terça-feira, 17 de setembro de 2013

Improváveis, divertidos e premiados


Besouros guiados pela Via Láctea, um sistema de segurança antissequestro de aviões, humanos com a habilidade de andar sobre as águas e a disposição das vacas foram alguns dos temas de estudos que ganharam o IgNobel, a sátira do Nobel.

Por: Sofia Moutinho, Ciência Hoje On-line
Apesar de viver rolando bolas de fezes, o besouro rola-bosta toma seu tempo para olhar para o céu. Ele usa a Via Láctea como guia espacial. (foto: Marcus Byrne)

          Besouros que se orientam pelas estrelas, vacas preguiçosas e a incrível confirmação de que pessoas podem andar sobre as águas foram alguns dos destaques da edição deste ano do IgNobel, a paródia do Nobel que premia as pesquisas que te fazem primeiro rir, para depois pensar.
          Organizada pela equipe da revista de humor científico Annals of Improbable Research, a premiação é realizada todo ano no teatro da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, com a ilustre presença dos ‘nobéis’, que entregam os prêmios em mãos aos ‘ignóbeis’. Nesta edição, foram 10 trilhões de dólares para cada laureado. Dez trilhões de dólares do Zimbábue, mais precisamente – ou 4 dólares americanos.
          A quantia não chega perto da necessária para construir o dispositivo que rendeu ao seu inventor, o norte-americano Gustano Pizzo, o IgNobel (post mortem) de Engenharia de Segurança. Vinte e nove anos antes do ataque de 11 de setembro, o engenheiro imaginou e conseguiu a patente de um peculiar sistema de segurança antissequestro de aviões.
          O sistema consiste em uma inteligente armadilha que encurralaria o sequestrador entre portas quando ele tentasse se aproximar da cabine do piloto. Preso entre a área dos passageiros e a cabine, o criminoso seria automaticamente selado dentro de um pacote acoplado a um paraquedas e ejetado para fora da aeronave. O inventor só não pensou no que fazer com o sequestrador depois disso!
          Talvez ele devesse ser extraditado para o Sião, terra natal do grupo de cientistas que levou o IgNobel de Saúde Pública por descrever técnicas de cirurgia para tratar a “epidemia de amputações penianas” do país. Um trabalho muito nobre, mas que não vale para as “amputações provocadas por mordidas de pato”.
          Qual a probabilidade de um acidente desses? Não sabemos. Talvez a resposta seja uma tarefa para os laureados com o prêmio de Probabilidade. Os pesquisadores, da Escola Rural da Escócia, deviam estar vivendo um período de vacas magras para financiamento de estudos quando resolveram verificar, em campo, se o tempo que uma vaca passa de pé influencia a probabilidade de que ela se deite.
Aparentemente, as vacas não seguem padrões previsíveis quando se trata de deitar e levantar. (foto: Leo Vietor/ Flickr CC-BY-2.0)
          Para ter a reposta, eles acompanharam a movimentação de vacas de duas fazendas com podômetros. A pertinente hipótese da equipe era a de que quanto mais tempo uma vaca passasse de pé, mais provável seria que ela se deitasse. Porém, contrariando expectativas, esse não foi o resultado do trabalho.
          Eles observaram que mesmo as vacas que ficavam seis horas de pé tinham a mesma chance de se deitar que aquelas que estavam sobre as quatro patas por apenas 15 minutos. “Sempre esperamos que essas vacas fossem mais motivadas a se deitar, mas elas só ficavam zanzando de um lado para outro e nunca faziam o que esperávamos que fizessem”, desabafou um dos autores do estudo, Bert Tolkamp, durante seu breve discurso na premiação.

Deitar, caminhar e correr
          Também da área da zoologia foi o premio IgNobel da inédita categoria Biologia e Astronomia, concedido a pesquisadores suecos responsáveis pela singela e poética descoberta de que os besouros rola-bosta (Scarabaeus satyrus) se orientam espacialmente pelo brilho da Via Láctea.
          Para comprovar a teoria, eles colocaram alguns besouros em arenas sob diferentes condições. Alguns tinham como plano de fundo um céu com a Via Láctea e outros apenas algumas estrelas. Os insetos também chegaram a ter os olhos vendados com cartolina.

