Medicamentos existentes que foram testados no combate
ao Covid-19
A urgência no desenvolvimento de um medicamento eficaz no tratamento dos males provocados pelo Covid-19 fez os cientistas apelarem para um atalho para o alvo: o redirecionamento de fármacos existentes, caso funcione.
Por Rebecca Trager, correspondente
da Chemistry Word nos EUA
Traduzido e adaptado por Prof. Dr.
Murilo Sérgio da Silva Julião, Universidade Estadual Vale do Acaraú
Em meio à epidemia do
Covid-19, várias indústrias farmacêuticas em todo o mundo estão trabalhando no
desenvolvimento de uma vacina contra o novo coronavírus. Porém, os especialistas
estimam que o tempo para iniciar os testes com a nova vacina demandará de 12 a
18 meses, enquanto isto, médicos e farmacêuticas tentam redirecionar
medicamentos já desenvolvidos e comercializados para combater o novo
coronavírus.
A situação regulatória
para uso desses fármacos está evoluindo rapidamente. Em alguns países, os médicos
já estão prescrevendo o uso desses medicamentos para outras doenças para as
quais não foram aprovados, entretanto o uso generalizado deverá ser realizado
somente se estiver apoiado em evidências de ensaios clínicos de qualidade e aprovado
pelos órgãos reguladores de cada país, no caso do Brasil, a ANVISA.
Antimaláricos como a cloroquina (A)
e hidroxicloroquina (B) possuem alguns efeitos antivirais e podem ser
produzidos a um custo muito baixo.
Recentemente, a
população ao redor do mundo ficou confusa, quando o presidente dos Estados
Unidos da América (EUA), Donald Trump, apareceu em rede nacional afirmando que
a Agência Reguladora de Alimentos e Medicamentos dos EUA, Food and Drug
Administration (FDA) havia aprovado a cloroquina e seu derivado, a hidroxicloroquina,
para tratar pacientes com o Covid-19. Essa afirmação foi imediatamente contestada
pelo chefe da FDA, Steven Hahn e pelo diretor do Instituto Nacional de Alergia
e Doenças Infecciosas dos EUA, Anthony Fauci. Esses dois medicamentos foram
aprovados pelo FDA para o tratamento de malária, lúpus e artrite reumatóide e a
FDA permitiu seu 'uso compassivo' contra o Covid-19 em casos extremos. Hahn
enfatizou ainda que não existem tratamentos aprovados para o Covid-19 e Fauci
enfatizou a importância de se realizar uma grande quantidade de ensaios
clínicos para provar a segurança e eficácia desses fármacos.
Esperança e a campanha na mídia
O clamor em torno do
uso da cloroquina, hidroxicloroquina e combinações com outros medicamentos está
baseado principalmente em testes laboratoriais in vitro e em alguns
estudos clínicos preliminares [1]. Por exemplo: em março de 2020, um estudo
realizado por franceses [2], com 20 pacientes chineses diagnosticados com
Covid-19 forneceu evidências precoces de que a combinação de hidroxicloroquina e
o antibiótico azitromicina pode ser eficaz contra o vírus. Os pacientes que usaram
essa combinação apresentaram redução na carga viral em comparação ao grupo controle
e no tempo de duração da doença. Entretanto, a situação ainda não está bem
esclarecida. Em outro estudo envolvendo 30 pacientes na China [3], a
hidroxicloroquina não apresentou bom desempenho. Três pesquisadores [4] dos EUA
também emitiram um alerta preocupante de que os “mecanismos antivirais da
cloroquina permanecem ainda no campo da especulação”, pois segundo os
pesquisadores, ‘é necessário tomar cuidado ao fazer interpretações prematuras’
porque os ‘testes clínicos estão em andamento e os dados preliminares ainda não
foram disponibilizados’.
Pesquisas recentes com
outros antivirais também foram inconclusivas: um estudo realizado na China [5]
reportou a não observância de diferenças significativas entre 44 pacientes que
receberam lopinvir e/ou ritonavir, o antiviral russo Arbidol (umifenovir) ou
nenhum medicamento antiviral (controle), enquanto que em outro estudo chinês [6]
foi relatado que o lopinavir e o ritonavir não provocaram nenhuma melhora
clínica mais rápida em comparação aos pacientes que receberam o tratamento
padrão de isolamento.
