Por Lilian Cristina Monteiro
França* para o Jornal da Ciência
Não existe pesquisa sem revisão de
literatura e referencial teórico. Em um momento em que o fluxo de comunicação
se acelera e a Internet disponibiliza uma vasta gama de artigos científicos,
escritos sob as mais variadas perspectivas, orientações e matizes teóricos, uma
nova barreira se apresenta.
Se, antes da rede das redes, o acesso
à produção acadêmica envolvia o deslocamento até as grandes bibliotecas e a
seus acervos de livros, revistas científicas, teses, dissertações e
monografias, demandando recursos consideráveis para o transporte/alojamento,
hoje, a cobrança por acesso a conteúdo (paywall systems) vai surgindo
como nova preocupação, mais uma vez segmentando o acesso ao conhecimento.
Um pesquisador que deseje ler o artigo
"n-3 fatty acids and lipoproteins: Comparison of results from human and
animal studies", de William S. Harris, deve "comprar o artigo"
por $39,95 (USD); aquele que quiser estudar as mudanças no jornalismo
contemporâneo poderia, por exemplo, selecionar os artigos, "Dumbing
down or shaping up: New technologies, new media, new journalism",
"Journalism in a state of flux: Journalists as agents of technology
innovation and emerging news practices", "New media and
journalism practice in Africa: An agenda for research", "Coming to
Terms with Convergence Journalism: Cross-Media as a Theoretical and Analytical
Concept", "US Foreign Correspondents: Changes and Continuity at the
Turn of the Century", e teria em seu "carrinho de compras" a
quantia de $125 (USD), $25 (USD), pelo acesso a cada um dos cinco artigos.
Mas se o preço parece alto, existem
alternativas, é possível alugar um artigo científico por 24h com valores que
oscilam entre $1,99 (USD) e $12 (USD) ou optar pela compra de pacotes que dão
direito à leitura de um determinado número de artigos por um preço mais baixo,
por $9,99 (USD) ou $19,99 (USD) a depender da área.
Nesse shopping de artigos, a lei da
oferta e da procura também funciona, artigos mais procurados têm valor mais
elevado, assim como autores mais conceituados. Como determinam as estratégias
de marketing, lançamentos são mais caros e artigos com mais de dois anos sofrem
deflação, alguns chegam, mesmo, a entrar no espaço de liquidação, antes de
serem liberados para os espaços de acesso gratuito. Grandes portais oferecem
planos individuais e institucionais e descontos especiais para quem quiser
voltar a ser assinante.
No site da DeepDyve-Search, Rent,
Readé possível arrendar40 artigos por $40 (USD) por mês, com a vantagem
(sic) de poder manter os artigos alugados não utilizados nos meses seguintes
("Unused rentals get rolled over", afirma o site). O site promete
também varrer a DeepWeb, zona não indexada da Internet, onde
supostamente se encontram artigos e pesquisas raros além dos chamados materiais
proibidos (como manuais terroristas, pornografia, tráfico de pessoas e drogas,
entre outros) e que merece a constante vigilância dos serviços de informação.
Em resumo, o DeepDyve protege (sic) o usuário que não precisa se
arriscar a mergulhar nas águas turvas da "web invisível".
Ironias à parte, o mercado de artigos
científicos vem se tornando cada vez mais rentável. Duas das maiores editoras
de artigos científicos elevaram os preços de suas assinaturas on-line em
mais de 145% nos últimos seis anos.
A crise promovida pelos paywall
systems não atinge apenas os pesquisadores individuais. Recentemente, a
universidade de Harvard publicou uma nota informando que não pode mais arcar
com o custo da assinatura de revistas e portais científicos (cerca de 3,5
milhões de dólares por ano) e recomendou que seus pesquisadores passassem a publicar
seus artigos em plataformas de acesso livre. Robert Darnton, diretor da Harvard
Library, em entrevista ao jornalThe Guardian, disse que o custo da
assinatura de uma revista científica, como o The Journal of Comparative
Neurology equivale ao custo de produção de 300 monografias (ver http://www.theguardian.com/science/2012/apr/24/harvard-university-journal-publishers-prices).
Um movimento chamado "primavera
acadêmica", uma analogia à chamada "Primavera Árabe",
capitaneado pelo matemático e pesquisador de Cambridge, Tim Gowers, prega um
boicote à principal editora de publicações científicas, a Elsevier. O
movimento conta com um site, o The Coast of Knowledge (http://thecostofknowledge.com/), em que os pesquisadores
podem declarar o seu boicote e optar por publicar apenas em plataformas de
acesso livre. O grupo também se recusa a atuar como parecerista para qualquer
tipo de publicação que cobre por acesso, numa estratégia que pode desmontar os
sistemas baseados na avaliação do tipo peer reviewed.
As três maiores editoras da área, Elsevier,
Springer e Wiley, detêm mais de 20.000 publicações científicas e
representam 42% de todos os artigos publicados no mundo e o lucro das três
somam alguns bilhões de dólares.
Submeter artigos para a publicação em
alguns periódicos também implica no pagamento de taxas. A pressão para que os
pesquisadores tenham seus trabalhos publicados abriu um novo nicho de mercado;
o preço para publicar artigos em algumas revistas chega a $5.000 (USD), como é
o caso da revista Cell Report, que destaca: "To provide open
access, expenses are offset by a publication fee of $5000 (USD) that allows Cell
Reports to support itself in a fully sustainable way. This publication charge is
the only fee that authors pay" (grifo meu). O valor da taxa é superior à maior parte dos salários mensais pagos a
professores universitários no Brasil. A Cell Report não cobra pelo
acesso aos artigos, inserindo-se no rol das publicações do tipo open acess.
Algumas publicações exigem pagamento
mesmo para artigos que forem rejeitados, sob o argumento de que os pareceristas
são remunerados para fazer a avaliação dos artigos. A remuneração varia, em
média, entre $32 e $400 (USD), para cada artigo avaliado.
De todo modo, as contas não fecham. Os
custos com impressão emoffset não se justificam numa era em as
publicações são majoritariamente baixadas pela web, os custos administrativos
alegados e com os pareceristas também não justificam o fato de um artigo de
vinte páginas custarem quase o dobro de um livro de cem páginas. Se a lógica
fosse essa, as editoras já teriam fechado as suas portas.
O chamado "fator impacto"
determina o "preço do prestígio", fazendo com que os pesquisadores
invistam no pagamento para publicar, ameaçados pela pressão do "publicar
ou perecer". Recentemente, quatro periódicos brasileiros foram punidos
pela Thomson Reuters e suspensos do ranking por um ano, em virtude da
aplicação de um algoritmo que fazia elevar o "fator de impacto"
através do aumento do número de citações, fator este que é considerado nas
avaliações de jornais científicos.
Em uma era marcada pela Web 2.0 e sua
perspectiva de produção colaborativa, o mundo acadêmico parece sucumbir à
lógica capitalista do lucro, monetizando a ciência e a produção do
conhecimento.
*Lilian
Cristina Monteiro França é professora/doutora do Departamento de Comunicação
Social da Universidade Federal de Sergipe (DCOS/UFS).
Fonte:
Jornal da Ciência
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