Artigo de
Suzana Herculano Houzel*, publicado em seu blog
Ah,
as inconsistências do sistema de financiamento da ciência no Brasil. Meu
laboratório nunca esteve mais produtivo; nosso trabalho na PNAS, um de OITO publicados
em revistas internacionais este ano (e, aliás, o segundo na PNAS deste ano)
acabou de sair, com um baita reconhecimento mundo afora; e então... descubro
que nosso projeto de pesquisa não teve seus recursos renovados pelo CNPq para o
ano que vem. Veja bem: não foi pedido de auxílio novo, e sim de renovação de um
projeto super bem sucedido. O comunicado oficial diz que "sua proposta
(...) teve o seu mérito reconhecido. No entanto, na análise comparativa com as
demais propostas, o seu pedido não alcançou classificação que permitisse o
atendimento."
Pensei
em escrever para o CNPq para pedir reconsideração, mas depois que olhei a lista
de agraciados, estou quase mudando de ideia: no meu comitê de avaliação
(morfologia), foram agraciados TODOS nossos professores titulares no Instituto,
e mais dois ou três professores sêniors. Até aqui é "só" coincidência
entre titulação e aprovação. Mas aí começam as estórias de horror nada
científico no Facebook, como relatos de pesquisadores que têm seu projeto
repetidamente recusados sob seu próprio nome, MAS quando submetem o mesmo
projeto com o nome do chefe sênior, professor titular, diretor disto e
daquilo... o projeto miraculosamente é aprovado.
Aiai.
Se eu entrar com recurso e ganhar, daqui a três anos estarei novamente
competindo em pé de desigualdade com meus colegas titulares. Mas se eu não
entrar com recurso agora, concorro de novo ano que vem, quando eles não estarão
concorrendo, e quem sabe assim minhas chances de uma disputa mais justa, por
produtividade, serão maiores... É, fazer ciência no Brasil também tem dessas.
Que se dane a produtividade, se você não é a bola da vez.
O
irônico é que, enquanto o CNPq acha que o nosso projeto não é digno de ter seus
recursos renovados, a revista Science teve uma
repercussão tão grande em seu site da matéria que eles publicaram sobre nosso
artigo na PNAS que me convidou para participar do chat semanal deles esta
semana, na quinta-feira dia 8 de novembro, de 17:45 - 19:45 horário de
Brasília, em http://news.sciencemag.org/sciencelive/
Aliás,
tem sido realmente instrutivo ver a repercussão na mídia desse nosso trabalho.
Mundo afora, vários jornais comentaram, e o posdoc polonês no meu laboratório
diz que foi o assunto da semana passada por lá (ele deve estar exagerando um
pouco, mas de qualquer forma fico honradíssima). No Brasil, até a revista
Claudia vai fazer uma matéria a respeito. A Fundação James McDonnell, nos EUA,
nosso maior financiador, ficou felicíssima com a notícia. Mas os sites da
Faperj e do CNPq? Nem mencionaram o assunto. Não recebi qualquer contato de
jornalistas deles - que eu sei que existem, e recebem os mesmo press releases
que os jornalistas estrangeiros que me ligaram até no meio da noite deles para
conseguir uma entrevista, como foi o caso de uma estação de rádio na Nova
Zelândia.
Esta
tem sido minha "vingança", ou no mínimo meu consolo: eu tenho
reconhecimento... fora do meu país. No momento, por exemplo, estou em Cancun
com todas as despesas pagas pelo IBRO para dar um curso e uma de seis ou oito
palestras plenárias na reunião internacional da Federação de Sociedades de
Neurociência da América Latina. Ano que vem dou palestra em uma reunião em
Cambridge, e serei uma de seis palestrantes convidados, também com tudo pago,
na Reunião Europeia sobre Glia, em Berlin.
Ou seja: os estrangeiros me
chamam para representar nossa ciência lá fora - mas o CNPq não acha que meu
projeto é prioritário o suficiente para merecer continuar sendo financiado.
Então tá. Meu marido, que é americano, está começando a me perguntar "por
que mesmo você ainda trabalha no Brasil???" Vamos ver quanto tempo eu
duro...
*Suzana Herculano Houzel é neurocientista e pesquisadora no
Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ
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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
O CNPq não acha meu trabalho digno de financiamento!
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