Nova espécie encontrada em depósitos de 370 milhões de
anos na Bélgica é tema da coluna de Alexander Kellner deste mês. Embora não
esteja bem preservado, o fóssil pode ajudar na compreensão dos estágios
iniciais da ocupação dos ambientes terrestres.
Fóssil de ‘Strudiella devonica’, inseto que media 8
milímetros de comprimento e viveu há 370 milhões de anos. Seu registro na rocha
se assemelha a um ‘borrão’ de coloração escura. (foto: Nel et al)
Mas
justamente o contexto geológico faz com que esse material seja considerado um
dos principais achados dos últimos anos para o entendimento de como ocorreu a
evolução dos insetos e o seu subsequente domínio dos ambientes terrestres. Não
é à toa que o trabalho realizado por Romain Garrouste, do Museu Nacional de
História Natural de Paris (França), e colaboradores foi recentemente publicado
com destaque na prestigiosa Nature.
O
único exemplar conhecido de Strudiella devonica tem 8 milímetros de
comprimento – menos da metade de uma moeda de 10 centavos! É procedente de
camadas encontradas na localidade conhecida como Strud, situada na província de
Namur, no sul da Bélgica. Esse depósito foi formado há aproximadamente 370
milhões de anos e compreende a parte superior do período geológico denominado
Devoniano, também conhecido como ‘idade dos peixes’ e no qual surgiram os
primeiros tubarões.
O
único exemplar conhecido de Strudiella devonica tem 8 milímetros de
comprimento – menos da metade de uma moeda de 10 centavos!
Apesar
de a maior parte da diversidade da vida se concentrar nos mares durante o
Devoniano, foi nesse período que ocorreu uma rápida colonização dos ambientes
terrestres pelas plantas – em especial, as samambaias –, que formaram extensas
florestas. Também nesse período se deu o início da ocupação da terra pelos
animais, tanto vertebrados como invertebrados.
Os
depósitos de Strud são muito bem conhecidos na literatura científica pela
ocorrência de diversos exemplares de tetrápodes (animais com quatro patas)
basais. O exemplar de Strudiella foi descoberto em camadas de um
antigo lago de água doce que abrigava, além de restos de plantas, diversos
crustáceos e artrópodes, como os euriptéridos, popularmente conhecidos como
escorpiões-marinhos, embora não tenham qualquer parentesco com os escorpiões
atuais.
Apesar
do diminuto tamanho, pode-se reconhecer em Strudiella uma região
torácica separando a cabeça e o abdômen. Também podem ser identificados três
pares de pernas, uma das principais características do grupo Hexapoda, que
inclui os insetos (grupo de animais mais diversificado de todos os tempos).
Desenho
interpretativo de 'Strudiella devonica', em que é possível observar cabeça,
tórax e abdômen separados, característica que, juntamente com a presença de
três pares de patas, indica tratar-se de um hexápode. (ilustração: Nel et al/
Nature)
O
exemplar também apresenta um par de antenas, olhos grandes e uma mandíbula,
que, segundo Romain Garrouste e colaboradores, indica uma forma onívora. Não
foram encontrados restos de asas, o que levou os pesquisadores a classificar o
único exemplar encontrado como uma ninfa. Ou seja, o indivíduo ainda não havia
completado a sua metamorfose e, desse modo, não sabemos como era a aparência do
animal adulto.
Fechando
a lacuna
O
nosso conhecimento a respeito da evolução dos insetos é necessariamente
restrito ao registro fossilífero – como acontece, aliás, com qualquer outro
grupo. O grande problema em relação aos insetos é que, pelo fato de eles serem
bastante frágeis, sua preservação nas rochas é compreensivelmente mais difícil.
De
acordo com os fósseis, sabemos que os insetos se originaram entre 425 milhões e
385 milhões de anos. Depois, sabe-se que houve uma diversificação durante o
período Carbonífero, mais especificamente há 325 milhões de anos, quando o
registro fossilífero apresenta uma variedade muito grande de formas e aponta o
surgimento de vários grupos.
Entre
385 milhões e 325 milhões de anos atrás, existia uma lacuna em que praticamente
não se encontrou qualquer registro de insetos nas rochas. Por isso, o achado de
Strudiella devonica é realmente fantástico: embora o exemplar não
esteja bem preservado, ele diminui esse intervalo para 45 milhões de anos.
