Princípio básico de sensor biológico para identificar pesticida altamente tóxico em água e alimentos também deu origem a um teste rápido de dengue (IFSC/USP)
21/08/2013
Por Elton Alisson
Desenvolvido
no âmbito do Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (INEO) – um dos INCTs apoiados pela FAPESP e pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no Estado
de São Paulo –, o sensor pode ser adaptado para detecção de outros tipos de
pesticidas, afirmam os pesquisadores. O princípio básico do dispositivo também
deu origem a um possível novo teste rápido para detecção de infecção pelo vírus
da dengue.
“Escolhemos
o metamidofós para ser detectado pelo sensor porque, apesar de já ter sido
banido em diversos países, há indícios do uso desse pesticida, extremamente
tóxico, sobretudo no Estado do Mato Grosso”, disse Nirton Cristi Silva Vieira,
pós-doutorando no IFSC e um dos orientadores do projeto do biossensor de
pesticida e do teste rápido de dengue, à Agência FAPESP.
Vieira
conta que o metamidofós é utilizado principalmente em lavouras de soja para
matar lagartas e percevejos que atacam a oleaginosa. O pesticida penetra
facilmente o solo e os lençóis freáticos e, ao contaminar a água e os
alimentos, atua no sistema nervoso central dos seres vivos, inibindo a
ação da acetilcolinesterase – enzima que promove as ligações (sinapses) dos neurônios.
Nos
humanos, além de ser prejudicial para as funções neurológicas, o metamidofós
também pode causar danos nos sistemas imunológico, reprodutor e endócrino e
levar à morte.
Em conjunto com Francisco Eduardo
Gontijo Guimarães, professor do IFSC e orientador de sua pesquisa de doutorado,
Vieira orientou Izabela Gutierrez de Arruda, durante o seu mestrado na UFMT, a
desenvolver um teste rápido e portátil para detectar a presença de metamidofós
utilizando a própria enzima acetilcolinesterase.
Para
isso, os pesquisadores desenvolveram um sensor de pH, que mede prótons (íons H+),
constituído por uma lâmina de vidro – composta por camadas de óxido de silício
em escala nanométrica (da bilionésima parte do metro) –, na qual a
acetilcolinesterase é imobilizada, mantendo alta atividade.
Ao
colocar o sensor em uma solução – como extrato de soja ou de tomate – contendo
pequenas concentrações de metamidofós –, a atividade da acetilcolinesterase é
inibida e a enzima produz menos prótons do que produziria se não estivesse na
presença do pesticida.
Essa
diferença da quantidade de prótons produzidos pela enzima presente no sensor,
quando exposta a diferentes concentrações do pesticida, é medida por meio de um
pequeno aparelho, também desenvolvido pelos pesquisadores, no qual a película
sensora é introduzida.
Semelhante
a um medidor de glicose utilizado por diabéticos, o aparelho indica o nível de
atividade da enzima e, consequentemente, o índice de contaminação por
metamidofós da amostra analisada, com base em padrões de tensão medidos pelos
pesquisadores com diferentes concentrações de acetilcolina – substância que
atua como neurotransmissor e com a qual o pesticida se assemelha muito.
“À
medida que introduzimos o sensor em soluções com diferentes concentrações de
pesticida, a atividade da acetilcolinesterase (medida em termos de diferença de
potencial) variava e conseguimos quantificá-la”, explicou Vieira.
Outras
aplicações
De
acordo com Vieira, o sensor pode ser adaptado para detectar outras categorias
de pesticidas das classes dos carbamatos e dos organofosforados – à qual
pertence o metamidofós –, que também inibem a ação da acetilcolinesterase.
Para
isso, no entanto, seria preciso medir a atividade da enzima em diferentes
concentrações de cada pesticida especificamente, de modo que o sinal de um não
mascare o do outro.
