quarta-feira, 23 de maio de 2012

Cientificamente Comprovado - Verdade ou Mito?



Artigo de Valderi Pacheco dos Santos e Cleber Antônio Lindino, professores do curso de Química da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Campus de Toledo. Artigo enviado ao JC Email pelos autores.


Há na mídia, em geral, um grande número de produtos e terapias alternativos que, com a roupagem de "comprovados cientificamente" e, fazendo uso indiscriminado de teorias ditas científicas, tentam convencer-nos de que apresentam eficácia em tratamentos medicinais. Mas será que podemos confiar de olhos fechados em tudo aquilo que se veste do manto e da credibilidade conquistada pela Ciência ao longo de cerca de quatro séculos, para tornar maior seu apelo comercial e, com isso, ganhar visibilidade e aumentar seus lucros?


Muitos produtos comerciais, em suas propagandas, abusam de termos médicos e prometem curar ou tratar uma série de males, mas nestas mesmas propagandas deixam claro que não são remédio, mas apenas "complemento alimentar". Isso não é uma afirmação bem intencionada de alguém que pretende fugir do rótulo negativo do termo "droga ou remédio", mas apenas uma ferramenta jurídica para poder ter sua comercialização liberada sem os rigorosos testes de comprovação de eficácia exigidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a agência reguladora dessa atividade no Brasil.


Algumas características dos anúncios ou formas de divulgação desses produtos são facilmente observadas: usam e abusam de teorias científicas, geralmente obscuras e de difícil compreensão, para conquistar credibilidade junto ao público alvo; não utilizam métodos experimentais rigorosos em suas investigações; afirmam ter alcançado resultados positivos, embora suas provas sejam altamente questionáveis e suas generalizações não tenham sido corroboradas por investigadores imparciais; prometem eficácia no tratamento de uma gama grande e aleatória de problemas de saúde; geralmente disfarçam-se de nomes diferentes para burlar a legislação; utilizam retórica e argumentos convincentes e representantes comerciais altamente treinados; muitas vezes, prometem ganhos financeiros absurdos a novos representantes e recorrem à técnica da "pirâmide", atualmente renomeada de "marketing de rede", em que, quanto mais associados a pessoa conquistar, maior será seu lucro; ignoram o efeito placebo, comum a qualquer pesquisa séria de estudo de eficácia de medicamentos de referência, em que, ao testar o medicamento em dois grupos de pacientes, um deles, o chamado grupo de controle, sem o seu conhecimento, recebe as doses do medicamento sem a presença do princípio ativo. Mesmo nesse grupo, haverá um número de pacientes que sentirá melhora nos sintomas, e isso tem de ser levado em consideração em uma pesquisa formal.




Não é objetivo deste artigo, rotular algumas terapias como fraudulentas ou enganosas, mas apenas dar a visão da Ciência sobre seus princípios e mecanismos de ação, para que as pessoas, leigas ou não, façam seu próprio julgamento.




Um exemplo é a Homeopatia, um termo bastante comercial e muitas vezes usado em produtos farmacêuticos que, a princípio, nada mais são que medicamentos fitoterápicos, pois utilizam concentrações, ainda que pequenas, muito maiores que aquelas ditas homeopáticas (não entraremos aqui no mérito dos critérios adotados para a liberação destes medicamentos para comercialização no Brasil).
Segundo a doutrina médica da homeopatia: "uma quantidade ínfima de um dado princípio ativo é capaz de apresentar os mesmos efeitos, ou até superiores, que aqueles observados com as quantidades utilizadas nos medicamentos de referência". Mas o que podemos entender como quantidade ínfima? Para exemplificar, vamos partir de uma concentração típica da homeopatia (uma parte do princípio ativo para cada 10.000.000.000.000.000.000.000.000.000 partes de água). Usando um pouco de conhecimento químico e matemático, sabemos que 18 mL de água (um mol) contém cerca de 600.000.000.000.000.000.000.000 moléculas de H2O. Então, são necessários 300.000 mL (ou 300 L) de água para termos a quantidade de moléculas de água suficientes na qual uma única molécula do princípio ativo estará dispersa. Neste contexto, as chances desta única molécula do princípio ativo estar presente em um frasco de 50 ou 100 mL do medicamento homeopático é muito pequena, e menor ainda é a chance desta molécula estar presente no volume correspondente a uma dose do medicamento.


Porém, segundo a própria homeopatia, "o medicamento homeopático não tem o princípio ativo, propriamente dito, mas, como provém de sucessivas diluições do medicamento concentrado, a água conserva a "memória" da presença do medicamento." Um fato que impulsionou a homeopatia, dando-lhe status de terapia medicinal com comprovação científica, foi um artigo famoso, porém controverso, publicado em uma das duas mais importantes revistas de divulgação científica no mundo (a Nature), no final da década de 1980. Naquele trabalho, os pesquisadores estudaram o potencial alergênico de uma determinada substância em culturas de células. Entretanto, as quantidades destas substâncias não eram muito maiores que aquelas utilizadas em homeopatia, ou seja, não passavam de uma molécula da substância alergênica por ensaio. Inicialmente, os resultados positivos eram espantosos e chegou-se a considerá-los como a descoberta do século.