Confira um teste de corrida sobre a água em baixa gravidade:

          No final das contas, os pesquisadores perceberam que, com a visão coberta ou com um céu sem o brilho da nossa galáxia, os besouros não conseguiam fazer o percurso de um lado ao outro da arena em linha reta. Também, olhar para um céu estrelado é o mínimo que merece quem vive a vida rolando bosta.
          A sina do besouro de caminhar sobre a terra lembra outro IgNobel deste ano, o de Física. O estudo, de italianos, deixou comprovado que algumas pessoas têm a capacidade bíblica de correr sobre as águas de um lago. Com uma pequena condição, é claro: que tanto a pessoa quanto o lago estejam na Lua. “Quem nunca sonhou em andar sobre a água?”, indagou o líder da pesquisa, Alberto Minetti. “Alguns pássaros e lagartos podem e mostramos que humanos também. Basta uma pequena viagem.”

Confira os premiados nas demais categorias
Química: Concedido aos pesquisadores japoneses que identificaram a enzima da cebola responsável por nos fazer chorar.
Medicina: Para os cientistas também japoneses que estudaram o efeito da ópera sobre camundongos que passaram por transplante de coração e comprovaram que ouvir música erudita melhora sua recuperação.
Arqueologia: Para Peter Stahl, da Universidade Estadual de Nova York, por engolir sem mastigar um musaranho (pequeno roedor) morto e parboilizado (parcialmente cozido) para saber quais ossos seriam digeridos pelo sistema digestório humano.
Psicologia: Para pesquisadores que mostraram por meio de experiências que as pessoas que pensam que estão bêbadas também pensam que estão mais atraentes.
Paz: Para o presidente da Bielorússia Alexander Lukashenko, por proibir os aplausos em espaços públicos, e para a polícia do país, por prender um homem (com apenas um braço) por desrespeitar essa regra.

domingo, 8 de setembro de 2013

Pesquisadores criam biossensor para detectar pesticida



Princípio básico de sensor biológico para identificar pesticida altamente tóxico em água e alimentos também deu origem a um teste rápido de dengue (IFSC/USP)

21/08/2013
Por Elton Alisson
 Agência FAPESP – Pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com colegas da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), criaram um sensor biológico (biossensor) que detecta em minutos, na água, no solo e em alimentos, a presença de um pesticida altamente tóxico que está sendo banido no Brasil, mas que ainda é usado em diversas lavouras no país: o metamidofós.
            Desenvolvido no âmbito do Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (INEO) – um dos INCTs apoiados pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no Estado de São Paulo –, o sensor pode ser adaptado para detecção de outros tipos de pesticidas, afirmam os pesquisadores. O princípio básico do dispositivo também deu origem a um possível novo teste rápido para detecção de infecção pelo vírus da dengue.
            “Escolhemos o metamidofós para ser detectado pelo sensor porque, apesar de já ter sido banido em diversos países, há indícios do uso desse pesticida, extremamente tóxico, sobretudo no Estado do Mato Grosso”, disse Nirton Cristi Silva Vieira, pós-doutorando no IFSC e um dos orientadores do projeto do biossensor de pesticida e do teste rápido de dengue, à Agência FAPESP.
            Vieira conta que o metamidofós é utilizado principalmente em lavouras de soja para matar lagartas e percevejos que atacam a oleaginosa. O pesticida penetra facilmente o solo e os lençóis freáticos e, ao contaminar a água e os alimentos, atua no sistema nervoso central dos seres vivos, inibindo a ação da acetilcolinesterase – enzima que promove as ligações (sinapses) dos neurônios.
            Nos humanos, além de ser prejudicial para as funções neurológicas, o metamidofós também pode causar danos nos sistemas imunológico, reprodutor e endócrino e levar à morte.
Em conjunto com Francisco Eduardo Gontijo Guimarães, professor do IFSC e orientador de sua pesquisa de doutorado, Vieira orientou Izabela Gutierrez de Arruda, durante o seu mestrado na UFMT, a desenvolver um teste rápido e portátil para detectar a presença de metamidofós utilizando a própria enzima acetilcolinesterase.
            Para isso, os pesquisadores desenvolveram um sensor de pH, que mede prótons (íons H+), constituído por uma lâmina de vidro – composta por camadas de óxido de silício em escala nanométrica (da bilionésima parte do metro) –, na qual a acetilcolinesterase é imobilizada, mantendo alta atividade.
            Ao colocar o sensor em uma solução – como extrato de soja ou de tomate – contendo pequenas concentrações de metamidofós –, a atividade da acetilcolinesterase é inibida e a enzima produz menos prótons do que produziria se não estivesse na presença do pesticida.
            Essa diferença da quantidade de prótons produzidos pela enzima presente no sensor, quando exposta a diferentes concentrações do pesticida, é medida por meio de um pequeno aparelho, também desenvolvido pelos pesquisadores, no qual a película sensora é introduzida.
            Semelhante a um medidor de glicose utilizado por diabéticos, o aparelho indica o nível de atividade da enzima e, consequentemente, o índice de contaminação por metamidofós da amostra analisada, com base em padrões de tensão medidos pelos pesquisadores com diferentes concentrações de acetilcolina – substância que atua como neurotransmissor e com a qual o pesticida se assemelha muito.
            “À medida que introduzimos o sensor em soluções com diferentes concentrações de pesticida, a atividade da acetilcolinesterase (medida em termos de diferença de potencial) variava e conseguimos quantificá-la”, explicou Vieira.

