Ela,
a Tabela Periódica dos Elementos Químicos, ajudou a sistematizar e a organizar
o conhecimento científico e é a homenageada deste ano de 2019 pela Organização
das Nações Unidas (ONU).
A
ONU proclamou 2019 como sendo o Ano Internacional da Tabela Periódica, em um
esforço simbólico para "aumentar a sua consciência global e a educação em
ciências básicas", conforme declarou em comunicado oficial.
A
tabela original reúne os 63 elementos químicos conhecidos, listados em ordem de
sua massa atômica e agrupados por suas propriedades físico-químicas.
O
anúncio foi celebrado pela comunidade científica. Quando a ONU tornou pública a
decisão, a presidente da União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC,
na sigla em inglês), Natalia Tarasova, afirmou que se sentia "satisfeita e
honrada" pelo ano de 2019, enfatizando a importância da "comunicação
do conhecimento químico em benefício da humanidade".
A
IUPAC emitiu ainda uma nota afirmando que a ONU estava reconhecendo "a
importância de aumentar a conscientização global de como a química promove o
desenvolvimento sustentável e fornece soluções para desafios globais em
energia, educação, agricultura e saúde".
Mendeleev
A escolha do ano não foi por acaso. Há
150 anos, um cientista russo chamado Dmitri Mendeleev (1834-1907) criou a
primeira tentativa de organização dos elementos químicos em um formato
semelhante ao atual.
Ele
foi engenhoso em sua concepção. Primeiro, fez uma cartela para cada um dos
então 63 elementos conhecidos - cada qual com seu símbolo, sua massa atômica e
suas propriedades físico-químicas. Então as organizou em ordem crescente,
conforme suas massas atômicas. Agrupou ainda os elementos com propriedades
semelhantes. Nascia sua Tabela Periódica.
"A
genialidade de Mendeleev está em sua longa dedicação e empenho na organização
dos elementos. Anteriormente outros pesquisadores já organizavam os elementos
segundo alguns critérios de periodicidade, mas foi com Mendeleev que atingimos
um determinado ápice nesta organização", analisa o químico Luís Roberto
Brudna Holzle, professor da Universidade Federal do Pampa em entrevista à BBC
News Brasil.
As
vantagens em relação aos modelos anteriores eram visíveis. A tabela do russo
permitia vislumbrar semelhanças e relações, em análises na vertical, na
horizontal e na diagonal. Mendeleev foi ainda o primeiro a deixar espaços
vazios, prevendo a descoberta de novos elementos.
"Muitas
pessoas criaram tabelas de elementos antes de Mendeleev e alguns perceberam as
lacunas possíveis nela. Mas Mendeleev não apenas sugeriu os lugares onde os
elementos faltantes poderiam ficar, como também previu suas propriedades",
comenta à BBC News Brasil o químico e escritor Mark Lorch, professor de
comunicação científica da Universidade de Hull, na Inglaterra.
"Outro
ponto fundamental é que ele reconheceu que o peso atômico de um elemento não
era o fator importante para descobrir onde ele deveria ser colocado. Em vez
disso, Mendeleev priorizou as propriedades do elemento", explica Lorch.
A
biografia de Mendeleev também é fascinante. Ele nasceu na cidade de Tobolsk, na
Sibéria, caçula em uma família de 17 irmãos. Seu pai era diretor de escola -
mas acabou perdendo o cargo quando ficou cedo, no mesmo ano em que o futuro
cientista nasceu. A mãe trabalhava em uma fábrica de cristais que havia sido
fundada por seu avô.
O
menino destacava-se na escola. Quando seu pai morreu e um incêndio destruiu a
fábrica onde sua mãe trabalhava, ela decidiu usar todas as economias não para
reconstruir o patrimônio, mas sim para investir na educação do filho.
Mudaram-se então para Moscou e, em seguida, para São Petersburgo - onde
Mendeleev cursaria a universidade.
A
organização dos elementos em sua tabela foi feita em 1869 quando ele escrevia
um livro de química inorgânica. Ele tinha 35 anos.
"Mendeleev
não apenas tabulou os elementos. Ele notou padrões em suas propriedades e então
deixou lacunas para os elementos que ainda não haviam sido descobertos. Ele
também previu com precisão as propriedades químicas e físicas dos elementos
ausentes", afirma Lorch.
"À
primeira vista, a tabela de Mendeleev não se parece muito com a que estamos
acostumados", completa o professor. "Mas quando você dá uma volta de
90 graus à tabela de Mendeleev, a semelhança com a versão moderna se torna
aparente. Por exemplo, os halogênios - flúor (F), cloro (Cl), bromo (Br) e iodo
(I)- todos aparecem próximos um do outro."
Vodca
Uma história muito atribuída ao
químico é de que ele teria sido inventor da fórmula contemporânea da vodca.
Segundo a versão, ele teria padronizado em 40% o teor alcoólico do destilado,
quando nomeado, pelo governo russo, responsável por definir as regras básicas
da produção.
