Por Murilo Sérgio da Silva Julião
Fazer uma dieta baseada em alimentos
crus pode se tornar uma receita para o desastre, se você estiver pensando em aumentar
a força do cérebro de sua espécie. Isto porque os seres humanos teriam que
gastar mais de 9 horas por dia se alimentando somente de alimentos não processados
(in natura) a fim de obter energia em quantidade suficiente para sustentar nossos
grandes cérebros, de acordo com um novo estudo publicado na revista Proceedings of the
National Academy of Sciencesa (PNAS) que calculou o custo energético gasto no crescimento
de um cérebro enorme ou do corpo dos primatas. Entretanto, nossos antepassados conseguiram
obter energia suficiente para fazer com que os cérebros deles apresentassem
três vezes mais neurônios do que primatas como: gorilas, chimpanzés e
orangotangos. Como eles fizeram isso? Eles cozinhavam, de acordo com o estudo
publicado na PNAS hoje on-line nos Anais da Academia Nacional de Ciências.
"Se você comer apenas alimentos crus, um dia de 24
horas não será suficiente para se obter a quantidade de calorias necessária a
fim de desenvolver um cérebro tão grande", afirma Suzana Herculano Houzel,
neurocientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, coautora do trabalho.
"Podemos obter mais neurônios, graças ao ato de cozer."
Os seres humanos têm mais neurônios no cérebro do que
qualquer outro primata – aproximadamente 86 bilhões, em média, em comparação
com os cerca de 33 bilhões de neurônios em gorilas e 28 bilhões em chimpanzés. Para
termos essa quantidade extra de neurônios que nos dota de muitos benefícios, necessitamos
pagar um preço, uma vez que nosso cérebro consome 20% de toda a energia do corpo,
quando em repouso, em comparação com os 9% em outros primatas. Então, uma
pergunta que tem sido feita ao longo do tempo é: de onde os nossos ancestrais
obtinham energia extra para expandir as mentes e como estas evoluíram a partir
de animais com cérebros e corpos do tamanho dos chimpanzés?
Uma resposta veio no final da década de 1990, quando o primatologista
Richard Wrangham da Universidade de Harvard, propôs que o cérebro começou a
expandir-se rapidamente a cerca de 1,8 milhões de anos atrás no nosso
antepassado, o Homo erectus, pois este ser humano aprendeu muito cedo a
assar carne e vegetais de raízes tuberosas sobre fogueiras. Cozinhando, pré-digerimos
efetivamente os alimentos, tornando mais fácil e eficiente para os nossos
intestinos absorverem calorias mais rapidamente, Wrangham afirmou em seu
trabalho. Desde então, o seu grupo de colaboradores tem mostrado em estudos com
cobaias de laboratório, como roedores e jiboias que estes animais crescem mais
rápido e se tornam maiores quando comem carne cozida em vez de carne crua e que
é necessário menos energia para digerir carne cozida do que carne crua.
Em um novo teste desta hipótese do cozimento de alimentos,
Herculano Houzel e sua estudante de graduação, Karina Fonseca Azevedo, neurocientista
do Instituto Nacional de Neurociência Translacional, em São Paulo, decidiram observar
se uma dieta de alimentos crus inerentemente poriam limites no crescimento do
cérebro ou corpo de um primata. Primeiro, elas contaram o número de neurônios
nos cérebros de 13 espécies de primatas (e mais de 30 espécies de mamíferos). As
pesquisadoras descobriram duas coisas: (i) que o tamanho do cérebro está
diretamente ligado ao número de neurônios num cérebro e (ii) que o número de
neurônios está diretamente correlacionado com a quantidade de energia (ou
calorias) necessária para alimentar um cérebro.
Após o ajuste para a massa corporal, elas calcularam
quantas horas por dia vários primatas levariam para ingerir calorias de
alimentos crus suficientes para abastecer seus cérebros. Elas descobriram que
levariam 8,8 horas para os gorilas; 7,8 horas os orangotangos; 7,3 horas para
os chimpanzés e 9,3 horas para a nossa espécie, H. sapiens.
Esses números mostram que há um limite superior para a
quantidade de energia que os primatas precisam obter a partir de uma dieta de alimentos
crus, disse Herculano-Houzel. A dieta dos macacos na natureza difere de uma dieta
moderna "baseada em alimentos crus", na qual os seres humanos obtêm
calorias suficientes a partir do processamento de alimentos crus em
liquidificador, acrescidos de proteínas e outros nutrientes. Na natureza, outros
macacos não puderam evoluir o tamanho dos cérebros, a menos que reduzissem o
tamanho de seu corpo pois não poderiam passar o limite de quantas calorias poderiam
consumir em 7 horas para 8 horas de alimentação por dia. Mas os seres humanos,
diz ela, ficaram em torno daquele limite, pelo cozimento. "A razão pela
qual temos mais neurônios do que qualquer outro animal vivo é que o cozimento dos
alimentos permitiu esta mudança qualitativa – esta etapa proporcionou o aumento
do tamanho do cérebro", disse ela. "Ao cozinhar, conseguimos
contornar a limitação do quanto se pode comer em um dia".
Mas para Herculano Houzel, nossos cérebros ainda seriam
do tamanho de um macaco caso o Homo erectus não tivesse brincado com fogo:
"Quanto mais eu penso sobre isso, mais eu me curvo a minha cozinha. O fogo
é a razão de estarmos aqui."
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