Pesquisa feita na Unifesp avalia nível de toxicidade
neurológica de metais associados ao Alzheimer e Parkinson (Wikimedia)
02/09/2013
Por Elton Alisson
Agência
FAPESP – A exposição crônica a metais como o manganês e o
alumínio pode contribuir para o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas
como Parkinson e Alzheimer, indicam diversas pesquisas realizadas em diferentes
países, incluindo o Brasil.
Agora, um estudo realizado no
Laboratório de Bio-Inorgânica e Toxicologia Ambiental (Labita), do Instituto de
Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF) da Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp), apontou que a forma química desses metais pode
influenciar de forma direta e de modos diferentes o nível de toxicidade
neurológica (neurotoxicidade) que exercem em animais e humanos.
Desenvolvido em colaboração com
pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto de Pesquisas
Biomédicas de Barcelona, na Espanha, e do Centro de Pesquisa e Associação de
Pesquisa Ambiental de Leipzig (UFZ), na Alemanha, o trabalho foi conduzido no
âmbito de um projeto de pesquisa, apoiado pela FAPESP.
Alguns
resultados relacionados ao alumínio – que fazem parte do trabalho de mestrado
de Pollyana Ferreira de Carvalho – foram apresentados durante o 2º Encontro
Ibero-Americano de Toxicologia e Saúde Ambiental, realizado em junho, em
Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. O trabalho foi premiado pela editora
inglesa Taylor & Francis, que publica livros na área de toxicologia.
“Identificamos
que a especiação [forma] química do manganês e do alumínio pode
influenciar diretamente os efeitos neurotóxicos provocados por esses metais em
animais e humanos”, disse Raúl Bonne Hernández, professor do ICAQF e
coordenador do projeto, à Agência FAPESP.
De
acordo com o pesquisador, estudos já indicavam que a exposição crônica ao
manganês e ao alumínio promovia alterações no metabolismo energético animal e
humano e contribuía para diminuição das capacidades cognitiva e motora.
Por
meio de estudos com o peixe-zebra (Danio rerio) – espécie de peixe cujo
genoma é quase 70% semelhante ao humano –, os pesquisadores confirmaram essas
hipóteses e observaram, além disso, que o manganês e o alumínio promovem
diferentes efeitos neurotóxicos no animal de acordo com a ligação ou não com outros
elementos químicos.
Com
relação ao alumínio, os cientistas constataram que o metal nas formas de
aquohidroxocomplexo (ligado a moléculas de água ou hidroxila) e polimérica
parece ser mais tóxico para o peixe-zebra do que o metal solúvel e ligado aos
sais citrato e tartarato, por exemplo, usados como conservantes de alimentos.
Após
expor peixes-zebra ao metal entre duas e 122 horas após a fertilização, as
larvas apresentaram redução do batimento cardíaco e alterações nos movimentos
corporais espontâneos ou estimulados.
“Esses
resultados, de forma conjunta, apontam para uma confirmação parcial das nossas
hipóteses de que a forma química do alumínio e do manganês influencia o nível
de neurotoxicidade em animais e humanos”, disse Hernández.
Segundo
ele, por muito tempo se pensou que o alumínio era um elemento inócuo. Por isso,
ao longo dos anos uma série de alimentos e bebidas foi envasada em embalagens
enlatadas feitas com o metal.
O
que se descobriu mais recentemente, no entanto, é que ingredientes usados para
conservar os alimentos e bebidas nesse tipo de embalagem – como citratos e
tartaratos – são capazes de solubilizar pequenas frações de alumínio.
“Essas
pequenas frações do metal solubilizadas por citratos e tartaratos podem
influenciar eventos relacionados à exposição ao alumínio pela via alimentar,
embora sejam considerados eventos não agudos”, afirmou Hernández.
Manganês
Já
ao expor peixes-zebra em diferentes estágios de desenvolvimento a diversas
misturas de manganês com outros elementos químicos, os pesquisadores
constataram que o manganês causou mais efeitos tóxicos e induziu mais
alterações neurocognitivas e locomotoras no animal na presença de citrato do
que em sua forma pura.
“Esses
resultados contrariam modelos preditivos de toxicidade de metais, que sugerem
que espécies não complexadas [sem ligantes] são mais tóxicas”, disse
Hernández.
“Por
outro lado, corroboram outros estudos internacionais com cultura primária de
neurônios de cerebelo de camundongos publicados por diferentes grupos de pesquisa
– inclusive o nosso –, que sugerem que uma molécula fisiológica, como o
citrato, pode facilitar ainda mais o transporte e a passagem do metal pela
barreira hematoencefálica do que outros ligantes químicos, como o pirofosfato,
causando efeitos neurotoxicológicos em neurônios glutamatérgicos [que
utilizam o glutamato como neurotransmissor]”, disse Hernández.
