aptâmeros se ligam a um alvo específico

         Na busca por testes rápidos para analitos biológicos específicos de interesse médico, uma abordagem recente é o desenvolvimento de biossensores que exploram uma interação altamente específica entre o alvo e o sensor, por exemplo: sensores eletroquímicos baseados no DNA (sensores E-DNA). Tais sensores possuem um oligonucleotídeo (ex.: DNA) que apresenta uma sequência de “aptâmeros" que se ligam à proteína e ao grupo eletroquimicamente ativo, como azul de metileno, que facilmente doa ou recebe elétrons. Este aptâmero é quimicamente ligado a um eletrodo de ouro, que é então utilizado na determinação eletroquímica do seu alvo.
         A conveniência de uma única etapa deste método permite a análise em minutos em vez de dias. Até esta data, outros sensores deste tipo têm sido relatados para a detecção de oligonucleotídeos, fármacos de moléculas pequenas, anticorpos e proteínas ligantes do DNA.

Detecção sensível, mas com ambiente favorável à melhoria

         A próxima etapa no desenvolvimento de biossensores tipo E-DNA seria a definição de uma estratégia geral para torná-los, de modo que quase toda a proteína alvo pudesse ser analisada com um sensor específico. Nesta pesquisa, a equipe do Dr. Bonham a princípio, desenvolveu uma técnica para ligar o aptâmero apropriado às toxinas ricina e botulínica em tais biossensores. "Este método de inserção de aptâmeros em andaimes é muito promissor para uma abordagem genérica", disse Bonham. Os sensores mostraram grande sensibilidade, com valores de concentração aos níveis de 0,4 nM (± 0,2) para a toxina botulínica e 0,7 nM (± 0,5) para a ricina.
         Estes valores de detecção para a ricina são muito próximos da dose letal para esta toxina e por isso este biossensor deve ser sensível o suficiente, no mundo real, para detecção clínica. Uma optimização adicional é necessária para aumentar a sensibilidade do detector para a toxina botulínica a um nível útil, dado que esta toxina é letal numa fração dessa concentração (níveis < 10-12 mol/L). A equipe está trabalhando para alcançar esse objetivo.

Referência
Electrochemical Aptamer Scaffold Biosensors for Detection of Botulism and Ricin Toxins, Lisa Fetter, Jonathan Richards, Jessica Daniel, Laura Roon, Teisha J. Rowland, Andrew J. Bonham, Chem. Commun. 2015.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

A História da Luz: há mais de 2 mil anos ela instiga filósofos e cientistas

Desde o filósofo grego Empédocles até os dias atuais, a luz é objeto de estudo

O que ocorre nos olhos que nos permite ver? A informação que vemos sobre o mundo vem de fora ou está dentro dos olhos? A visão depende da luz? Afinal, o que é a luz? Uma onda? Uma partícula?
Essas foram questões que dividiram filósofos e cientistas por mais de 2 mil anos. Entre os gregos antigos, havia várias teorias para tentar explicar a luz e a visão. Os primeiros questionamentos nesse sentido foram algo como ‘Os homens enxergavam porque algo saía dos olhos ou porque algo entrava nos olhos?’ Primeiramente, acreditou-se que a visão era resultado de raios emitidos pelos olhos.
No século 5 a.C., o filósofo Empédocles, que postulou que tudo era composto de quatro elementos (terra, fogo, água e ar), foi um dos mais influentes em sua época sobre a questão da luz. Ele acreditava que o olho humano havia sido feito por Afrodite e que essa deusa da beleza e do amor havia acendido o fogo dentro desse órgão. Portanto, era essa luz emitida pelos olhos que permitia a visão.
Para Empédocles, esse fogo interno “tocava” os objetos e, ao retornar para a pupila, trazia informações sobre eles, como se fossem tentáculos. Por sua vez, os objetos também emitiam um tipo de fogo que carregava suas informações, como a cor e a forma. Assim, o fenômeno da visão ocorria quando o fogo interno dos olhos entrava em contato com o fogo externo dos objetos.
Mas a teoria de que a luz emanava dos olhos deixava questões em aberto: por que não é possível enxergar num lugar escuro? Que relação tem a luz do dia com o fogo emitido pelos olhos?
O matemático Euclides, famoso por seu livro sobre geometria, questionou-se sobre a natureza da luz. Ele se perguntava como era possível fechar os olhos, à noite, e, ao abri-los, ver imediatamente a luz das estrelas distantes? Para ele, isso só seria possível se a luz emitida pelos olhos viajasse com velocidade infinita.
As ideias de Empédocles sobre a luz foram criticadas pelos atomistas, filósofos que acreditavam que as coisas eram feitas de diminutas partículas, os átomos. Lucrécio, por exemplo, escreveu, em 55 a.C., que a luz e o calor do Sol eram compostos de átomos, que, assim que disparados, viajavam, sem perder tempo algum, através do ar. Para os atomistas, os objetos emitiam átomos em todas as direções e entravam nos nossos olhos, produzindo a visão.
Porém, a teoria atomista não explicava outros tantos questionamentos: as partículas desprendidas de um objeto não se chocavam contras as do objeto? Elas passariam umas pelas outras sem interagir? Como a imagem de um objeto muito grande encolheria para caber nos olhos?
O matemático árabe Alhazen (Foto: Reprodução TV)

