Por: Jean Remy Davée Guimarães, Instituto de Biofísica Carlos Chagas
Filho, UFRJ.
Estudo realizado com 386 pacientes
adultos aponta relação direta entre os níveis de resíduo de pesticidas no
tecido adiposo e desenvolvimento de diabetes, independentemente de idade, sexo
e peso corporal.
A relação epidemiológica entre o uso
de pesticidas e a crescente incidência de males como câncer, problemas
hormonais e reprodutivos, entre outros, é cada vez mais clara. Mas novos
estudos têm apontado uma nova e incômoda conexão, desta vez entre pesticidas e
diabetes tipo 2, o que poderia explicar, ao menos parcialmente, as proporções
epidêmicas que essa doença vem assumindo em escala global.
A edição de janeiro da Environmental
Research traz um estudo de Arrebola e
colaboradores, da Universidade de Granada, Espanha, que é,
ironicamente, uma bomba. A equipe dosou resíduos de diversos pesticidas no
tecido adiposo de 386 pacientes adultos em dois hospitais do sul do país e
concluiu que os pacientes com maiores níveis de DDE (um produto da degradação
do DDT) tinham quatro vezes mais probabilidade de ter diabetes tipo 2.
Os autores observaram ainda que um
dos componentes do popular pesticida Lindano também favorece o surgimento do
diabetes tipo 2. A relação direta observada entre os níveis de poluentes
orgânicos persistentes e o desenvolvimento de diabetes era independente da
idade, sexo ou peso corporal do paciente.
Segundo os pesquisadores, o acúmulo
desses poluentes lipofílicos na gordura corporal poderia explicar por que os
obesos têm maior tendência a desenvolver diabetes. Não se sabe ao certo o
mecanismo envolvido, mas os autores sugerem que os pesticidas provocam uma
reação imunológica em receptores de estrogênio envolvidos no metabolismo dos
açúcares.
Monitor de açúcar no sangue e caneta injetora
de insulina usados por diabéticos. Pesquisa sugere que o acúmulo de poluentes
lipofílicos (como componentes de pesticidas) na gordura corporal poderia
explicar a maior tendência de obesos a desenvolver diabetes. (foto: Karen
Barefoot/ Sxc.hu)
As autoridades de saúde estimam que,
em 2030, cerca de 4,5% da população mundial será diabética. Atualmente, cerca
de 346 milhões de pessoas sofrem da doença, enquanto 35 milhões são acometidos
pelo Alzheimer. As duas condições geram muito sofrimento e elevado custo
social.
Correlações perturbadoras
Se você já estava se perguntando o
que diabetes têm a ver com meio ambiente, a menção ao Alzheimer talvez aumente
a confusão.
Mas, justamente, diabetes, Alzheimer
e obesidade estão aumentando exponencialmente e com correlações perturbadoras
entre elas. Da mesma forma, a disseminação da junk-food (comida-lixo) e
da agricultura industrial regada a pesticidas que a sustenta andam juntas.
Ok, pesticidas/junk-food e
obesidade/diabetes já são binômios quase familiares para aqueles que leem as
magras seções de ciência da grande imprensa, mas a insistência do Alzheimer em
se meter em estatísticas onde não foi chamado já intrigava os cientistas há
algum tempo, a ponto de esses começarem a buscar uma relação causal entre essa
doença, o diabetes e a obesidade.
Mas... e se o Alzheimer fosse, como
o diabetes, uma doença metabólica, associada ao (des)desequilíbrio hormonal e,
portanto, induzível por pesticidas?
Já
se sabia que há uma forte associação entre diabetes, obesidade, dieta, demência
e Alzheimer. Pessoas que sofrem de diabetes têm probabilidade 2 a 3 vezes maior
de desenvolver Alzheimer do que a média da população. A conexão
obesidade-Alzheimer é menos estudada, mas sabe-se que a obesidade em idade
madura predispõe ao Alzheimer e que uma vida ativa e dieta saudável reduzem a
ocorrência de demência.
Mas... e se o Alzheimer fosse, como
o diabetes, uma doença metabólica, associada ao (des)desequilíbrio hormonal e,
portanto, induzível por pesticidas, entre outros disruptores endócrinos? Isto
poderia explicar as correlações observadas. As evidências nesse sentido são
tantas que muitos especialistas já defendem que o Alzheimer seja considerado como
um diabetes tipo 3, pois vários estudos sugerem que o Alzheimer seria uma
consequência de perturbações na resposta do cérebro à insulina.
