terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Entrevista: físico demonstra ser possível aliar o sucesso acadêmico à divulgação científica

A mais recente entrevista do blog Dissertação Sobre Divulgação Científica apresenta um físico, ou melhor, um físico-comunicador, um profissional articulado, receptivo aos divulgadores e proativo na divulgação científica. Astrônomo do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Martin Makler, 38 anos, cresceu apaixonado pela ciência e aprendeu desde menino a exteriorizar o que aprendia, habilidade que até hoje está presente em sua carreira.

Filho de pai físico e mãe matemática, Martin é natural de Buenos Aires, Argentina, cresceu em Niterói-RJ e também morou um tempo na Bélgica, onde aprendeu a "brincar" com a astronomia. O retorno ao Brasil veio acompanhado de uma vontade de divulgar aquele prazer, que quase foi comprometido pela má qualidade de um professor durante o ensino médio (aí está um exemplo da prioridade de mais do que valorizar e educação, inclusive os professores).

Ele graduou-se na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1996, e concluiu o doutorado cinco anos depois no CBPF, cuja tese lhe rendeu uma menção honrosa pela Sociedade Brasileira de Física (SBF). O pós-doutorado, também pela UFRJ, foi obtido em 2003.

Uma das principais atividades de pesquisa dele é o projeto o Dark Energy Survey, consórcio internacional que visa estudar e compreender algumas das principais questões históricas da humanidade em relação ao Universo, tais como: de onde viemos? Onde estamos? Para onde vamos? E (principalmente) do que é composto o Universo?

Confira a entrevista:

Como surgiu o seu interesse pela ciência e pela divulgação científica?
O que me despertou foi a série de televisão Cosmos, do astrônomo e divulgador Carl Sagan, durante a minha infância. Eu gostava de ciências em geral, mas principalmente de astronomia, mesmo sem saber que o campo tinha esse nome e era tão bem organizado, definido. Essa afinidade cresceu após eu passar algum tempo em Liège, na Bélgica, onde os meus pais foram fazer pós-doutorado. Lá, com cerca de 13 anos, tive a oportunidade de participar de palestras, acampamentos, comprar um telescópio, tirar fotos de astros e ingressar em um clube da área. Quando eu voltei ao Brasil, tinha a ideia de criar um clube de astronomia em Niterói, mas a minha visão era a de uma associação mais restrita. Marcelo Souza, então professor do ensino médio e aluno da Universidade Federal Fluminense (UFF), ficou sabendo da proposta e me procurou, só que com a intenção de atingir uma audiência mais ampla. Tudo isso foi determinante para amadurecer os meus gostos e objetivos de vida e carreira, apesar de no ensino médio eu ter sido aluno de um professor de física muito ruim, que chegou a tirar a minha motivação pelo campo. Lembro que na época do vestibular, fiz testes vocacionais que me apontaram para todos os lados: medicina, direito, engenharia, química... mas acabei optando por física, exatamente pela possibilidade de ser astrônomo. Mesmo durante a graduação busquei ser ativo nas atividades de divulgação.


Você já comentou que realiza muito menos divulgação científica do que gostaria. O que o inibe?
A grande questão é que há uma certa competição entre as atividades de pesquisa e da divulgação. Neste momento da carreira, o meu tempo está bastante cosumido pelos projetos científicos e atenção aos meus orientandos. O nascimento do meu filho também fez com que eu reduzisse o tempo destinado à DCT.


Qual é a sua motivação pela DCT?
Há o prazer pessoal de estimular o gosto pelo conhecimento e comunicar o que eu faço, de incentivar outras pessoas, assim como eu fui pela série Cosmos. Porém, o interesse maior é o social, que herdei daquele professor com quem eu promovia o clube de astronomia em Niterói. Eu gosto muito de levar a ciência para os espaços mais diferentes e inusitados, fora dos centros tradicionais, onde as ações serão motivo de surpresa.

Você identifica essa mesma motivação entre os seus colegas acadêmicos?
Bom, o cenário melhorou bastante ao longo do tempo. Lembro que na minha graduação os poucos grupos dedicados à divulgação eram até mesmo desprezados, havia uma resistência bem maior do que hoje em dia. Nos últimos anos, o governo tem ampliado as medidas em benefício do campo, como a criação do Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia, a implementação de um espaço específico para a divulgação no currículo Lattes, a multiplicação de eventos organizados por instituições públicas, entre outras. Porém, de forma geral os meus pares se interessam pouco por essa atividade. Além da falta de consciência ou de interesse e do medo de comunicar para uma audiência mais ampla, acho que falta um canal confiável, um estímulo determinante capaz de fazer com que o cientista enxergue a possibilidade de divulgar o seu trabalho de forma profissional e séria. Talvez haja a vontade latente, mas o pesquisador não quer perder tempo para preparar uma palestra, por exemplo, mas sim já realizá-la. Um gancho bem interessante seria a valorização institucional, no sentido da missão do cargo ser, inclusive, a divulgação. Hoje, no entanto, somos avaliados no fundo pela pesquisa em si. Outra situação curiosa é que o pesquisador, quando convidado para proferir uma palestra na escola do filho, tende a aceitar. Então, se as próprias escolas se dirigissem com mais frequência ao CBPF, a disponibilidade acadêmica poderia ser maior.

