Pesquisadores anunciam
descoberta de nova partícula, mas ainda precisam de tempo para confirmar que se
trata mesmo do arredio bóson que completaria o Modelo Padrão.
Num feito que ficará para sempre marcado na história, físicos do CERN (Centro
Europeu de Pesquisas Nucleares) anunciaram nesta quarta-feira (4) terem
encontrado uma nova partícula, com características compatíveis com o almejado
bóson de Higgs.
A descoberta, feita com dois instrumentos do LHC (Grande Colisor de Hádrons),
o maior acelerador de partículas do mundo, foi anunciada numa teleconferência na
sede do CERN, em Genebra (Suíça), transmitida ao vivo para a abertura da 36ª
Conferência Internacional em Física de Altas Energias (ICHEP), em Melbourne,
Austrália.
O bóson ganhou esse nome em homenagem ao físico escocês Peter Higgs, um dos
vários cientistas que desenvolveram a teoria de como as partículas poderiam ter
massa, mais tarde incorporada ao Modelo Padrão.
Trata-se da mais completa teoria física já desenvolvida, que explica em
detalhes como funcionam todas as partículas e forças da natureza, exceto a
gravitação (que ainda é província exclusiva da relatividade geral). Praticamente
tudo nele já havia sido experimentalmente confirmado anteriormente, exceto o
bóson de Higgs. É a última peça do quebra-cabeça.
"A descoberta do Higgs coroa um dos maiores feitos da humanidade, desde sua
concepção intelectual, baseada em noções de beleza e simetria, aos incríveis
avanços tecnológicos necessários para materializar esta descoberta", diz Ronald
Shellard, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e
vice-presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF).
Questões em aberto - Os pesquisadores das colaborações CMS e
ATLAS - nomes dos dois experimentos responsáveis pelo achado - ainda são
cautelosos ao afirmar que a nova partícula é mesmo o bóson de Higgs.
Os dados mostram além de qualquer dúvida que há uma novidade: uma partícula
com energia de 125 GeV (giga-elétronvolts) que decai, entre outras
possibilidades, em um par de bósons Z (já conhecidos), que depois se dissolvem
em outras partículas. É o resultado desses decaimentos sequenciais que é
observado nos detectores do acelerador. A partir dele, os cientistas fazem a
"engenharia reversa" do processo para identificar as características originais
da partícula.
"Apesar de os eventos [de colisões de partículas no acelerador] sugerirem que
estejamos diante do bóson de Higgs, a confirmação de que se trata realmente da
partícula predita requer mais medidas comparativas", afirma Sérgio Novaes,
físico da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe do CMS.
Concorrência - Na segunda-feira (2), os americanos chegaram
a divulgar suas últimas análises dos velhos dados, que mostravam a indicação de
uma partícula com as características do bóson de Higgs e uma energia entre 115 e
135 giga-elétronvolts (GeV), com 90% de confiança. Entretanto, ainda estava
longe do grau de exigência da comunidade para tratar o resultado como uma
descoberta. Somente, agora, com os resultados do LHC é possível cravar a
existência da nova partícula, com energia de 125 GeV.
Fim ou recomeço? - A descoberta do Higgs sempre foi
anunciada como principal meta para a construção do LHC. Agora que ele
provavelmente foi encontrado, pode ficar para o público uma sensação de vazio.
Mas o sentimento não é compartilhado pelos físicos.
"Em primeiro lugar, há um equívoco em focar muito no bóson de Higgs", afirma
Shellard. "Todos concordamos que o bóson de Higgs não vale US$ 10 bilhões. Essa
máquina, o LHC, foi concebida para explorar a natureza! A descoberta do Higgs
coroa o maior feito intelectual da história da humanidade até agora, uma teoria
que explica uma infinidade de fenômenos naturais. Mas, para o LHC, ela é apenas
o começo."
Brasil no CERN - Para fazer parte dessa aventura de
desbravamento de maneira mais intensa, o Brasil discute desde 2010 a
possibilidade de se associar ao CERN, e uma nova etapa acaba de ser cumprida
para que isso se torne realidade. O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação,
Marco Antonio Raupp, já aprovou o envio de um documento que descreve as
qualidades técnicas e científicas do Brasil e que dá andamento à negociação.
"Demos um passo importante para que o Brasil seja um país protagonista das
grandes descobertas científicas", diz Raupp. "Essa ação também terá como
consequência mobilizar a indústria para participar dos avanços tecnológicos
significativos que são gerados na interação com o CERN."
As conversas começaram ao final do governo Lula, sob a batuta do então
ministro Sergio Rezende, mas ficaram paradas durante o ano passado por conta da
crise econômica. Agora voltaram a avançar.
Assim que o Conselho do CERN receber o relatório, irá nomear uma comissão
para verificar pessoalmente as instalações nacionais de pesquisa. Uma vez que o
Brasil seja aceito como membro, o acordo a ser assinado entre as partes ainda
precisará ser aprovado pelo Congresso Nacional para entrar em vigor.
Mas os físicos brasileiros já se animam com a perspectiva de fazer parte
desse esforço para desvendar os mistérios que residem além das teorias
científicas consagradas, acessíveis através das colisões geradas pelo LHC.
(Ascom da SBF)
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