“O
padrão de sinal elétrico em outras categorias de pesticidas pode variar, porque
o mecanismo de inibição da ação da acetilcolinesterase para cada um deles é
diferente. Por isso, seria preciso recalibrar o sensor para também poder
detectá-los”, disse Vieira.
Segundo
o pesquisador, o biossensor já despertou o interesse de fabricação e
comercialização de uma empresa de biotecnologia de Minas Gerais. O custo
estimado do aparelho – incluindo o sensor e o medidor – deverá ser entre R$ 100
e R$ 200 a unidade.
O
componente que mais encarece o produto hoje, segundo os pesquisadores, é a
acetilcolinesterase. Para tentar substituí-la, eles iniciarão nos próximos
meses um processo com o intuito de tentar obter de frutas – como o abacate e a
banana – um outro tipo de enzima com propriedades semelhantes às da
acetilcolinesterase.
“Compramos
hoje a enzima purificada, que é bem cara. A ideia é obter de frutas o extrato
bruto de uma enzima com atividade semelhante à da acetilcolinesterase para ser
utilizada em medições de concentrações de pesticidas”, disse Vieira.
Atualmente,
de acordo com os pesquisadores, as análises de contaminação por pesticidas no
Estado de Mato Grosso são enviadas para São Paulo ou Rio de Janeiro e levam
dias para serem processadas.
Por
meio do biossensor, será possível diminuir o custo e tempo de obtenção dos
resultados para poucos minutos, ressaltam os pesquisadores. “Para analisar
amostra de solo contaminado, por exemplo, basta misturá-lo com água para
decantar a terra, deixar o sensor imerso por 15 minutos na solução contendo o
pesticida dissolvido e colocá-lo no medidor para obter o índice de
contaminação”, exemplificou Vieira.
A
ideia do desenvolvimento do sensor – surgida durante um encontro entre os
pesquisadores do IFSC com colegas da UFMT no INEO – resultou na primeira
patente depositada pela universidade mato-grossense nos 40 anos de existência
da instituição.
“Em
uma das reuniões anuais do INEO entramos em contato com um grupo
pesquisadores da UFMT que tinha a ideia de desenvolver um sensor de pesticida
pelo fato de Mato Grosso ser o Estado que mais produz grãos no país atualmente
e se usar muito metamidofós nas lavouras”, contou Guimarães.
“Na
época, Vieira estava pesquisando exatamente sobre biossensores e decidimos
iniciar uma colaboração com o grupo da UFMT – liderado pelo professor Romildo
Jerônimo Ramos – para desenvolver esse biossensor de pesticida”, disse.
Detecção
da dengue
Em
seu atual pós-doutorado, Vieira pretende desenvolver biossensores que, em vez
de enzimas, como a usada no biossensor de metamidofós, utilizem anticorpos para
detecção de proteínas marcadoras de contaminação pelo vírus da dengue e de
início de infarto agudo do miocárdio.
Em
parceria com uma empresa brasileira de biotecnologia, Vieira desenvolveu – com
a estudante de mestrado no IFSC Alessandra Figueiredo e o
professor Guimarães – um sistema que detecta a proteína NS1 secretada pelo
vírus da dengue nos primeiros dias de infecção. “Essa proteína marca a presença
do vírus da dengue e, consequentemente, o início da infecção”, disse.
De
acordo com ele, a maioria dos sensores existentes hoje voltados a detectar a
infecção pelo vírus da dengue faz isso de forma indireta, por meio de um
anticorpo imobilizado que se liga à proteína NS1 e necessita de um anticorpo
secundário, geralmente marcado com outras moléculas.
Com
base no mesmo princípio do biossensor para detecção de metamidofós, os
pesquisadores desenvolveram um sensor que promete detectar de forma direta e
com maior precisão a proteína NS1. “O sensor para detecção de infecção da
dengue está em processo de patenteamento. Nós ainda não chegamos a um produto
final”, disse Vieira.
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