Esta, além de regular o metabolismo
do açúcar, tem papel bem definido na química cerebral, modulando a troca de
sinais entre neurônios e atuando no aprendizado e na memória, bem como na
manutenção dos vasos sanguíneos que irrigam o cérebro.
Tomografia de um cérebro humano com
Alzheimer. Pessoas que sofrem de diabetes têm maior probabilidade de
desenvolver a condição. Especialistas defendem, inclusive, que o Alzheimer seja
considerado um diabetes tipo 3, pois há evidências de que seria uma
consequência de perturbações na resposta do cérebro à insulina. (imagem: NHI/
Wikimedia Commons)
Eu achava que o sistema hormonal
funcionava, por analogia, como uma orquestra em que o som produzido por um
instrumento influencia o som de todos os outros, e vice-versa. Já era complicado
o bastante, mas escrever esta coluna me ensinou que a imagem mais correta seria
a da mesma orquestra, mas com cada músico tocando vários instrumentos ao mesmo
tempo, e todos os sons se influenciando mutuamente. Agora imagine se colocarmos
pó-de-mico na gola dos músicos... É o que ocorre quando um disruptor endócrino
é absorvido por inalação, ingestão ou via cutânea.
Portanto, se você achava que por ser
um urbanoide não-obeso, que gasta boas quantias em alimentos orgânicos, você
estaria a salvo, pode tirar o cavalinho da chuva: os pesticidas são apenas uma
das várias categorias de disruptores endócrinos, e a dieta é apenas uma das
vias de exposição aos pesticidas.
E a junk-food, onde entra
nisso tudo? O X-tudo com fritas e o rodízio de salgadinhos já era apontado como
fator de desenvolvimento de Alzheimer devido à redução de irrigação sanguínea
causada pelo colesterol e aumento da pressão sanguínea, mas os estudos mais recentes
sugerem que alimentos com muito açúcar e gordura podem danificar o cérebro por
interromper seu suprimento de insulina.
A ingestão excessiva de alimentos
com muito açúcar e gordura já era apontada como fator para o desenvolvimento de
Alzheimer – devido à redução de irrigação sanguínea causada pelo colesterol e
aumento da pressão sanguínea. Estudos mais recentes sugerem que estes podem
também danificar o cérebro por interromper seu suprimento de insulina. (foto:
David Boylan/ Sxc.hu)
Naturalmente, como sempre, mais
estudos são necessários etc. etc., mas se as relações causais aqui descritas
forem confirmadas, será uma ótima notícia. É uma esperança de melhores
tratamentos para os que já sofrem com esses males e de melhores prognósticos
para os ilesos até aqui.
É também um exemplo que gera
reflexão sobre o custo/benefício do modo de vida que adotamos. Sim, a
tecnologia nos permite viver com mais conforto e por mais tempo, mas também nos
rouba qualidade de vida.
De que adianta termos Viagras e cia.
se não lembrarmos mais para que serve uma ereção, nem quem é aquela pessoa
idosa dormindo ao nosso lado? Quantos hectares de soja, arroz ou milho são
necessários para bancar um ano de tratamento de um diabético ou uma vítima de
Alzheimer?
Somando esses e outros custos,
ambientais e de saúde, podemos talvez acabar concluindo que o modelo de
agricultura industrial vigente gera prejuízos que engolem seus ganhos de
produtividade e ainda deixam uma conta pendurada.
O modelo de agricultura industrial
vigente gera prejuízos que engolem seus ganhos de produtividade e ainda deixam
uma conta pendurada
Estudos
como os aqui relatados nos dão pistas importantes de como equacionar tudo isso
e tornam mais premente a discussão do tema.
Por último, mas não menos
importante, cada novo estudo apontando efeitos negativos de pesticidas – ou
qualquer outra substância sujeita à regulamentação – desmoraliza um pouco mais
os órgãos que autorizaram sua produção e uso e não monitoraram seus efeitos.
Acredite se quiser, mas a liberação
é baseada em testes de até 60 dias com animais de laboratório. Quem realiza
esses testes? O próprio fabricante, ou alguém que ele contratou para isso.
Mas relaxe, está tudo dominado.
Ciência Hoje On-lne
Publicado em 15/03/2013 |
Atualizado em 15/03/2013.
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