sexta-feira, 5 de julho de 2013

A ascensão dos blogues de ciência



Cada vez mais numerosos, respeitados e bem pagos, eles conquistam espaço relevante na divulgação científica.


        Blogueiros presentes na 8ª Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência falam sobre o bom momento vivido pela blogosfera científica e estimulam cientistas e jornalistas a se aventurarem nessa arena.

(imagem: Svilen Milev/ Sxc.hu)

          Eles são independentes, remunerados, escrevem sobre o que querem e têm a qualidade do seu trabalho cada vez mais reconhecida. Se você ficou com inveja – eu fiquei! –, este é um bom momento para iniciar seu blogue de ciência.
          Com espaço de destaque na programação da 8ª Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência, realizada na semana passada em Helsinque, na Finlândia, os blogueiros de ciência mostraram que vieram para ficar. Em menos de 10 anos, conseguiram, com um trabalho original, consistente e capaz de se espalhar rapidamente pela rede, consolidar um canal cada vez mais relevante na comunicação da ciência.
          O prolífico e premiado escritor de ciência britânico Ed Yong se destaca nesse meio. Autor de matérias publicadas na Nature, BBC, New Scientist, Wired, no Guardian, Times, entre outros, Yong – também ativo no Twitter e no Facebook – habita a blogosfera científica desde 2006, quando ela ainda era um território amorfo e pouco respeitado.
          Seu disputado blogue ‘Not Exactly Rocket Science’, iniciado em carreira solo no Wordpress e com passagens pelo ScienceBlogs e pela revista Discover, encontra-se atualmente na National Geographic, onde divide espaço com três congêneres – entre eles o ‘The Loom’, de Carl Zimmer, outro fenômeno da blogosfera científica. Os quatro blogues compõem a seção virtual da publicação chamada ‘Phenomena’, descrita como um science salon (algo como ‘salão de ciência’).
          O ‘Not Exactly Rocket Science’ – pelo qual Yong, segundo ele mesmo, ganha bem – é seu espaço de experimento e de lazer, e também o lugar de divulgar, “com total independência”, o trabalho que publica em outros meios.

Formado em ciências naturais e mestre em bioquímica, Yong deixou a bancada para se dedicar ao que gosta mais de fazer: ‘falar sobre o imponente, bonito e peculiar mundo da ciência, para o maior número possível de pessoas, independentemente de sua formação’. (montagem a partir de @WCSJ2013)

Mudança de paradigma
          Na conferência, Yong falou sobre as significativas transformações pelas quais vêm passando os blogues de ciência desde que estreou nessa arena. À guisa de ilustração, contou um caso antigo: certa vez, ao ler um comunicado de imprensa (press release) sobre estudo publicado em determinado periódico, entrou em contato com a assessoria da publicação e pediu a íntegra do artigo, para ouvir da assessora que o material que tinha era mais que o suficiente para um blogue.
          Não que o preconceito em relação aos blogues tenha desaparecido por completo, mas, para quem acompanha a blogosfera de ciência, em especial a em inglês, é inegável que seu prestígio venha aumentando. Não é raro ver cientistas renomados – inclusive laureados com o Nobel – enveredando por essa seara. Também se torna cada vez mais comum o uso desse espaço para discussões de alto nível científico, que já chegaram a resultar em revisões e erratas de artigos em periódicos de grande impacto.
          Na avaliação de Yong, muito do fortalecimento dos blogues de ciência se deve ao jornalismo científico de baixa qualidade.
          Na avaliação de Yong, muito do fortalecimento dos blogues de ciência se deve ao jornalismo científico de baixa qualidade. Segundo ele, vários surgiram para corrigir erros científicos divulgados na mídia. Nesse sentido, ressaltou a importância da precisão e do rigor científico nesse meio, cláusulas pétreas do ‘Not Exactly Rocket Science’.
          Yong chegou a dizer que o processo de preparação de um post em seu blogue é “exatamente” o mesmo que o de apuração para a escrita de uma matéria jornalística, sendo a única diferença a presença de um olhar mais pessoal no primeiro.
          Sua colocação traz à tona a velha discussão sobre a diferença entre fazer jornalismo e blogar. Apesar de valorizar ambas as iniciativas e considerá-las igualmente relevantes para a comunicação da ciência, há quem ainda veja uma distinção significativa – e saudável – entre uma coisa e outra. Yong, que deu a entender que já está cansado de discutir a questão, não se aprofundou muito nela.

Trabalho coletivo
          Para Betsy Mason, editora de ciência da revista Wired, algumas características intrínsecas aos blogues os distinguem do jornalismo científico tradicional, como as diversas possibilidades de ângulos a serem exploradas, o tom pessoal e a independência editorial. Por outro lado, ela destaca aspectos importantes e comuns a ambos, como a ética e a transparência.
          Na avaliação de Mason, a última campanha da Wired para angariar novos blogues é um exemplo de como a blogosfera de ciência vem crescendo e se diversificando. A revista recebeu 113 propostas, sendo 50% de cientistas e 25% de jornalistas; 50% eram homens e 47%, mulheres; 42% ainda não tinham blogues; e 31% eram de fora dos Estados Unidos, país natal da revista.
          Atualmente, a Wired conta com 10 blogues de ciência, sobre temas diversos, um deles coescrito pela própria Betsy Mason, que compartilha com os leitores sua obsessão por mapas. Todos são remunerados.
          No Guardian, são 13 blogues de ciência, cobrindo temas igualmente variados. Também há remuneração pelo trabalho – os autores ganham um percentual do que suas páginas arrecadam com anúncios. “Não é muito, mas é um bom complemento”, diz Alok Jha, repórter de ciência do jornal, sem falar em cifras.
A ascensão dos blogues de ciência foi tema de plenária na Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência. Na foto, Bora Zivkovic fala sobre sua experiência à frente de 63 blogues de ciência mantidos pela revista ‘Scientific American’. A seu lado (da esq. para a dir.), Alok Jha, do ‘Guardian’, o blogueiro independente Ed Yong e Betsy Mason, da ‘Wired’. (foto: @WCSJ2013)

          Segundo Jha, que também faz a sua parte dentro do segmento, a inclusão de blogues no site do jornal britânico é uma forma de neutralizar o ponto de vista do veículo, de incluir outras visões que representem de alguma forma os leitores, tanto do Reino Unido quanto de outros cantos do mundo.
          Se alguém ainda tem dúvida de que a blogosfera científica esteja crescendo, tome essa: a Scientific American contabiliza 63 blogues de ciência em sua página na internet! Difícil imaginar como Bora Zivkovic – que, além de editor da trupe de blogueiros, também tem um blogue para chamar de seu – lida com isso.
          Zivkovic ressalta que, ao escrever para uma revista de nome forte como a Scientific American, os pesquisadores só têm a ganhar: com acesso a todo o conteúdo da publicação, total independência e a grande visibilidade proporcionada, o que mais gostariam?
          Então, quando vai lançar seu blogue de ciência?

Carla Almeida*
Ciência Hoje On-line
*A jornalista viajou para Helsinque a convite da Federação Mundial de Jornalistas de Ciência (WFSJ, na sigla em inglês)

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