Artigo publicado no Jornal da
Ciência pelo sociólogo Carlos José Saldanha, pesquisador em Saúde Pública da
Fundação Oswaldo Cruz e membro do Comitê de Assessoramento de Ciências
Ambientais do CNPq
Em um
momento da vida nacional de aceleração da degradação ambiental, desaceleração
econômica intensa, retração do investimento público e privado, rápida elevação
dos juros para além de patamares já proibitivos, escassez de novos empregos,
mudanças nos direitos trabalhistas e previdenciários e corte de verbas das instituições
de ensino e pesquisa superior (IES), faz-se necessário apresentar para a
sociedade uma síntese das principais atividades de uma categoria de trabalhador
insubstituível no processo de construção do desenvolvimento sustentável do
país, o pesquisador/professor.
Independente
do tipo de administração (pública ou privada), de missão institucional
(universidades federais, estaduais e municipais, centros universitários,
institutos, faculdades integradas, faculdades e escolas), de formação
educacional e de titulação dos pesquisadores/professores, do regime e das
condições materiais de trabalho em suas instituições, bem como dos traços
estruturais dos projetos desenvolvidos (em redes colaborativas, com ou sem
plataformas multiusuários e/ou multi-institucionais…), é possível sintetizar,
sem ser reducionista, o trabalho desenvolvido por homens e mulheres de ciências
e de tecnociências, agrupando em dez suas principais atividades, a saber:
Primeira:
capacitar recursos humanos (dar aulas na graduação e na pós-graduação, orientar
teses, dissertações, monografias e iniciar jovens ao mundo das ciências e das
tecnociências), porque o governo, a indústria, o comércio e as IES têm
demandado cada vez mais força de trabalho qualificada e especialistas com grau
universitário para poder alavancar a economia nacional.
Segunda:
construir, manter e atualizar a infraestrutura do local de trabalho, que pode
ser um laboratório e/ou uma sala de professor(a)/pesquisador(a) para o
desenvolvimento de projetos de pesquisa e formação de recursos humanos, porque
as tecnologias da informação e comunicação se desenvolvem com tal rapidez que
equipamentos, softwares e redes precisam ser atualizados em intervalos
de tempo cada vez mais curto.
Terceira:
organizar e gerir bases de dados para as pesquisas e das pesquisas, diante do
número de pessoas nelas envolvidas e o número de publicações que produzem em
velocidade crescente.
Quarta:
acompanhar, pari passo, o que fazem os colegas e/ou laboratórios e/ou
instituições concorrentes no desenvolvimento de temas de interesse restrito de
partes selecionadas de uma disciplina, porque, na prática das ciências e das
tecnociências, há pouco prêmio para a simples duplicação de conhecimentos
produzidos e segundo o que outros produziram: as ciências e a tecnociências,
para crescerem, avançarem na formulação de questões novas de pesquisa e
ampliarem os conhecimentos até então produzidos, fazem-no olhando para a
empiria, apoiadas nos ombros dos(as) colegas vivos(as) e mortos(as), nunca
ficando sentadas e descansando sobre esses ombros, por mais reconfortantes que
sejam.
Quinta: atender
às demandas dos setores da administração e da gestão da pesquisa e do ensino e
enfrentar a morosidade de processos de compra e/ou liberação alfandegária de
insumos básicos das atividades de P&D, o que gera perda de insumos e
atrasos nos cronogramas dos projetos e colaborações nacionais e internacionais,
obrigando o(a) pesquisador(a) a se envolver diretamente em tarefas burocráticas
de compras públicas alheias a sua formação educacional com vistas a encontrar
soluções que viabilizem o processo de produção de conhecimentos científicos
robustos e sua permanência no competitivo mundo internacional das ciências e
das tecnociências.
Sexta:
organizar e/ou participar de eventos técnico científicos, divulgando o
conhecimento produzido e atualizando suas informações sobre o que outros(as)
pesquisadores(as) e grupos de pesquisa estão fazendo sobre o(s) seu(s) tema(s)
de pesquisa(s).
Sétima:
produzir e publicar artigos científicos, capítulos de livros, trabalhos em
anais, relatórios de pesquisa, manuais técnicos, organizar livros e números
temáticos em revistas, porque um(a) pesquisador(a) improdutivo(a) não é
bem-aceito(a) pelos pares e pelas agências de fomento.
Oitava: fazer
divulgação científica, por meio da redação de textos escritos em uma linguagem
acessível ao grande público, através de publicações de cunho popular, do tipo
que é vendido em bancas de jornais a fim de tornar sua pesquisa conhecida, fora
do âmbito acadêmico, contribuindo para o cumprimento de uma das grandes
promessas da democracia contemporânea: a educação para a cidadania, apoiada em
políticas públicas saudáveis no âmbito local, capazes de promover o bem-estar
dos cidadãos e lhes dar o instrumental educacional para transformá-los em
agentes ativos do processo político e da gestão ambiental, em prol de uma
sociedade sustentável.
Nona:
participar de processos de avaliação ad hoc de projetos de pedido de
financiamento a agências de fomento e formação pós-graduada, obriga- tório para
quem tem bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq, e de artigos científicos
de revistas e livros de editoras em que fazem parte do comitê editorial ou são
convidados para tal.
Décima:
participar de reuniões colegiadas de instâncias de gestão e/ou administração da
pesquisa científica para não ficar à margem do processo decisório da política
científica local e arcar com as consequências negativas de decisões tomadas por
terceiros que incidem sobre o andamento e a realização de suas pesquisas.
Quase todas
essas dez atividades precisam ser desenvolvidas com base na integridade ética
da pesquisa e do ensino segundo as diretrizes estabelecidas pelas IES e/ou
pelas agências de fomento nacionais e internacionais, com a instituição local
de comitês de ética na pesquisa observando a adoção ou não dessa prática na
metodologia dos projetos de pesquisa.
Através
das atividades desses profissionais, fauna, flora, clima, solo, subsolo,
composição físico-química das águas, população humana e não humana, economia
etc., tornaram-se mais visíveis com os pesquisadores fixando o foco de suas
narrativas na leitura de resultados alfanuméricos alcançados. É o nosso olhar
instrumentalizado – para tornar translúcidos os elementos e suas inter-relações
que configuram a dinâmica dos modos de existência de todos os entes que
percebemos como sendo a natureza – que tem aguçado a nossa consciência da
situação em que se encontra a vida na sociedade brasileira e na Terra. Mulheres
e homens de ciências e de tecnociências que veem narrando as transformações da
sociedade brasileira e da Terra, com base em uma cultura epistêmica
transnacionalizada, agem de forma pró-ativa, e em número crescente, ao
participarem do debate público que se dá em um conjunto descentrado, plural e
complexo de conversações sobrepostas, ocorrendo em múltiplos e divergentes
lugares. As ciências e as tecnociências têm contribuído para a realização da
importante missão da democracia diante das formas contemporâneas de degradação
ambiental: desenhar instituições que capacitem os cidadãos não apenas a se
engajarem ativamente, de forma individual e/ou associativa, em questões que
afetam suas vidas mas, também, a fazerem julgamentos verossímeis sobre quando e
como se manterem combativos ou passivos.
Referência
bibliográfica:
MACHADO, C.J.S. Desenvolvimento
sustentável para o Antropoceno: um olhar panorâmico. Rio de Janeiro: E-papers,
2014.
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