Yvonne Mascarenhas é a única
brasileira entre as 12 homenageadas do prêmio para mulheres que se destacaram
na química e na engenharia química no mundo
A
física e química brasileira Yvonne Mascarenhas é uma das doze vencedoras do
prêmio da União Internacional de Química Pura e Aplicada (International Union
of Pure and Applied Chemistry – IUPAC, na sigla em inglês) para mulheres que se
destacaram na química e na engenharia química no mundo inteiro. A associação
anunciou ontem, dia internacional das mulheres, as 12 homenageadas da quarta
edição de seu prêmio bianual, o “IUPAC 2017 Distinguished Women in Chemistry or
Chemical Engineering Awards”. Mascarenhas foi a única cientista da América do
Sul na lista.
As
premiadas são apontadas por instituições de seus países e as indicações são
avaliadas considerando a excelência das pesquisas – básicas ou aplicadas, as
conquistas como professoras e educadoras, e a liderança na condução de estudos
nas ciências químicas. Yvonne Mascarenhas foi indicada pela Sociedade
Brasileira de Química (SBQ), pelo seu trabalho pioneiro que implantou e
difundiu no Brasil as pesquisas com cristalografia – o estudo da determinação
das estruturas cristalinas e moleculares por difração de raios-X.
Formada
em física e química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mascarenhas
conta que iniciou suas pesquisas com cristalografia nos Estados Unidos em 1959.
Ela passou um ano e meio pesquisando na Universidade de Princeton. Em 1961,
retornou ao Brasil decidida a criar um grupo de estudos nessa área.
“Comecei
a fazer contato tanto com físicos como com químicos. Isso me deu chance de ter
muitos alunos, de iniciação científica, mestrado e doutorado, que se formaram
na mesma área e que foram se distribuindo pelo Brasil: São Paulo, Paraná, Minas
Gerais, Amazonas, Alagoas, Goiás, etc. Esses meus ex-alunos também tiveram seus
alunos e, assim, foi crescendo a área no Brasil. Eu acho que foi isso que fiz
de mais importante: essa multiplicação quase espontânea, que teve grandes
resultados”, comenta a cientista.
Atuando
hoje no Instituto de Física da USP, São Carlos, Mascarenhas conta com um grupo
interdisciplinar que trabalha a cristalografia aplicada a vários setores, desde
cristalografia aplicada a proteínas, a novos fármacos, doenças negligenciadas,
principalmente doenças tropicais.
Em
entrevista ao Jornal da Ciência, Mascarenhas diz ainda que o prêmio da IUPAC é
uma grande honra que compartilha com toda essa rede de pesquisadores. “A gente
não trabalha sozinha, principalmente na universidade. Me sinto recebendo em
nome de todo esse conjunto de fatores que propiciaram que eu pudesse realizar
uma contribuição favorável”, ressalta.
Mulheres na ciência
Homenageada
em um prêmio que tem como objetivo destacar a liderança das mulheres na
química, Mascarenhas observa que, apesar de existirem muitas mulheres bem
sucedidas nas ciências, ainda existe uma cultura muito forte de fazer as
meninas acreditarem que elas terão desempenho melhor nas áreas de humanas.
“A
dificuldade para muitas mulheres é que existe um tabu que as faz acreditar que
elas têm dificuldade de entrar nas áreas de exatas. Temos procurado
desmistificar isso. Porque são tantas mulheres bem sucedidas nessas áreas, mas
até hoje vejo a maioria das meninas muito voltadas para as áreas de humanas”,
afirma.
Ela
ressalta os esforços da Sociedade Brasileira de Física (SBF) e da SBQ em
estimular a participação feminina e, hoje, segundo ela, existem muitas mulheres
atuantes nessas organizações.
“Existe
um esforço coletivo dessas nossas Sociedades de procurar desmistificar, diante
das meninas, esse fato de que elas não têm muita vocação para exatas. É uma
questão de estimular desde o curso fundamental, pois precisa muito esforço para
demonstrar para as meninas que elas terão muitas oportunidades de trabalho e de
alta realização entrando nas áreas que são consideradas mais masculinas, por
que isso é um tabu, não é nada verdadeiro”, diz.
A
cientista conta que ela mesma, ainda jovem, pensava em fazer letras. Mas,
quando começou o curso clássico, teve um excelente professor de física e também
começou a perceber que a química era extremamente valiosa para a sociedade.
“Desisti de fazer letras e resolvi fazer química. Nunca me arrependi dessa
escolha”, lembra, acrescentando que não teve grandes problemas de ser aceita.
“Sinto que houve um reconhecimento quase que natural de que o interesse era
legítimo, que queria fazer o melhor possível”, conta.
Além
de seu destacado trabalho com pesquisa em cristalografia, desde 2010, também
coordena um projeto do Instituto de Estudos Avançados da USP, polo de São
Carlos, de difusão científica. O programa é voltado a estudantes do ensino
fundamental e médio. Segundo ela, a difusão científica é uma grande ferramenta
para estimular o interesse de meninas pela ciência, porém, esta é uma atividade
pouco valorizada no País.
Ela
destaca que existem poucos museus de ciência no Brasil, e acrescenta que a
maioria deles não são atraentes para crianças e adolescentes. “É uma tarefa
enorme, que requer muito investimento, mas que não é à toa: isso chama muito a
atenção de toda a população. Com isso, a ciência se torna uma conversa
familiar. Como a nossa população tem uma cultura científica muito fraca, as
famílias ainda não estão preparadas para isso. Temos que estimular essa
cultura, que vem desde a família. E desenvolvimento científico e tecnológico é
o que o País precisa mais”, reforça.
O prêmio
O
objetivo do prêmio “IUPAC 2017 Distinguished Women in Chemistry or Chemical
Engineering Awards”, criado em 2011, é reconhecer e promover o trabalho de
mulheres na química e na engenharia química em todo o mundo. A cerimônia de
entrega é realizada durante a conferência internacional da IUPAC, que acontece
a cada dois anos. A primeira edição do prêmio foi em Porto Rico e homenageou 23
cientistas. Desde então, a cada edição, 12 mulheres cientistas recebem o
prêmio: 2013, na Turquia; 2015, na Coreia do Sul. Neste ano, o Brasil, pela
primeira vez, será sede do 46º Congresso Mundial da IUPAC, em São Paulo, em
julho, onde será realizada a cerimônia de homenagem às premiadas de 2017.
A
vice-presidente da SBPC, Vanderlan Bolzani, foi uma das premiadas na primeira
edição do prêmio da IUPAC. Ela lembra que 2011 foi especial, pois foi o Ano
Internacional da Química e, na ocasião, ela foi a única representante da
América Latina toda a receber a homenagem. “É importante ter entidades e
associações internacionais que reconhecem o papel da mulher na ciência. As
mulheres ainda são muito descriminadas quando começam a galgar espaços mais
competitivos na carreira científica. Mas o fato é que o mundo precisa de homens
e mulheres trabalhando juntos para superar os grandes desafios que temos.
Premiações como essa são importantes porque estimulam a participação das
mulheres”, diz Bolzani que, na edição deste ano, será co-chair do evento no
Brasil.
Daniela
Klebis – Jornal da Ciência.
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