Essa
lenda chegou a ser utilizada até pelo marketing da marca Russian Standard,
que chegou a produzir materiais dizendo que "em 1894, Dmitri Mendeleev, o
maior cientista de toda a Rússia, recebeu a missão de estabelecer o padrão de
qualidade imperial da vodca russa" e que a bebida produzida por eles hoje
segue os parâmetros "da mais alta qualidade de vodca russa conforme regras
aprovadas pela comissão do governo liderada por Mendeleev".
Mas
não é bem assim. É verdade que o cientista foi o chefe do Arquivo de Pesos e
Medidas de São Petersburgo, a partir de 1892, e que capitaneou o órgão em um
sua transformação em agência governamental. Contudo, pesquisadores afirmam que
tal instituição nunca definiu normas da produção de vodca - mas, sim, zelava
pela existência daquela que já existia. A proporção etílica de 40% da bebida
foi definida pelo governo russo em 1843 - na época, Mendeleev tinha apenas 9
anos.
Importância da tabela
Ao organizar de forma clara as
informações importantes e facilitar a criação de relações, a Tabela Periódica
de Mendeleev contribuiu para os avanços científicos do século 20. E segue
contribuindo.
"O
modo mais importante pelo qual a tabela ajuda a desenvolver a ciência é graças
à maneira incrivelmente elegante com que ela apresenta uma grande quantidade de
informações químicas e físicas", acredita o professor Lorch. "Por
isso, é uma ferramenta incrivelmente útil."
"Para
um químico, basta uma olhada na tabela para saber como um elemento pode reagir,
se é um bom condutor elétrico, qual sua maleabilidade e muito mais",
acrescenta Lorch.
O
químico Holzle compara a tabela de Mendeleev a um quebra-cabeças, em que as
peças faltando passaram a servir de pistas para que futuros pesquisadores
descobrissem e caracterizassem os demais elementos. "Após preencher tais
espaços, a tabela serviu - e ainda serve - como uma espécie de mapa de
comunicação", explica.
"A
padronização internacional permite a facilitação na fluência de comunicação
entre os químicos de diversas nacionalidades", ressalta o professor.
"Além disso, também é útil na área educacional, permitindo a troca de
materiais, ideias e criatividade entre professores e estudantes."
"O
desenvolvimento da Tabela Periódica dos Elementos é uma das realizações mais
significativas da ciência e um conceito científico unificador, com amplas
implicações em astronomia, química, física, biologia e outras ciências
naturais", enfatiza o comunicado da IUPAC. "É uma ferramenta única
que permite aos cientistas prever a aparência e as propriedades na matéria na
Terra e no Universo."
"Elementos
químicos desempenham um papel fundamental em nossas vidas diárias e são
cruciais para a humanidade", afirma a instituição.
Embora
a ONU tenha definido que todo o ano de 2019 será em homenagem à Tabela
Periódica, sem delimitar uma data exata, algumas são possíveis de ser
consideradas. Conforme lembra o professor Lorch, convencionou-se reservar ao 7
de fevereiro o Dia da Tabela Periódica. "É porque foi nesta data, em 1863,
que o químico inglês John Newlands publicou uma tabela de elementos baseada
naquilo que ele chamou de 'lei das oitavas'", conta.
Um
dos tantos precursores da Tabela Periódica, Newlands, que viveu entre 1837 e
1898, propôs uma classificação em que fez uma analogia às oitavas da música -
em seu caso, cada elemento químico foi organizado de modo a ter um
comportamento semelhante ao oitavo seguinte da tabela.
"Uma
alternativa seria celebrar o 6 de março", sugere Lorch. "Afinal, foi
nesta data, em 1869, que Mendeleev apresentou sua tabela para a Sociedade
Química Russa."
Descobertas recentes
Em
termos de design, a Tabela Periódica contemporânea é uma evolução a partir do
conceito de Mendeleev. Não foi uma criação estanque.
(tabelaperiodica.org)
"A
genialidade de Mendeleev estava no que ele deixou de fora de sua tabela. Ele
reconheceu que certos elementos estavam faltando, ainda a serem descobertos.
Então, onde outros se limitaram a publicaram o que era conhecido, Mendeleev
deixou espaço para o desconhecido", pontua Lorch. "Ainda mais
surpreendente, ele previu com precisão as propriedades dos elementos que
faltavam."
"Os
quatro elementos mais recentes da Tabela Periódica, os 113, 115, 117 e 118,
foram totalmente adicionados à Tabela Periódica, com a aprovação de seus nomes
e símbolos, em 28 de novembro de 2016", informa a IUPAC.
Nihônio
(Nh), moscóvio (Mc), tennessino (Ts) e oganessono (Og) estão na sétima linha da
tabela e são elementos que não existem na natureza. Foram criados por
aceleradores de partículas a partir de colisões de elementos menores. Seus
átomos sobrevivem por apenas frações de segundo. Nihônio foi criado três vezes
por cientistas japoneses entre 2004 e 2012. Um grupo de pesquisadores
americanos e russos produziram moscóvio, tennessino e oganessono.
Outras
versões da Tabela Periódica vez por outra são propostas. Professor Lorch fez
uma tabela periódica inspirada naquele estilo tradicional de mapas de metrô. No
site TabelaPeriodica.org, o professor Holzle disponibiliza uma curiosa versão
em códigos QR – basta apontar o celular para cada elemento para obter as informações
completas sobre o mesmo.
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