Carta
enviada a Temer traz assinatura de 23 ganhadores do prêmio; mesmo argumento
está em outro texto, enviado por 250 pesquisadores da área de Matemática
Herton
Escobar, O Estado de S.Paulo, 30 de Setembro de 2017.
Os
cortes orçamentários em Ciência e Tecnologia “comprometem seriamente o futuro
do Brasil” e precisam ser revistos “antes que seja tarde demais”, segundo um
grupo de 23 ganhadores do Prêmio Nobel, que enviou nesta sexta-feira, 29, uma
carta ao presidente Michel Temer, recomendando mudanças na postura do governo
com relação ao setor.
Marcha. Pesquisadores protestam
contra corte de verbas Foto: Felipe Rau/Estadão.
O
documento, enviado por e-mail ao gabinete da Presidência, faz referência ao
corte de 44% no Orçamento deste ano do Ministério da Ciência, Tecnologia,
Inovações e Comunicações (MCTIC), assim como à perspectiva de um novo corte em
2018 - que deverá ser da ordem de 15%, caso o Projeto de Lei Orçamentária Anual
enviado pelo governo ao Congresso seja aprovado como está.
“Isso danificará
o Brasil por muitos anos, com o desmantelamento de grupos de pesquisa
internacionalmente reconhecidos e uma fuga de cérebros que afetará os melhores
jovens cientistas” do País, escrevem os pesquisadores.
A carta, à qual o Estado teve
acesso com exclusividade, é assinada pelo físico francês Claude Cohen-Tannoudji
e outros 22 laureados com o Prêmio Nobel nas áreas de Física, Química e
Medicina. “Sabemos que a situação econômica do Brasil é muito difícil, mas
urgimos o senhor a reconsiderar sua decisão antes que seja tarde demais”,
conclui a carta.
Repercussão
“É uma iniciativa que mostra a importância da ciência
brasileira e a gravidade da situação”, disse o presidente da Academia
Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich, que também recebeu uma cópia da carta.
A Presidência da República foi procurada pela reportagem, mas não respondeu até
às 21 horas.
“A
situação é trágica, não há outra palavra para descrevê-la”, disse ao Estado o
pesquisador David Gross, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara,
vencedor do Nobel de Física em 2004 e também signatário da carta. Ele prevê que
muitos jovens pesquisadores brasileiros vão desistir da carreira científica ou
migrar para outros países, mais favoráveis à ciência. “Eles vão embora e não
voltarão”, alertou. “É uma política estúpida, autodestrutiva”, completou Gross,
referindo-se aos cortes horizontais aplicados pelo governo em todas as áreas,
sem definição de prioridades.
A
ciência, de acordo com ele, é uma área que precisa de investimentos
consistentes e de longo prazo para produzir resultados que são essenciais para
qualquer sociedade moderna. “Não é algo que você liga e desliga sem ter
consequências graves.”
A carta
dos laureados reproduz argumentos que vem sendo usados exaustivamente pela
comunidade científica brasileira nos últimos anos. Em uma carta enviada à Presidência
da República no início da semana, mais de 250 pesquisadores da área de
Matemática pedem também a Temer que reconsidere os cortes orçamentários do
setor.
“À fria
luz dos fatos e além de qualquer partidarismo, repudiamos os repetidos e
substanciais cortes de verba que sabotam o potencial transformador da ciência
brasileira”, diz o documento. Entre os signatários está o matemático Artur Ávila,
ganhador da Medalha Fields, considerada o Prêmio Nobel da Matemática.
Cortes
O orçamento deste ano do MCTIC é o menor de todos os tempos,
com cerca de R$ 3,2 bilhões disponíveis (depois do contingenciamento de 44% no
início do ano) para o financiamento de pesquisas e pagamentos de bolsas em todo
o País. Isso equivale a um terço do que o ministério tinha quatro anos atrás
(antes de ser unificado com a pasta de Comunicações), e a proposta inicial do
governo para 2018 é reduzir esse valor ainda mais, para R$ 2,7 bilhões.
Signatários
Nobel de Medicina
Harold Varmus (1989)
Jules Hoffman (2011)
Tim Hunt (2001)
Torsten Wiesel (1981)
Nobel de Química
Martin Chalfie (2008)
Johann Deisenhofer (1988)
Robert Huber (1988)
Ada Yonath (2009)
Dan Shechtmann (2011)
Venkatraman Ramakrishnan
(2009)
Jean-Marie Lehn (1987)
Yuan Lee (1986)
Nobel de Física
Albert Fert (2007)
David Gross (2004)
Serge Haroche (2012)
Claude Cohen-Tannoudji (1977)
Andre Geim (2010)
Robert Laughlin (1998)
Frederic Haldane (2016)
Klaus von Klitzing (1985)
Arthur McDonald (2015)
Takaaki Kajita (2015)
Jerome Friedman (1990)
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