Outras aplicações
            De acordo com Vieira, o sensor pode ser adaptado para detectar outras categorias de pesticidas das classes dos carbamatos e dos organofosforados – à qual pertence o metamidofós –, que também inibem a ação da acetilcolinesterase.
            Para isso, no entanto, seria preciso medir a atividade da enzima em diferentes concentrações de cada pesticida especificamente, de modo que o sinal de um não mascare o do outro.
            “O padrão de sinal elétrico em outras categorias de pesticidas pode variar, porque o mecanismo de inibição da ação da acetilcolinesterase para cada um deles é diferente. Por isso, seria preciso recalibrar o sensor para também poder detectá-los”, disse Vieira.
            Segundo o pesquisador, o biossensor já despertou o interesse de fabricação e comercialização de uma empresa de biotecnologia de Minas Gerais. O custo estimado do aparelho – incluindo o sensor e o medidor – deverá ser entre R$ 100 e R$ 200 a unidade.
            O componente que mais encarece o produto hoje, segundo os pesquisadores, é a acetilcolinesterase. Para tentar substituí-la, eles iniciarão nos próximos meses um processo com o intuito de tentar obter de frutas – como o abacate e a banana – um outro tipo de enzima com propriedades semelhantes às da acetilcolinesterase.
            “Compramos hoje a enzima purificada, que é bem cara. A ideia é obter de frutas o extrato bruto de uma enzima com atividade semelhante à da acetilcolinesterase para ser utilizada em medições de concentrações de pesticidas”, disse Vieira.
            Atualmente, de acordo com os pesquisadores, as análises de contaminação por pesticidas no Estado de Mato Grosso são enviadas para São Paulo ou Rio de Janeiro e levam dias para serem processadas.
            Por meio do biossensor, será possível diminuir o custo e tempo de obtenção dos resultados para poucos minutos, ressaltam os pesquisadores. “Para analisar amostra de solo contaminado, por exemplo, basta misturá-lo com água para decantar a terra, deixar o sensor imerso por 15 minutos na solução contendo o pesticida dissolvido e colocá-lo no medidor para obter o índice de contaminação”, exemplificou Vieira.
            A ideia do desenvolvimento do sensor – surgida durante um encontro entre os pesquisadores do IFSC com colegas da UFMT no INEO – resultou na primeira patente depositada pela universidade mato-grossense nos 40 anos de existência da instituição.
            “Em uma das reuniões anuais do INEO entramos em contato com um grupo pesquisadores da UFMT que tinha a ideia de desenvolver um sensor de pesticida pelo fato de Mato Grosso ser o Estado que mais produz grãos no país atualmente e se usar muito metamidofós nas lavouras”, contou Guimarães.
            “Na época, Vieira estava pesquisando exatamente sobre biossensores e decidimos iniciar uma colaboração com o grupo da UFMT – liderado pelo professor Romildo Jerônimo Ramos – para desenvolver esse biossensor de pesticida”, disse.