Evitando o ‘fogo amigo’
Quando se busca o
desenvolvimento de um novo medicamento, os efeitos colaterais precisam ser
cuidadosamente considerados. Um artigo de orientação elaborado por
pesquisadores da Clínica Mayo, em Minnesota, EUA, incluindo o cardiologista
Michael Ackerman [7], alerta que a cloroquina, a hidroxicloroquina, o lopinavir
e o ritonavir podem causar a 'morte cardíaca súbita induzida por esses fármacos'.
Esses medicamentos
bloqueiam um dos canais críticos de potássio no coração, o que aumenta as
chances de o ritmo cardíaco de um paciente diminuir, levando a uma parada
cardíaca. O mesmo pode ser dito para a azitromicina, de acordo com Ackerman.
Este pesquisador estima que cerca de 1% dos pacientes positivos para Covid-19 podem
apresentar um aumento do risco desses eventos adversos cardíacos ao tomar esses
fármacos. Embora nenhum desses incidentes tenha sido relatado em nenhum dos
testes em andamento, Ackerman diz que inúmeras mortes foram reportadas ao
sistema de notificação de eventos adversos da FDA. “A possibilidade de morte
cardíaca súbita induzida por fármacos não é teórica", disse ele ao Chemistry
World. "Isso poderá acontecer, caso os indivíduos com maior risco para
essa possibilidade não seja m indefificados’. Ackerman chama a situação atual
de tratamento para pacientes do Covid-19 como "um oeste selvagem
total" e diz que esses tipos de resultados trágicos não devem ser aceitos
como "apenas parte do fogo amigo nesta guerra contra o coronavírus".
Enquanto isso, várias
empresas farmacêuticas em todo o mundo, incluindo: Novartis, Teva e Mylan
aumentaram a produção e estão doando dezenas de milhões de comprimidos de
cloroquina e hidroxicloroquina.
O renascimento do remdesivir
O remdesivir antiviral
intravenoso da Gilead Sciences (originalmente desenvolvido para o Ebola, mas
considerado ineficaz) também se mostrou promissor em estudos de laboratório
contra o Covid-19 [1] e outros coronavírus relatados [8].
O remdesivir foi desenvolvido para combater os vírus Ebola e Marburg, atua interrompendo a replicação
do RNA viral, é um dos agentes mais promissores testados contra o Covid-19.
Embora um estudo
preliminar realizado nos EUA com seres humanos tenha sido inconclusivo [9],
existem ensaios clínicos aleatórios do remdesivir em andamento na China e nos
EUA [10]. A Gilead [11] iniciou dois de seus próprios estudos randomizados,
abertos e multicêntricos, para avaliar a segurança e a eficácia do remdesivir
intravenoso no tratamento do Covid-19. Esses ensaios envolverão aproximadamente
1000 pacientes, principalmente em países asiáticos.
O FDA concedeu ao remdesivir
o status de “medicamento órfão”, o que daria a Gilead sete anos de
exclusividade de mercado, além de créditos e incentivos fiscais para custear os
testes clínicos desse medicamento. No entanto, a Gilead solicitou ao FDA para
rescindir essa decisão, pois confia que pode manter um cronograma acelerado na
busca pela revisão regulatória do remdesivir, sem a designação de “medicamento
órfão".
Até a Fujifilm...
Aprovado desde março de
2014 pelas autoridades japonesas para tratar várias formas de influenza, o
antiviral Avigan (favipiravir) da Fujifilm também demonstrou alguma eficácia na
aceleração da diminuição da carga viral de 80 pacientes chineses [12]. Um ensaio
ligeiramente maior realizado na China com 246 pacientes [13], comparando os
medicamentos umifenovir e favipiravir, também mostrou alguns benefícios
associados ao favipiravir.
Aprovado para o tratamento da
gripe no Japão, o favipiravir também está sendo proposto, pois o mesmo atua inibindo
uma enzima RNA polimerase viral, impedindo que o vírus replique seu RNA.
