quarta-feira, 23 de maio de 2012

Laboratório-mundo


         A reportagem do Ciência Hoje On-line conversou com professora recém-premiada pela ‘Science’ por projeto que usa a pesquisa ao ar livre no ensino de biologia. Revista vem dando espaço para iniciativas que propõem novas formas de apresentação do conteúdo aos alunos.

Por: Thiago Camelo

Publicado em 05/04/2012 | Atualizado em 05/04/2012

A bióloga Nitya Jacob na 'Arabia Mountain': proposta de estudar com os alunos o ecossistema local ganhou prêmio da 'Science'. (foto: Kay Hinton)

           O último editorial da Science perguntou: por que tantos alunos abandonam a graduação em cursos de ciências exatas ou naturais nos primeiros dois anos de estudo?
           As aulas introdutórias, que deveriam prender o aluno e abrir as possibilidades do universo científico, são pouco inspiradoras.
           Uma das respostas a que a revista chegou foi: as aulas introdutórias, que deveriam prender o aluno e abrir as possibilidades do universo científico, são pouco inspiradoras.
           A mesma revista, com o espírito de incentivar novas práticas de introdução científica, passou a premiar iniciativas que propõem novas formas de se apresentar a matéria para os alunos recém-ingressos. O laureado publica no periódico, um dos mais prestigiosos do mundo, um artigo em que explica seu projeto.
           O Alô, Professor conversou com a última educadora premiada pela revista – a bióloga indiana Nitya Jacob, professora do curso de Biologia da Faculdade de Oxford, na Geórgia, Estados Unidos.
Jacob desenvolveu com estudantes dos dois primeiros anos de curso um estudo completo do comportamento microbiológico da Arabia Mountain, uma cadeia de rochas com grande diversidade vegetal na própria Geórgia. Por que a montanha? Porque o lugar fica relativamente próximo à faculdade, e porque, para Jacob, ali poderia ser um laboratório a céu aberto.
         Mais do que isso, segundo a professora, “pouco se sabe sobre a ecologia microbiana nesse ecossistema”. Seria a oportunidade de, no final do curso, ter em mãos um material original.
Curiosamente, a iniciativa anterior premiada pela Science – serão 15 educadores no decorrer do ano – também privilegiou a pesquisa ao ar livre: uma empreitada de professores da Universidade Estadual de Michigan, nos Estados Unidos, que propôs um curso introdutório para estudar, no próprio campus da instituição, a mudança das folhas das árvores no decorrer das estações do ano.
          Ambas as iniciativas, tanto a de Jacob quanto a dos educadores de Michigan, também se preocupam em preservar todo o processo de pesquisa científica, com incursões ao laboratório, busca dos alunos pelo melhor método, discussão do projeto e, por fim, produção de um artigo.
         A seguir, leia a entrevista com a bióloga Nitya Jacob.

Ciência Hoje On-line: Como surgiu a ideia do projeto?

Nitya Jacob
: Estava muito interessada na incorporação de técnicas de pesquisa em aulas introdutórias. Li sobre um projeto realizado na Universidade do Arizona do Norte sobre a exploração de microrganismos em ambientes extremos. A ideia de usar a Arabia Mountain veio em função do conhecimento que tenho desse ecossistema. Também me inspirei no trabalho da minha colega, a [bióloga e professora] Eloise Carter, cuja pesquisa envolveu as plantas e os ecossistema da Arabia Moutain.
A Science vem premiando projetos que usam a natureza como laboratório a céu aberto. Qual seria a importância de ‘olhar ao redor’ e entender a potencialidade do ambiente próximo ao centro de ensino?
Acho fundamental para a educação levar os alunos para fora da sala. Os estudantes são pouco conscientes do ambiente que os cerca, e talvez não olhem para fora a não ser que seja apontada uma direção. Se quisermos que a natureza seja preservada para as futuras gerações, é importante fazer com que os estudantes tomem consciência dela o quanto antes.
Minha área de especialização é a biologia molecular, que envolve principalmente trabalhos dentro do laboratório. Portanto, ser capaz de combinar isso com uma experiência de campo no meio da natureza é uma ferramenta valiosa.
Montanha
O ecossistema da ‘Arabia Mountain’, com toda a sua diversidade vegetal, foi o ‘laboratório’ escolhido pela bióloga para que os alunos tivessem o primeiro contato com a ‘ciência de verdade’. (foto: Science/AAAS)



E é realmente benéfico para os alunos ter contato com métodos de pesquisa científica logo nos primeiros anos da faculdade?

Acho que isso é absolutamente fundamental para os alunos. É como a ciência é feita! Se o aluno não tem a chance de experimentar isso logo, ele não estará em contato com uma visão mais completa do mundo científico. Mesmo com recursos limitados, é possível expor os estudantes à pesquisa de diversas maneiras.

Como?
Uma maneira é envolver os alunos em leituras científicas para demonstrar como os ‘fatos’ do livro são, na verdade, originários de pesquisas. Até mesmo pequenos projetos em laboratório são importantes para que os alunos percebam que, quando os cientistas começam um projeto de pesquisa, o resultado do projeto é imprevisível.
Digo isso porque, muitas vezes, os alunos acreditam que sempre há uma resposta correta – e a ciência não é sobre haver uma resposta certa. A ciência é sobre descobrir o desconhecido. Os alunos devem começar a experimentar isso logo no início de sua trajetória universitária.

No artigo, você fala da importância de o aluno lidar com a “frustração de não alcançar o resultado desejado”.
A frustração de que falo não tem a ver com fracasso. De fato os alunos tendem a associar a frustração ao fracasso. Estou tentando ajudá-los a ver que eles não falharam. Eles também precisam saber que não chegar a uma resposta correta pode levar a uma nova descoberta. A pesquisa científica não é um mar de rosas. Os obstáculos são elementos esperados.

Você acharia possível introduzir uma experiência análoga com alunos do ensino médio?Descobri que expor estudantes a esse tipo de pensamento independente e de investigação não é um trabalho que deve ser feito uma única vez. Os melhores resultados vêm lentamente. Estar exposto várias vezes a esse tipo de pesquisa é o que realmente ajuda a informação a se consolidar.
Então a resposta é sim, acho que experiências semelhantes podem ser aplicadas nas escolas, expondo os alunos aos poucos ao método científico e consolidando o conhecimento.

Qual foi o impacto que o prêmio da Science teve na sua carreira e no projeto?
Por ser uma revista internacional e com grande impacto, os professores de todo o mundo têm a chance de implementar o exercício em seus cursos. A divulgação serve de inspiração, inclusive, para esses professores chegarem a novas ideias e, quem sabe, modificarem o exercício.
No caso do meu trabalho, sinto que vai ajudar no convencimento de que os alunos do primeiro e segundo anos são capazes de realizar pesquisas. O que eles precisam é da paciência do professor, precisam ser orientados de forma eficaz. O prêmio também ajuda na criação de uma cultura de fazer perguntas não apenas dentro do laboratório, mas também fora dele.

Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line

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