Detecção da dengue
            Em seu atual pós-doutorado, Vieira pretende desenvolver biossensores que, em vez de enzimas, como a usada no biossensor de metamidofós, utilizem anticorpos para detecção de proteínas marcadoras de contaminação pelo vírus da dengue e de início de infarto agudo do miocárdio.
            Em parceria com uma empresa brasileira de biotecnologia, Vieira desenvolveu – com a estudante de mestrado no IFSC Alessandra Figueiredo e o professor Guimarães – um sistema que detecta a proteína NS1 secretada pelo vírus da dengue nos primeiros dias de infecção. “Essa proteína marca a presença do vírus da dengue e, consequentemente, o início da infecção”, disse.
            De acordo com ele, a maioria dos sensores existentes hoje voltados a detectar a infecção pelo vírus da dengue faz isso de forma indireta, por meio de um anticorpo imobilizado que se liga à proteína NS1 e necessita de um anticorpo secundário, geralmente marcado com outras moléculas.
            Com base no mesmo princípio do biossensor para detecção de metamidofós, os pesquisadores desenvolveram um sensor que promete detectar de forma direta e com maior precisão a proteína NS1. “O sensor para detecção de infecção da dengue está em processo de patenteamento. Nós ainda não chegamos a um produto final”, disse Vieira.

Formas químicas de metais associados a doenças neurodegenerativas influenciam efeitos tóxicos

Pesquisa feita na Unifesp avalia nível de toxicidade neurológica de metais associados ao Alzheimer e Parkinson (Wikimedia)

02/09/2013
Por Elton Alisson

Agência FAPESP – A exposição crônica a metais como o manganês e o alumínio pode contribuir para o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas como Parkinson e Alzheimer, indicam diversas pesquisas realizadas em diferentes países, incluindo o Brasil.
Agora, um estudo realizado no Laboratório de Bio-Inorgânica e Toxicologia Ambiental (Labita), do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), apontou que a forma química desses metais pode influenciar de forma direta e de modos diferentes o nível de toxicidade neurológica (neurotoxicidade) que exercem em animais e humanos.
Desenvolvido em colaboração com pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto de Pesquisas Biomédicas de Barcelona, na Espanha, e do Centro de Pesquisa e Associação de Pesquisa Ambiental de Leipzig (UFZ), na Alemanha, o trabalho foi conduzido no âmbito de um projeto de pesquisa, apoiado pela FAPESP.
            Alguns resultados relacionados ao alumínio – que fazem parte do trabalho de mestrado de Pollyana Ferreira de Carvalho – foram apresentados durante o 2º Encontro Ibero-Americano de Toxicologia e Saúde Ambiental, realizado em junho, em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. O trabalho foi premiado pela editora inglesa Taylor & Francis, que publica livros na área de toxicologia.
            “Identificamos que a especiação [forma] química do manganês e do alumínio pode influenciar diretamente os efeitos neurotóxicos provocados por esses metais em animais e humanos”, disse Raúl Bonne Hernández, professor do ICAQF e coordenador do projeto, à Agência FAPESP.
            De acordo com o pesquisador, estudos já indicavam que a exposição crônica ao manganês e ao alumínio promovia alterações no metabolismo energético animal e humano e contribuía para diminuição das capacidades cognitiva e motora.
            Por meio de estudos com o peixe-zebra (Danio rerio) – espécie de peixe cujo genoma é quase 70% semelhante ao humano –, os pesquisadores confirmaram essas hipóteses e observaram, além disso, que o manganês e o alumínio promovem diferentes efeitos neurotóxicos no animal de acordo com a ligação ou não com outros elementos químicos.
            Com relação ao alumínio, os cientistas constataram que o metal nas formas de aquohidroxocomplexo (ligado a moléculas de água ou hidroxila) e polimérica parece ser mais tóxico para o peixe-zebra do que o metal solúvel e ligado aos sais citrato e tartarato, por exemplo, usados como conservantes de alimentos.
            Após expor peixes-zebra ao metal entre duas e 122 horas após a fertilização, as larvas apresentaram redução do batimento cardíaco e alterações nos movimentos corporais espontâneos ou estimulados.
            “Esses resultados, de forma conjunta, apontam para uma confirmação parcial das nossas hipóteses de que a forma química do alumínio e do manganês influencia o nível de neurotoxicidade em animais e humanos”, disse Hernández.
            Segundo ele, por muito tempo se pensou que o alumínio era um elemento inócuo. Por isso, ao longo dos anos uma série de alimentos e bebidas foi envasada em embalagens enlatadas feitas com o metal.
            O que se descobriu mais recentemente, no entanto, é que ingredientes usados para conservar os alimentos e bebidas nesse tipo de embalagem – como citratos e tartaratos – são capazes de solubilizar pequenas frações de alumínio.
            “Essas pequenas frações do metal solubilizadas por citratos e tartaratos podem influenciar eventos relacionados à exposição ao alumínio pela via alimentar, embora sejam considerados eventos não agudos”, afirmou Hernández.

