Helena B.
Nader, presidente da SBPC, envia comentários e esclarecimentos a respeito da
reportagem publicada na semana passada, intitulada “Artigos de segunda”
A presidente da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena B. Nader, enviou carta à revista
Veja com comentários e esclarecimentos a respeito da reportagem publicada na
semana passada, intitulada “Artigos de segunda”. Como a Veja publicou a carta
(na edição que está nas bancas) com cortes que podem comprometer o conteúdo
exposto pela presidente da SBPC, reproduzimos neste blog a carta na íntegra.
Leia abaixo:
A reportagem “Artigos de segunda” (10
de dezembro) poderia ter servido para introduzir um importante assunto na
sociedade brasileira: o acesso a informações científicas. Contudo, a revista se
mostra desinformada ao tentar passar ao leitor a impressão de que as
publicações tradicionais são infalíveis enquanto as do sistema open Access
são desqualificadas. Na verdade, ambas têm virtudes e problemas.
VEJA não disse, mas o rigor da análise
prévia por pares não impede erros. A tradicionalíssima Science, por
exemplo, precisou se retratar a respeito de artigo em que seus autores
relataram terem encontrado uma bactéria em cujo DNA o fósforo (elemento
essencial para a vida) era substituído pelo arsênio (normalmente tóxico).
Dois artigos sobre técnicas para
modificar células tronco, publicados na Nature, foram contestados e a
revista também precisou se retratar. Várias publicações tradicionais e de
renome da área de saúde (PNAS, Lancet Oncology, JAMA, NEJM, Blood, entre
outras) tiveram que se retratar por terem publicado 10 artigos de resultados
inconsistentes de autoria de um pesquisador da Universidade Duke.
De fato, há aspectos a serem melhorados
em relação às publicações open access, mas na reportagem foram omitidas
virtudes reconhecidas desse sistema. A principal delas é exatamente
possibilitar o livre acesso a informações científicas – o que sempre foi
desejado e que, com a internet, se tornou universalmente possível. Como se
trata de um sistema novo (os estudiosos do tema consideram que foi inaugurado
em 1993), o open Access ainda está em construção e tem grandes
possibilidades de se aperfeiçoar satisfatoriamente e crescer muito num curto
espaço de tempo, uma vez que a comunidade científica mundial está atenta às
publicações abertas e interessada no seu êxito. Por exemplo, os Prêmios Nobel
deste ano em Química, Stephen Hell, e em Física, Shuji Nakamura, têm publicado
seus artigos em open access. O Nobel de Medicina do ano passado, Randy
Schekman, foi mais além: declarou que seu laboratório deixará de enviar papers
para as revistas Nature, Cell e Science, pois, na sua
avaliação, elas distorcem o processo científico. Segundo Schekman, a pressão
para publicar em revistas de “luxo” estimulou os pesquisadores a cortar custos
e buscar campos da moda na ciência, em vez de trabalharem em áreas mais
importantes. O brasileiro Arthur Ávila, ganhador da Medalha Fields em 2014,
também publica em open access.
E mais: a Sociedade Europeia de
Astronomia, a Sociedade Europeia de Física e a Associação Europeia para Química
e Ciências Moleculares estão discutindo a transição para o sistema open
access. Já o CERN (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear), o mais
importante centro de pesquisa na área, já tomou sua decisão. Em comunicado do
dia 16 de outubro último, o diretor geral da instituição solicitou a todos seus
pesquisadores que publiquem seus papers em revistas open access.
Se está interessada em discutir as
publicações abertas para divulgação científica, VEJA precisa dar informações
completas sobre esse sistema a seus leitores. A reportagem publicada foi
parcial e tendenciosa – ou seja, não contribuiu em nada para um tema tão
importante.
Helena B.
Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
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