A Organização Mundial
da Saúde (OMS) está liderando um grande estudo internacional chamado de Solidarity
trial, numa tradução livre: ensaio solidário, para gerar dados robustos que
mostrem quais tratamentos são os mais eficazes contra o Covid-19. O mega-teste
testará quatro medicamentos ou combinações diferentes destes: (i) o remdesivir,
(ii) uma mistura de lopinavir e ritonavir, (iii) o lopinavir e ritonavir mais
interferon beta e (iv) cloroquina, e comparará sua eficácia ao tratamento padrão
nos países participantes. O estudo envolverá milhares de pacientes oriundos da Argentina,
Bahrein, Canadá, França, Irã, Noruega, África do Sul, Espanha, Suíça e
Tailândia.
O umifenovir é utilizado no tratamento
contra influenza, pois inibe a fusão da membrana, impedindo a entrada de vírus
nas células hospedeiras, mas sua atividade contra o Covid-19 parece ser
limitada.
Aumentando o leque de opções
Uma equipe
internacional [14] mapeou as proteínas humanas com as quais as proteínas virais
interagem e identificaram 69 medicamentos comerciais e compostos experimentais
que se ligam a 66 proteínas humanas susceptíveis a esses medicamentos e,
portanto, podem ter algum efeito na replicação ou transmissão do vírus. Um
relatório do Chemical Abstracts Service (CAS), da Sociedade Americana de
Química (ACS), que registra patentes e publicações relacionadas ao Covid-19 e
vírus similares, identificou seis potenciais alvos da proteína viral e 12
medicamentos para investigar o redirecionamento do uso [15].
Enquanto isso,
cientistas do Laboratório Nacional Oak Ridge, no Tennessee, EUA, usaram o
supercomputador Summit da IBM para executar mais de 8000 simulações e
identificar 77 pequenas moléculas com ação farmacológica que podem prevenir a
infecção de células hospedeiras pelo vírus [16]. Os pesquisadores classificaram
esses candidatos em ordem de interesse, baseado em parte na probabilidade deles
se ligarem à proteína S, que medeia a entrada de vírus nas células hospedeiras.
Ação sobre anticorpos
Casos graves de
infecção pelo Covid-19 causam um tipo de pneumonia e inflamação pulmonar
significativa. Isso levou a esforços no redirecionamento de anticorpos que atenuem
a resposta de imunização à inflamação do organismo. Isso inclui o Actemra
(tocilizumab), da Roche [17], cuja aprovação foi estendida para tratar pacientes
com Covid-19 na China e o Kevzara (sarilumabe), da Sanofi-Regeneron [18]. Ambos
fármacos estão inicialmente sendo testados clinicamente em pacientes com Covid-19.
Anticorpos também podem
fornecer rotas para impedir a propagação do vírus. Um estudo preliminar
envolvendo 28 pacientes chineses [19] sugere que o meplazumab, um anticorpo anti-CD147 humanizado, pode
melhorar os resultados em casos graves. O anticorpo se liga ao Basigin (CD147),
que parece ser uma das proteínas que o vírus usa para se conectar e entrar nas
células [19]. Ian Jones, virologista da Universidade de Reading, Reino Unido,
afirma o potencial uso do anticorpo meplazumab para o Covid-19, pois o
anticorpo tem como alvo o vírus e os danos causados por ele durante a infecção.
No entanto, Jones observou que o tratamento requer infusão enquanto estiver no
hospital, e esses medicamentos geralmente não estão amplamente disponibilizados
[20].
A Regeneron identificou
centenas de anticorpos neutralizantes de vírus e também anticorpos isolados de
pessoas que se recuperaram do Covid-19 [21]. A empresa está buscando
desenvolver um coquetel de anticorpos múltiplos que possa ser administrado
preventivamente antes da exposição ou como tratamento para os já infectados. Outra
vantagem promissora é o plasma convalescente, que a FDA permitiu aos médicos
dos EUA poderem usar em pacientes críticos com Covid-19. Depois que pessoas
expostas ao novo coronavírus se recuperam e não têm mais o vírus no sangue, os
cientistas podem coletar o sangue, concentrá-lo e depois transferi-lo para outros
pacientes.
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