Manganês
            Já ao expor peixes-zebra em diferentes estágios de desenvolvimento a diversas misturas de manganês com outros elementos químicos, os pesquisadores constataram que o manganês causou mais efeitos tóxicos e induziu mais alterações neurocognitivas e locomotoras no animal na presença de citrato do que em sua forma pura.
            “Esses resultados contrariam modelos preditivos de toxicidade de metais, que sugerem que espécies não complexadas [sem ligantes] são mais tóxicas”, disse Hernández.
            “Por outro lado, corroboram outros estudos internacionais com cultura primária de neurônios de cerebelo de camundongos publicados por diferentes grupos de pesquisa – inclusive o nosso –, que sugerem que uma molécula fisiológica, como o citrato, pode facilitar ainda mais o transporte e a passagem do metal pela barreira hematoencefálica do que outros ligantes químicos, como o pirofosfato, causando efeitos neurotoxicológicos em neurônios glutamatérgicos [que utilizam o glutamato como neurotransmissor]”, disse Hernández.
            Algumas das principais alterações promovidas pelo manganês ligado ao citrato no cerebelo do animal podem estar associadas à disfunção em vias de síntese de proteínas como a do grupo beta-amiloide – que se acumulam e formam placas nas regiões do cérebro responsáveis pela memória e a linguagem em pacientes com Alzheimer – e de outros metabólitos alterados em pacientes com a doença de Parkinson.
            Por meio de estudos de expressão gênica, os pesquisadores observaram que os genes mitocondriais mt-co1 (relacionado a processos de oxirredução, transporte de metais e reposta à exposição a elementos químicos) e hspb11 (ligado à resposta a eventos de estresse) dos peixes-zebra expostos ao manganês na presença de citrato foram desregulados.
            Como esses genes também estão presentes no genoma humano, os pesquisadores estimam que vias moleculares similares dos seres humanos podem ser afetadas pela exposição ao manganês.
            “Os resultados encontrados em peixes-zebra poderão nos ajudar a compreender melhor o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas e aprimorar tanto os estudos que estão sendo desenvolvidos em humanos como em animais, reduzindo o tempo e a quantidade de camundongos utilizados nas pesquisas”, disse Hernández.
            “Uma vez que o genoma do peixe-zebra tem quase 60% de semelhança com o de camundongos, ele pode substituí-los em estudos com animais”, afirmou.