A hipótese de que algo saía dos olhos foi duramente criticada pelo matemático e astrônomo árabe Alhazen – também conhecido como Ibn Al-Haytham –, que viveu no século 10 da era cristã. Para Alhazen era absurdo supor que uma emanação fluindo do olho seria capaz de preencher os céus visíveis quase simultaneamente ao levantar de nossas pálpebras.
Para ele, uma das propriedades da luz é afetar o olho, e é uma propriedade da visão ser afetada pela luz. A sensação visual, portanto, só é adequadamente explicada em termos da luz que chega aos olhos, vinda de um objeto. Num pensamento semelhante ao dos atomistas, Alhazen defendeu que a luz solar era feita de diminutas partículas que viajavam em linha reta, com grande velocidade, mas finita, e que eram refletidas pelos objetos para dentro de nossos olhos. Alhazen estudou não só a reflexão da luz pelos corpos, mas também a passagem dela por eles, fenômeno chamado refração.
Pelo conjunto de sua obra, reunida nos sete volumes do livro Óptica, publicado em latim em 1270, Alhazen é considerado, por muitos estudiosos da cultura árabe, como o primeiro físico experimental da história. Isso porque ele usou a câmara escura para estudar os fenômenos luminosos e provar suas ideias, principalmente a de que eram os objetos que emitiam luz e não os olhos.
Quase seis séculos se passaram até que surgisse uma contribuição importante para o entendimento dos fenômenos ópticos. Isso foi feito pelo astrônomo alemão Johannes Kepler. Em seu livro A parte óptica de astronomia, de 1604, considerado um dos marcos da óptica moderna, ele explica a formação da imagem no olho e apresenta uma teoria matemática para explicar o funcionamento de uma câmara escura. Também explicou problemas de visão, como a miopia (dificuldade de enxergar de longe) e a hipermetropia (de perto).
Kepler afirmou que a imagem do objeto observado é formada na retina – e não na lente do olho, o cristalino, como acreditava Alhazen. Mas não se perturbou com o fato de que a imagem aparecesse de cabeça para baixo nessa parte ao fundo do olho.
Em 1611, em outra obra importante, Dioptrica, Kepler, para quem a velocidade da luz era infinita, traça as bases das leis da passagem da luz através de um sistema de lentes. Ele mostra, por exemplo, como duas lentes convexas podem tornar os objetos maiores, embora invertidos. Esse é o princípio usado nos telescópios astronômicos.
Mas qual a importância de Kepler para o entendimento dos fenômenos ópticos?
René Descartes (Foto: Reprodução TV)

