Publicação de um ranking espanhol mostra como é difícil (e muitas vezes
injusto) comparar a qualidade de pesquisadores por uma única métrica
Herton Escobar, 29 Março 2015. (http://ciencia.estadao.com.br/blogs/herton-escobar/)
Símbolo do experimento ATLAS, do Large Hadron Collider (LHC), do qual participam vários físicos brasileiros. Crédito: ATLAS Experiment.
Quem são
os melhores cientistas do Brasil?
Várias vezes já me desafiei a
fazer uma reportagem sobre essa pergunta, mas nunca consegui chegar a uma
resposta justa para ela.
Essa percepção foi reforçada nos
últimos dias pela divulgação de um ranking de cientistas brasileiros preparado
pelo Cybermetrics Lab, da Espanha, com base em informações do Google Scholar. A lista, com quase 3 mil
nomes, é organizada em ordem decrescente pelo “índice H”, uma espécie de nota
usada para medir o grau de impacto da produção científica de um pesquisador.
Por exemplo: se um cientista tem índice H 10, isso significa que ele tem pelo
menos 10 trabalhos publicados com 10 ou mais citações cada. Um índice H alto,
portanto, indica que o pesquisador não só tem muitos trabalhos publicados, mas
que vários desses trabalhos são de alto impacto (com muitas citações).
O
primeiro problema com o ranking do Cybermetrics é que ele contém um erro logo
no início. O primeiro nome que aparece na lista (supostamente o cientista
com maior fator H do Brasil) é João Santana da Silva, da Universidade de
São Paulo (USP), com índice H 99. Como não reconheci o pesquisador, resolvi
fazer uma busca para saber mais sobre ele.
O que encontrei foi uma grande
confusão: O perfil do
Google Scholar no qual o ranking se baseou identifica João
Santana da Silva como imunologista da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
da USP, mas as publicações atribuídas a ele são todas da área de física de
partículas, ligadas à descoberta do
bóson de Higgs no Large Hadron Collider (LHC) — aquele
acelerador de partículas gigante na Europa. “Um imunologista que faz pesquisas
no LHC? Alguma coisa está errada”, pensei.
O próximo passo foi consultar a
plataforma Lattes do CNPq: De fato, há um pesquisador chamado João Santana da
Silva na FMRP USP (http://goo.gl/mtImJe),
extremamente competente, com bolsa de produtividade 1A e índice H 37. Mas ele é
bioquímico, trabalha com resposta imune a infecções parasitárias, e não tem
nada a ver com as pesquisas que são feitas no LHC. Os trabalhos de física
nuclear que aparecem no seu perfil do Google Scholar aparentemente pertencem a
um outro “J. Silva”, do Laboratório
de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), de
Lisboa, em Portugal.
Ou seja: o Google Scholar,
aparentemente, criou um “perfil frankenstein”, com cabeça de bioquímico
brasileiro e corpo de físico português. O mesmo parece ter ocorrido com o
número 8 da lista, G. S.
Oliveira Junior, que é um anestesista formado pela Universidade
Federal da Bahia, mas aparece no Google Scholar com o mesmo currículo de físico
nuclear ligado ao LHC.
Entrei em contato por e-mail com
um dos autores responsáveis pelo ranking, Isidro Aguillo, no sábado (28). Ele concordou
que as informações no Google Scholar estavam incorretas e disse que a lista
seria corrigida o mais rápido possível.
Registro de uma colisão de prótons no experimento
ATLAS. Crédito: ATLAS Experiment
Dito isso, voltemos à
argumentação do início deste artigo:
Mesmo que a lista estivesse
correta, ela não poderia, de maneira nenhuma, ser vista como um ranking dos
“melhores” cientistas do Brasil. É um ranking de índice H, e ponto.
Afinal,
o que significa ser “melhor”? Todos os dez primeiros colocados no ranking
(já excluindo Silva e Oliveira Junior) são físicos — vários deles, de fato,
físicos de partículas ligados aos experimentos do LHC, que levaram à descoberta
do bóson de Higgs. Ok, mas o fato de eles terem o índice H mais alto significa
que eles são os “melhores” cientistas do Brasil? Claro que não. Significa que
eles são excelentes cientistas, sem dúvida.
O Brasil, felizmente, apesar de todas as
dificuldades, tem cientistas de altíssima competência em diversas áreas:
física, química, biologia, medicina, agronomia, etc. E não há nenhuma “métrica
universal” que permita comparar a qualidade de todos eles numa tacada só.
O
índice H é um indicador valioso, mas que deve ser avaliado com pesos diferentes
para cada área do conhecimento, pois seu impacto varia de acordo com o número
de pesquisadores e de publicações que se dedicam ao estudo de um determinado
tema. Por exemplo: o número de cientistas que trabalham com ecologia de
formigas é muito menor do que o de pesquisadores que trabalham com física
nuclear. Assim, mesmo o melhor especialista em formigas do mundo nunca vai ter
um fator H tão alto quanto o de um físico que trabalha com partículas
elementares, porque um trabalho sobre formigas (por mais pioneiro e
revolucionário que seja) nunca vai ter um número tão grande de citações quanto
o de um trabalho sobre a matéria-prima do universo.
Então, quem é “melhor cientista”,
o físico com um índice H 90 ou o ecólogo com um índice H 20? Nem um nem outro.
Ambos podem ser igualmente os melhores cientistas em suas respectivas áreas de
pesquisa. Não dá para comparar a competência de um e outro com uma mesma régua.
Seria como determinar quem é o “melhor jogador” de um time de futebol
baseando-se apenas no número de gols marcados, sem levar em conta as diferentes
funções e características de cada posição.
E não é só isso… Há muitas outras
diferenças e detalhes que precisam ser levados em conta nesse tipo de
comparação. Um cientista que não publica tantos trabalhos, mas que orienta
muitos alunos e forma grandes pesquisadores para o futuro pode estar
contribuindo para a ciência brasileira de forma mais significativa do que
alguém que publica um trabalho por mês, mas não orienta ninguém. Assim como
alguém que publica um trabalho de grande impacto por ano pode ser um
pesquisador muito “melhor” do que alguém que publica um trabalho de baixo
impacto por mês. E o que vale mais: ser colaborador num grande projeto
internacional ou capitanear um projeto de pesquisa básica para atender a alguma
demanda científica local? Tudo isso é importante e precisa ser valorizado.
Diferenciar um bom cientista de
um mau cientista é fácil. Ranquear aqueles que são bons é muito mais difícil.
Talvez impossível.
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