Casos de exposição
            Como o manganês é um elemento essencial para os seres humanos, especialmente durante o desenvolvimento, achava-se que os limites de exposição a esse metal poderiam ser um pouco mais altos que os estabelecidos hoje. Com isso, a exposição aguda e crônica pelo ar ao metal na forma de material particulado recebeu maior atenção do que pela ingestão de alimentos ou de água.
            Trabalhadores dos setores de siderurgia e de mineração eram considerados alguns dos poucos grupos humanos vulneráveis à exposição ao manganês, ao trabalhar em áreas mais propensas ao contato direto com ar contaminado com partículas do metal.
            A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem, no entanto, chamado a atenção nos últimos anos para o fato de que há vários lugares no planeta – incluindo países desenvolvidos e em desenvolvimento – onde se observa diminuição na capacidade cognitiva de crianças expostas a grandes concentrações de manganês na água e no ar, principalmente em áreas de mineração, ressaltou o pesquisador.
            “Hoje são observados casos de exposição ao manganês em regiões de desenvolvimento econômico muito baixo, como Bangladesh, e em regiões mais desenvolvidas, na China e no Canadá, onde há relatos de grupos populacionais que consomem água com níveis de manganês em concentrações permitidas pela legislação ambiental do país, mas que apresentaram problemas de diminuição das capacidades cognitiva e motora”, contou.
            No Brasil, segundo Hernández, estudos epidemiológicos realizados entre 2000 e 2011 também apontaram casos de crianças e mulheres grávidas no município de Simões Filho, na Bahia, onde há atividade de mineração, que apresentam alterações neurocomportamentais pela exposição crônica ao manganês na forma de material particulado no ar em concentrações também consideradas seguras por órgãos como a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos e da União Europeia.
            Um dos fatores que contribuíram para esse problema, segundo o pesquisador, é que os valores de exposição ao metal considerados seguros foram estimados, majoritariamente, com base em dados epidemiológicos de adultos expostos ocupacionalmente – como os trabalhadores dos setores siderúrgico e de mineração – e foram extrapolados para crianças.
            “Isso sinaliza a necessidade de mais estudos em modelos animais durante seu desenvolvimento e a integração dos resultados dessas pesquisas com avaliações epidemiológicas”, disse Hernández.
            Como a exposição aguda e crônica a esses metais e a diversos poluentes se inicia já nos primeiros anos de vida – principalmente nos centros urbanos, por concentrar uma maior atividade industrial –, os pesquisadores pretendem avaliar também, por meio de estudos com peixe-zebra, se a exposição ambiental precoce ao manganês e ao alumínio pode programar algumas características de doenças neurodegenerativas que só são identificados clinicamente em humanos muitos anos depois, já na idade adulta.
            “Queremos estudar o que ocorre quando o animal é exposto ao alumínio e manganês em diferentes estágios de seu desenvolvimento e se a exposição prolongada a esses metais em baixas concentrações pode causar os mesmos efeitos neurológicos provocados pela exposição aguda”, disse Hernández.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A "Primavera Acadêmica": O Mercado de Artigos Científicos