A história do pensamento sobre a natureza da luz pode ser dividida em duas correntes: 1) aqueles que defendiam ser a luz uma onda e 2) os que acreditavam se tratar de um corpúsculo. Como vimos, os atomistas e Alhazen eram adeptos desta última, sendo que a teoria corpuscular foi retomada por pensadores no século 17, como o francês Pierre Gassendi. Já a visão da luz como sendo uma onda teria adeptos de peso, como o filósofo e matemático francês René Descartes e o inglês Robert Hooke, que viveram no século 17.
Descartes defendia que o espaço era preenchido com algo que ele chamou de ‘plenum’, que transmitia pressão da fonte de luz até os olhos. Portanto, não era uma coisa material – partícula, átomo ou fogo – que realmente se deslocava de uma fonte luminosa até o olho.
Adepto de Kepler, Descartes apelou para um experimento bizarro para comprovar o argumento do astrônomo alemão de que a imagem se formava na retina de cabeça para baixo. Olhou através de um olho de boi do qual havia arrancado a retina e viu que a imagem realmente era invertida.
Descartes, para quem a velocidade da luz era finita, dedicou-se a um dos problemas mais difíceis até então da óptica: a refração, ou seja, a passagem da luz de um meio para o outro, como do ar para a água. Ele apontou a forma de calcular o desvio que ela sofre nesse processo. Além disso, ele tentou explicar o arco-íris.
Influenciado pelas ideias de Descartes, o matemático e físico holandês Christiaan Huygens desenvolveu uma teoria baseada na concepção de que a luz seria uma onda que se propaga pelo éter, um meio que, segundo os filósofos antigos, permeava todo o espaço. Isso o fez discordar de aspectos da teoria sobre luz e cores de Isaac Newton, baseada numa concepção corpuscular da luz. Para Huygens, a luz se comportava como uma série de ondas, que transmitiam o movimento de uma a outra – como a transferência de movimento de uma bolinha a outra.
Com sua teoria ondulatória da luz, Huygens explicou satisfatoriamente vários fenômenos ópticos, como a propagação retilínea da luz, a refração e a reflexão. Para ele, a luz se propaga com velocidade enorme, mas finita. Seus estudos podem ser consultados em seu mais conhecido trabalho sobre o assunto, o Tratado sobre a luz, de 1690. A teoria ondulatória de Huygens, no entanto, foi eclipsada pela teoria corpuscular de Newton, que prevaleceu ao longo de todo o século 18. A fama e o alcance das ideias desse cientista inglês desempenharam um papel essencial nessa preponderância.
O físico inglês Isaac Newton defendeu a teoria corpuscular da luz. Ele foi influenciado pelas ideias do atomista Gassendi. Essa visão causou grande controvérsia com outro cientista inglês, igualmente influente, Robert Hooke, que, poucos anos antes, havia publicado sua teoria ondulatória da luz. As ideias de Newton, no entanto, prevaleceriam, disseminadas pelo século 18 por seus seguidores.
No final do século 19, no entanto, a concepção ondulatória da luz passou a ser predominante. Agora, a luz visível era apenas um dos vários tipos de ondas eletromagnéticas, que podem viajar no espaço sem qualquer matéria que sirva de suporte para elas. Diferentemente do som, a luz pode viajar no vácuo, com uma velocidade de 300 mil km por segundo, o que permite a ela dar várias voltas em torno da Terra em um piscar de olhos. A velocidade da luz é um limite na natureza.
Albert Einstein (Foto: Reprodução TV)
O resultado de um experimento publicado pelo inglês Thomas Young foi fundamental para o estabelecimento da visão ondulatória da luz. No chamado experimento da dupla fenda, a luz, depois de atravessar dois orifícios muito pequenos feitos sobre um obstáculo, incide sobre um anteparo, formando nele um fenômeno que é típico das ondas: a interferência.
Foi o físico alemão Albert Einstein, no início do século passado, que, mais uma vez, inverteu esse cenário. Ele demonstrou que a luz é formada de partículas, diminutos pacotes de energia, denominados fótons. No final da década de 1900, Einstein perceberia que o entendimento de vários fenômenos naturais só seria completo se a luz fosse entendida como sendo tanto uma onda quanto um corpúsculo.
A confirmação final sobre a realidade física do fóton foi obtida apenas na metade da década de 1920. Um dos experimentos que comprovaram a existência dos fótons foi feito pelo físico norte-americano Arthur Compton. Nele, Compton demonstrou que, quando um fóton colide com um elétron, ambos se comportam como partículas.
Em meados da década de 1950, já no final de sua vida, Einstein costumava dizer que qualquer um achava saber o que era o fóton. Mas, na verdade, as pessoas não sabem. Porque a natureza do fóton ainda continua um mistério.
Afinal, o que é a luz?
Fonte: GLOBO CIÊNCIA