Qual é o seu público da divulgação?
Como eu faço divulgação em lugares bastante diversos, percebo que a audiência é ampla e com características bem variadas, mas sempre procuro uma identificação e a adequação da linguagem. Para se ter uma ideia, no fim da década de 1990, eu participei de uma dinâmica de popularização no presídio Edgar Costa, em Niterói, onde o nível cultural das pessoas era bem abaixo de outros ambientes. Já o público das ações da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência ou da Casa da Ciência, das quais eu participo, por exemplo, possui um grau educacional mais elevado, está mais a par dos assuntos e a qualidade das perguntas costumam ser melhores. Isso mostra que a minha divulgação é destinada a segmentos diversos e heterogêneos. É difícil definir rigidamente.

Qual é o seu procedimento quando pretende realizar uma divulgação, faz por si ou procura alguma assessoria de comunicação?
Depende bastante. Em geral, são iniciativas pessoais, muitas motivadas por convites de escolas, comitês, clubes e associações. Cotidianamente, o contato é muito mais comigo do que com o próprio CBPF. Por outro lado, em ações coordenadas e institucionais, como na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, a divulgação é via CBPF, que é solicitado pelo Ministério da C&T para integrar o movimento.


E como é o seu relacionamento com os jornalistas? Você tem receio deles?
Receio eu não tenho e gosto de recebê-los para dar as informações solicitadas. Acho importante essa interação. Porém, eu já acompanhei situações grotescas ocorrerem por falta de precisão e entendimento. Lembro que uma equipe de reportagem de um importante jornal de Niterói foi comigo em um parque da cidade cobrir a passagem do cometa Hale-Bopp. Eu havia explicado que além do astro luminoso, havia, por coincidência, uma aproximação visível entre os planetas Mercúrio e Vênus, fato curioso, sem relação direta com o cometa. No dia seguinte, o veículo noticiou que a causa do sobrevoo do Hale-Bopp visível em Niterói foi a junção entre os dois planetas, informação transmitida com a legitimidade da minha fala entre aspas. Por isso, eu sempre peço o envio do material antes da publicação, procedimento que deveria ser padrão. A mídia mais genérica não costuma atender ao pedido, até mesmo pela velocidade da produção e publicação do jornalismo, que exige do repórter habilidade para levantar dados em curto espaço de tempo. Já a imprensa mais especializada, como a revista Ciência Hoje, sempre retorna o texto.

Quais são as habilidades que o cientista precisa adquirir para facilitar a interação com o divulgador?
Antes de qualquer coisa, é importante ser didático, saber apresentar o conteúdo de forma mais suave, com menos fórmulas, utilizando ilustrações e analogias, por exemplo. Mais do que uma habilidade inerente, um dom natural, é importante desenvolver essa capacidade de externar o trabalho realizado. A didática se consegue praticando. A questão é que no Brasil a formação do pesquisador carece desse tipo de treinamento. Por muitos anos, o pesquisador-divulgador foi visto com desconfiança pelos pares. Aqui, a ideia de testes e provas está muito enraizada no sistema educativo e de C&T, já em outros países a cobrança é para apresentações e exposições, como palestras e seminários. Isso inibe muitos de nós a querer popularizar e dialogar com a sociedade. As poucas pessoas ativas nesse campo acabam sobrecarregadas, pois são as mais procuradas para atender à imprensa e outras solicitações de divulgação.

Há algum patamar que deva orientar os objetivos da DCT nacional?
Embora eu não disponha de muitos dados e informações mais precisas, observo que os Estados Unidos são desenvolvidos nessa questão. Lá, a visão social da ciência é mais otimista e progressista. Um cidadão comum admira o cientista como alguém inteligente e importante. Já no Brasil, embora também haja admiração, as pessoas associam a pesquisa a dificuldades, à falta de recursos e até mesmo à futilidade, como alguém cujos trabalhos não são tão determinantes para o desenvolvimento humano e da nação. O nosso esforço deveria ser para mudar esse estereótipo, demonstrando que é possível fazer ciência importante e de qualidade.

Há algum projeto de DCT que você pretenda realizar, mas que até o momento tenha faltado tempo?
Nada em mente, por enquanto. Quando eu posso, faço o que tenho feito nos últimos tempos, que é apresentar as minhas pesquisas em andamento.

Nota da redação: O blog disponibiliza a entrevista também em áudio. Clique aqui para ouvir.

(Com informações de Bruno Lara)

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