A
identificação desse pequeno exemplar levou os autores a sugerir que a
diversificação dos insetos deve ter sido mais antiga do que se supõe
Outro
ponto interessante é que a justificativa usada para o fato de não haver
registros de insetos em depósitos formados entre 385 milhões e 325 milhões de
anos atrás era a quantidade relativamente restrita de oxigênio na atmosfera
terrestre reinante durante aqueles tempos, o que resultaria em uma baixa
variedade de espécies.
Mas a
identificação desse pequeno exemplar levou os autores a sugerir que a
diversificação dos insetos deve ter sido mais antiga do que se supõe, hipótese
que poderá ser comprovada apenas com novas descobertas. Possivelmente, a
ausência de fósseis do grupo nesse período seria o que se chama de artefato
tafonômico, ou seja, uma questão de não terem sido encontrados depósitos que
apresentassem as condições necessárias para a preservação de animais tão
frágeis como os insetos.
Seja
como for, a descoberta desse único indivíduo de Strudiella devonica,
além de abrir a possibilidade de novos achados, claramente demonstra que nem
sempre os fósseis mais importantes são os que estão mais bem preservados. Às
vezes, são os pequenos registros que nos fornecem grandes resultados.
Levando-se
em conta as últimas notícias, vale dizer: nada como um dia após o outro na vida
de um paleontólogo...
Alexander
Kellner
Museu
Nacional/UFRJ
Academia
Brasileira de Ciências
Ciência Hoje On-line, Publicado em 13/08/2012 |
Atualizado em 13/08/2012.
Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia (clique nos links sublinhados para mais
detalhes)
1) Vincent Balter (Laboratoire de Géologie de Lyon,
França) e colegas aumentam a controvérsia a respeito da alimentação dos
primeiros hominídeos. Uma das teorias que procuram explicar o sucesso do gênero
Homo em se tornar o grupo de hominídeos dominante no planeta baseia-se
na concepção de que esse gênero teria uma dieta alimentar mais variada do que a
dos demais e estaria, portanto, mais bem adaptado a mudanças ambientais. No
entanto, ao realizar análises isotópicas em dentes de espécies extintas, o novo
estudo, publicado na Nature,
determinou que, ao contrário do que se pensava, a dieta de Australopithecus
– um parente mais distante do homem moderno – era mais variada que a de Homo.
2) Roger Benson (University of Cambridge, Inglaterra)
e colegas publicaram na PLoS One
uma revisão do registro de dinossauros terópodes procedentes de depósitos
cretáceos da região sul da Austrália. Os pesquisadores concluíram que existem
evidências da presença de pelo menos nove espécies de terópodes, que poderiam
representar no mínimo três grupos distintos e cujo tamanho poderia variar de 2
a 8,5 metros de comprimento. Como esses grupos deveriam ter uma distribuição
cosmopolita durante o Jurássico, os autores defendem que as formas consideradas
típicas do Gondwana (supercontinente do sul, originado após a divisão da
Pangeia, que há milhões de anos reunia todos os continentes do planeta) teriam
se diferenciado não por causa da fragmentação dos continentes, mas sim devido
ao endemismo criado por questões climáticas.
4) Ainda falando sobre eventos científicos, está em plena
organização o Rio Ptero 2013, que ocorrerá entre 23 e 26 de maio do próximo
ano. Sediada no Museu Nacional/UFRJ, essa reunião científica, de caráter
internacional, irá congregar os principais pesquisadores envolvidos no estudo
dos pterossauros. Também será organizada uma exposição de paleoarte exclusiva
sobre esses répteis alados. Mais informações no site do
evento.
5) A descrição do primeiro crânio de um dinossauro
saurópode completo do Cretáceo dos Estados Unidos acaba de ser publicada na Naturwissenschaften. Abydosaurus
mcintoshi é procedente da Formação Cedar Mountain, do parque Dinosaur
National Monument (Utah, Estados Unidos), e está proximamente relacionado ao Brachiosaurus,
que é bem mais antigo e vivia durante o Jurássico. No trabalho, também é feita
uma análise da dentição dos saurópodes, que demonstra o desenvolvimento em
diferentes espécies de dentes mais estreitos, que eram substituídos mais
rapidamente do que nas espécies mais basais.
6) Rafael Costa da Silva (CPRM, Rio de Janeiro) e
colegas encontraram duas pegadas de um grande dinossauro carnívoro em depósitos
da Formação Caturrita, que afloram na localidade de Faxinal do Soturno (Rio
Grande do Sul). Acredita-se que essas rochas tenham se formado durante o
Triássico Superior, mas o novo material, aliado a informações de plantas fósseis,
sugere uma idade mais nova, talvez até mesmo jurássica. O estudo foi publicado
no Journal of South American
Sciences.
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