Entretanto, pouco tempo depois, após sucessivas tentativas frustradas de outros grupos em reproduzir os resultados obtidos por aqueles pesquisadores, uma comissão nomeada pela própria revista Nature, liderada por James Randy (conhecido mundialmente pelo desafio que oferecia um prêmio de um milhão de dólares a quem conseguisse comprovar que possuía algum poder paranormal), foi incumbida de acompanhar os experimentos, só que agora sem qualquer intervenção ou parcialidade do grupo de pesquisadores, já que estes não sabiam de antemão quais soluções continham o princípio ativo e quais não continham. Infelizmente, ou felizmente, os resultados foram todos refutados e a revista teve de publicar uma nota de retratação, tomando o cuidado de não acusar os autores, mas alegando que havia ocorrido um grande equívoco. Hoje, a visão da Ciência é clara, a homeopatia trabalha com fenômenos indetectáveis (a memória da água), e portanto, impossíveis de serem comprovados ou refutados, bem como, os medicamentos homeopáticos apresentam eficácia que não supera aquela observada nos grupos de controle, tratados com placebo.


Outro tipo comum de terapia alternativa, muito presente em alguns produtos anunciados e vendidos nas portas das residências, são as propriedades eletromagnéticas. Quem nunca ouviu falar dos filtros de água com imantação e irradiação infravermelha, ou então os colchões com propriedades magnéticas? Segundo os anunciantes: "quando submetida a um campo magnético (ímãs), a água ganha uma nova organização molecular que facilita a absorção pelas células e, assim, elimina mais facilmente as toxinas do organismo"; ou então, no caso dos colchões: "o campo magnético ativa a corrente sanguínea e age como relaxante muscular"; ou ainda: "a ação do infravermelho sobre a água, dá a ela a capacidade de combater radicais livres e diminuir a acidez do organismo".


É fácil notar aqui a utilização exagerada de conceitos científicos de pouco domínio popular, bem como a atribuição de efeitos benéficos sem qualquer critério científico, como, por exemplo, associar campo magnético à organização molecular da água no estado líquido, sendo que esta apresenta uma estrutura molecular caótica que, mesmo que respondesse significativamente a um campo magnético, que teria de ser suficientemente intenso, como os utilizados em Ressonância Magnética Nuclear (RMN), ainda assim, esta organização não duraria sequer uma fração de segundo após o afastamento da água do campo magnético. Quanto à ação do campo magnético dos colchões sobre o sangue e os músculos, a alegada ação sobre o ferro, presente em quantidade significativa no sangue, não ocorre, uma vez que, na forma de íons dispersos no estado líquido, combinados com a hemoglobina, o ferro não responde a um campo magnético, bem como os músculos, apesar de responderem a impulsos elétricos, são inertes magneticamente.


Outra questão é atribuir propriedades fantásticas (como o controle da acidez) ao infravermelho, uma onda eletromagnética de baixa energia extremamente presente em nossa volta, tendo em vista que, todo corpo aquecido a emite abundantemente, e que tem como única ação sobre as moléculas de água, provocar movimentos vibracionais, que por sua vez, aumentam a energia cinética das moléculas, elevando levemente sua temperatura. Se for para esse fim, apenas aumentar a temperatura da água, as microondas de um forno seriam bem mais eficientes. Além disso, se o infravermelho tivesse poderes terapêuticos, certamente ninguém adoeceria, uma vez que somos fonte constante de emissão de infravermelho.


Mas o que falar da conhecida Terapia dos Cristais, que promete, entre outras coisas: "agir como amplificadora de energia, ajudando tanto a transmitir como absorver a energia positiva do exterior". O que diz a Ciência a respeito? Cristais em geral são óxidos ou sais metálicos ou não metálicos, mas podem ser também formados por elementos puros. Podem ser constituídos por ligações covalentes mais fortes, que os tornam mais resistentes e duros, ou por ligações iônicas ou de van der Waals mais fracas, que os tornam mais quebradiços e moles. Entretanto, os cristais óxidos ou salinos, justamente aqueles utilizados em terapias dos cristais, têm uma característica em comum, são péssimos condutores de eletricidade e não servem para induzir ou absorver qualquer outro tipo de energia do organismo humano que não seja a térmica (calor).


Por fim, o que a Ciência tem a dizer a respeito da Paranormalidade, que apesar de não ser uma terapia medicinal alternativa, tem espaço amplo de divulgação na mídia e apoia-se em fatos tidos como comprovações concretas de sua existência, alguns deles até relacionados a curas? A visão da Ciência a esse respeito é semelhante ao que concluiu o desafio de James Randy: depois de mais de uma década desafiando "paranormais" do mundo todo, nenhum dos muitos que tentaram, conseguiram obter sucesso. Na verdade, até hoje, nunca houve um ser humano sequer que conseguisse provar experimentalmente que apresenta poderes paranormais, sobrenaturais ou ocultos, provavelmente não por falta de interesse no prêmio ou na fama que conquistaria.


As conclusões da Ciência são que, independentemente se o poder paranormal envolve previsões do futuro, leitura de pensamentos, movimento de objetos com o poder da mente, levitações, contato com espíritos, cirurgias psíquicas, entre outros, ou não passam de truques reconhecidos facilmente por profissionais da área da mágica, ou carecem de interpretações mais críticas quando praticados por pessoas de boa fé, ou na pior das hipóteses, não passam de puro artifício para tomar dinheiro das pessoas, quando praticados por charlatães.


Sem dúvida há muita controvérsia envolvendo este tema e os outros abordados aqui neste texto. Vale ressaltar também que a Ciência não é a dona absoluta da verdade. Neste sentido, o principal objetivo desse artigo foi apenas orientar o leitor para que se torne crítico e não acredite em tudo o que prometem por aí, uma vez que há muito interesse comercial por trás de produtos e terapias alternativos, principalmente quando envolvem saúde.


JC e-mail 4501, de 21 de Maio de 2012.

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