JC e-mail 4535, de 09 de Julho de 2012
Por Marcelo Gleiser
Professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA).
Artigo publicado na Folha de São Paulo de domingo (08/07/2012)
Como
não poderia deixar de ser, nesta semana escrevo sobre a descoberta sensacional
do bóson de Higgs, anunciada na última quarta feira (4), pelos cientistas do
laboratório Cern, em Genebra, na Suíça. Começo repetindo a história de como o
bóson de Higgs ficou conhecido como "partícula de Deus".
Obviamente,
uma partícula elementar não tem nada a ver com Deus. O apelido vem do título do
livro de Leon Lederman, o prêmio Nobel que durante anos caçou a partícula (a
busca pelo bóson de Higgs durou ao todo 45 anos!).
Lederman
conta que originalmente queria dar ao livro o título em inglês "The
Goddamn Particle" ("A partícula Amaldiçoada por Deus" ou
simplesmente "A Desgraçada da Partícula"). A ideia era demonstrar sua
frustração em não tê-la encontrado. Porém, o editor do livro achou que, com a
exclusão de "desgraçada" do título, o livro venderia bem mais. A
coisa vingou - para o livro de Lederman e para a partícula.
Mas
por que tanta empolgação com o bóson de Higgs, que inclui bilhões de dólares
gastos na busca por uma mera partícula?
Essencialmente,
o bóson de Higgs era a peça que faltava no chamado Modelo Padrão, que descreve
tudo sobre as partículas que conhecemos no Universo. Achá-lo significa
completar esse modelo com enorme sucesso.
O
papel do Higgs é único entre as partículas: ele é responsável por "dar
massa" a todas as outras. Vale lembrar que, na física moderna, as
entidades essenciais são os campos. Partículas são excitações desses campos,
como pequenas ondas na superfície de um lago. O campo de Higgs estaria por toda
a parte, como o ar na nossa atmosfera. Ele interage com os campos de outras
partículas: por exemplo, o campo dos elétrons ou o dos fótons (o campo
eletromagnético), as partículas de luz. Essa interação tem uma intensidade que
varia de campo para campo. É essa intensidade variável que determina a massa
das partículas e as suas diferenças.
Por
que, então, o nome de "bóson"? As partículas que conhecemos podem ser
divididas em dois grupos, chamados genericamente de bósons e férmions.
"Bóson" homenageia o físico indiano Jagadish Chandra Bose, que
desenvolveu, junto com Einstein, as propriedades dessas partículas. Elas gostam
de existir em grupos com muitas delas. O Higgs e os fótons são bósons. Já os
férmions (em homenagem ao físico italiano Enrico Fermi) são mais exclusivos e
no máximo aparecem em pares. Os elétrons e os prótons são férmions.
Ninguém
"viu" um bóson de Higgs, pois eles se desintegram em outras
partículas em minúsculas frações de segundo. O que se "observa" são
os vários produtos dessas desintegrações. Os resultados são estatísticos,
devido aos bilhões de colisões e desintegrações que ocorrem. Na física de
partículas, uma "descoberta" é um evento tão raro que a chance de
surgir outra nova explicação é de uma em 3,5 milhões.
O
interessante é o que está por vir. Sabemos que a partícula é um bóson. Mas não
sabemos se corresponde à previsão mais simples do Modelo Padrão ou se é algo
mais exótico. Todos torcem pelo exótico, pois terão abertas portas para uma
nova física. Depois de 45 anos, seria uma pena encontrar só o Higgs.
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