Por Lilian Cristina Monteiro França* para o Jornal da Ciência


          Não existe pesquisa sem revisão de literatura e referencial teórico. Em um momento em que o fluxo de comunicação se acelera e a Internet disponibiliza uma vasta gama de artigos científicos, escritos sob as mais variadas perspectivas, orientações e matizes teóricos, uma nova barreira se apresenta.
          Se, antes da rede das redes, o acesso à produção acadêmica envolvia o deslocamento até as grandes bibliotecas e a seus acervos de livros, revistas científicas, teses, dissertações e monografias, demandando recursos consideráveis para o transporte/alojamento, hoje, a cobrança por acesso a conteúdo (paywall systems) vai surgindo como nova preocupação, mais uma vez segmentando o acesso ao conhecimento.
          Um pesquisador que deseje ler o artigo "n-3 fatty acids and lipoproteins: Comparison of results from human and animal studies", de William S. Harris, deve "comprar o artigo" por $39,95 (USD); aquele que quiser estudar as mudanças no jornalismo contemporâneo poderia, por exemplo, selecionar os artigos, "Dumbing down or shaping up: New technologies, new media, new journalism", "Journalism in a state of flux: Journalists as agents of technology innovation and emerging news practices", "New media and journalism practice in Africa: An agenda for research", "Coming to Terms with Convergence Journalism: Cross-Media as a Theoretical and Analytical Concept", "US Foreign Correspondents: Changes and Continuity at the Turn of the Century", e teria em seu "carrinho de compras" a quantia de $125 (USD), $25 (USD), pelo acesso a cada um dos cinco artigos.
          Mas se o preço parece alto, existem alternativas, é possível alugar um artigo científico por 24h com valores que oscilam entre $1,99 (USD) e $12 (USD) ou optar pela compra de pacotes que dão direito à leitura de um determinado número de artigos por um preço mais baixo, por $9,99 (USD) ou $19,99 (USD) a depender da área.
          Nesse shopping de artigos, a lei da oferta e da procura também funciona, artigos mais procurados têm valor mais elevado, assim como autores mais conceituados. Como determinam as estratégias de marketing, lançamentos são mais caros e artigos com mais de dois anos sofrem deflação, alguns chegam, mesmo, a entrar no espaço de liquidação, antes de serem liberados para os espaços de acesso gratuito. Grandes portais oferecem planos individuais e institucionais e descontos especiais para quem quiser voltar a ser assinante.
          No site da DeepDyve-Search, Rent, Readé possível arrendar40 artigos por $40 (USD) por mês, com a vantagem (sic) de poder manter os artigos alugados não utilizados nos meses seguintes ("Unused rentals get rolled over", afirma o site). O site promete também varrer a DeepWeb, zona não indexada da Internet, onde supostamente se encontram artigos e pesquisas raros além dos chamados materiais proibidos (como manuais terroristas, pornografia, tráfico de pessoas e drogas, entre outros) e que merece a constante vigilância dos serviços de informação. Em resumo, o DeepDyve protege (sic) o usuário que não precisa se arriscar a mergulhar nas águas turvas da "web invisível".
          Ironias à parte, o mercado de artigos científicos vem se tornando cada vez mais rentável. Duas das maiores editoras de artigos científicos elevaram os preços de suas assinaturas on-line em mais de 145% nos últimos seis anos.
          A crise promovida pelos paywall systems não atinge apenas os pesquisadores individuais. Recentemente, a universidade de Harvard publicou uma nota informando que não pode mais arcar com o custo da assinatura de revistas e portais científicos (cerca de 3,5 milhões de dólares por ano) e recomendou que seus pesquisadores passassem a publicar seus artigos em plataformas de acesso livre. Robert Darnton, diretor da Harvard Library, em entrevista ao jornalThe Guardian, disse que o custo da assinatura de uma revista científica, como o The Journal of Comparative Neurology equivale ao custo de produção de 300 monografias (ver http://www.theguardian.com/science/2012/apr/24/harvard-university-journal-publishers-prices).
          Um movimento chamado "primavera acadêmica", uma analogia à chamada "Primavera Árabe", capitaneado pelo matemático e pesquisador de Cambridge, Tim Gowers, prega um boicote à principal editora de publicações científicas, a Elsevier. O movimento conta com um site, o The Coast of Knowledge (http://thecostofknowledge.com/), em que os pesquisadores podem declarar o seu boicote e optar por publicar apenas em plataformas de acesso livre. O grupo também se recusa a atuar como parecerista para qualquer tipo de publicação que cobre por acesso, numa estratégia que pode desmontar os sistemas baseados na avaliação do tipo peer reviewed.
          As três maiores editoras da área, Elsevier, Springer e Wiley, detêm mais de 20.000 publicações científicas e representam 42% de todos os artigos publicados no mundo e o lucro das três somam alguns bilhões de dólares.
          Submeter artigos para a publicação em alguns periódicos também implica no pagamento de taxas. A pressão para que os pesquisadores tenham seus trabalhos publicados abriu um novo nicho de mercado; o preço para publicar artigos em algumas revistas chega a $5.000 (USD), como é o caso da revista Cell Report, que destaca: "To provide open access, expenses are offset by a publication fee of $5000 (USD) that allows Cell Reports to support itself in a fully sustainable way. This publication charge is the only fee that authors pay" (grifo meu). O valor da taxa é superior à maior parte dos salários mensais pagos a professores universitários no Brasil. A Cell Report não cobra pelo acesso aos artigos, inserindo-se no rol das publicações do tipo open acess.
          Algumas publicações exigem pagamento mesmo para artigos que forem rejeitados, sob o argumento de que os pareceristas são remunerados para fazer a avaliação dos artigos. A remuneração varia, em média, entre $32 e $400 (USD), para cada artigo avaliado.
          De todo modo, as contas não fecham. Os custos com impressão emoffset não se justificam numa era em as publicações são majoritariamente baixadas pela web, os custos administrativos alegados e com os pareceristas também não justificam o fato de um artigo de vinte páginas custarem quase o dobro de um livro de cem páginas. Se a lógica fosse essa, as editoras já teriam fechado as suas portas.
          O chamado "fator impacto" determina o "preço do prestígio", fazendo com que os pesquisadores invistam no pagamento para publicar, ameaçados pela pressão do "publicar ou perecer". Recentemente, quatro periódicos brasileiros foram punidos pela Thomson Reuters e suspensos do ranking por um ano, em virtude da aplicação de um algoritmo que fazia elevar o "fator de impacto" através do aumento do número de citações, fator este que é considerado nas avaliações de jornais científicos.
          Em uma era marcada pela Web 2.0 e sua perspectiva de produção colaborativa, o mundo acadêmico parece sucumbir à lógica capitalista do lucro, monetizando a ciência e a produção do conhecimento.
*Lilian Cristina Monteiro França é professora/doutora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Sergipe (DCOS/UFS).
Fonte: Jornal da Ciência