Algumas
das principais alterações promovidas pelo manganês ligado ao citrato no
cerebelo do animal podem estar associadas à disfunção em vias de síntese de
proteínas como a do grupo beta-amiloide – que se acumulam e formam placas nas
regiões do cérebro responsáveis pela memória e a linguagem em pacientes com
Alzheimer – e de outros metabólitos alterados em pacientes com a doença de
Parkinson.
Por
meio de estudos de expressão gênica, os pesquisadores observaram que os genes
mitocondriais mt-co1 (relacionado a processos de oxirredução, transporte de
metais e reposta à exposição a elementos químicos) e hspb11 (ligado à resposta
a eventos de estresse) dos peixes-zebra expostos ao manganês na presença de
citrato foram desregulados.
Como
esses genes também estão presentes no genoma humano, os pesquisadores estimam
que vias moleculares similares dos seres humanos podem ser afetadas pela
exposição ao manganês.
“Os
resultados encontrados em peixes-zebra poderão nos ajudar a compreender melhor
o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas e aprimorar tanto os estudos
que estão sendo desenvolvidos em humanos como em animais, reduzindo o tempo e a
quantidade de camundongos utilizados nas pesquisas”, disse Hernández.
“Uma
vez que o genoma do peixe-zebra tem quase 60% de semelhança com o de
camundongos, ele pode substituí-los em estudos com animais”, afirmou.
Casos
de exposição
Como
o manganês é um elemento essencial para os seres humanos, especialmente durante
o desenvolvimento, achava-se que os limites de exposição a esse metal poderiam
ser um pouco mais altos que os estabelecidos hoje. Com isso, a exposição aguda
e crônica pelo ar ao metal na forma de material particulado recebeu maior
atenção do que pela ingestão de alimentos ou de água.
Trabalhadores
dos setores de siderurgia e de mineração eram considerados alguns dos poucos
grupos humanos vulneráveis à exposição ao manganês, ao trabalhar em áreas mais
propensas ao contato direto com ar contaminado com partículas do metal.
A
Organização Mundial da Saúde (OMS) tem, no entanto, chamado a atenção nos
últimos anos para o fato de que há vários lugares no planeta – incluindo países
desenvolvidos e em desenvolvimento – onde se observa diminuição na capacidade
cognitiva de crianças expostas a grandes concentrações de manganês na água e no
ar, principalmente em áreas de mineração, ressaltou o pesquisador.
“Hoje
são observados casos de exposição ao manganês em regiões de desenvolvimento
econômico muito baixo, como Bangladesh, e em regiões mais
desenvolvidas, na China e no Canadá, onde há relatos de grupos
populacionais que consomem água com níveis de manganês em concentrações
permitidas pela legislação ambiental do país, mas que apresentaram problemas de
diminuição das capacidades cognitiva e motora”, contou.
No
Brasil, segundo Hernández, estudos epidemiológicos realizados entre 2000 e 2011
também apontaram casos de crianças e mulheres grávidas no município de Simões
Filho, na Bahia, onde há atividade de mineração, que apresentam alterações
neurocomportamentais pela exposição crônica ao manganês na forma de material
particulado no ar em concentrações também consideradas seguras por órgãos como
a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos e da União Europeia.
Um
dos fatores que contribuíram para esse problema, segundo o pesquisador, é que
os valores de exposição ao metal considerados seguros foram estimados,
majoritariamente, com base em dados epidemiológicos de adultos expostos
ocupacionalmente – como os trabalhadores dos setores siderúrgico e de mineração
– e foram extrapolados para crianças.
“Isso
sinaliza a necessidade de mais estudos em modelos animais durante seu
desenvolvimento e a integração dos resultados dessas pesquisas com avaliações
epidemiológicas”, disse Hernández.
Como
a exposição aguda e crônica a esses metais e a diversos poluentes se inicia já
nos primeiros anos de vida – principalmente nos centros urbanos, por
concentrar uma maior atividade industrial –, os pesquisadores pretendem
avaliar também, por meio de estudos com peixe-zebra, se a exposição ambiental
precoce ao manganês e ao alumínio pode programar algumas características de
doenças neurodegenerativas que só são identificados clinicamente em humanos
muitos anos depois, já na idade adulta.
“Queremos
estudar o que ocorre quando o animal é exposto ao alumínio e manganês em
diferentes estágios de seu desenvolvimento e se a exposição prolongada a esses
metais em baixas concentrações pode causar os mesmos efeitos neurológicos
provocados pela exposição aguda”, disse Hernández.
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