Recente apreensão feita pela Polícia Federal mostra
que as pessoas ainda acreditam na chamada "pílula do câncer". No final de agosto a Polícia
Rodoviária Federal apreendeu 1,4 mil frascos de fosfoetanolamina que estavam
sendo transportados ilegalmente para o Paraguai. O produto é oficialmente
vendido pela internet para consumidores brasileiros como "suplemento alimentar",
mas as pessoas ainda o compram por acreditarem que cura o câncer.
Professor
Luiz Carlos Dias (IQ-Unicamp): "Nós, cientistas, precisamos ser mais
intolerantes com o que nos parece errado. A fosfoetanolamina virou um caso de
enorme gravidade no país! Todos os resultados divulgados pelo grupo de trabalho
montado pelo então Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para
esclarecer a questão, aliados aos resultados dos testes em humanos realizados
pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), mostraram que a
substância não tem nenhuma atividade anticâncer. A ciência séria, conduzida com
ética e respeito deu uma resposta extraordinária para a sociedade brasileira!”
A
polêmica da fosfoetanolamina – que vem sendo usada como remédio para câncer há
cerca de duas décadas sem aval científico nem fiscalização sanitária – tomou
corpo há cerca de dois anos e chegou ao auge quando a presidente Dilma Rousseff
sancionou lei que permitia seu uso – posteriormente derrubada pelo Supremo
Tribunal Federal.
"Sancionar
esta lei é uma decisão insensata e sem fundamento. A substância não passou
pelos ensaios clínicos exigidos pela legislação. Em vez disso, foi impulsionada
pelo entusiasmo de parte da população, que acredita que a pílula seja capaz de
curar todos os tipos de câncer - algo inviável do ponto de vista científico e
médico", afirmou na época o então presidente da SBQ, professor Adriano D.
Andricopulo, pesquisador com amplo trabalho na área de fármacos.
A
comunidade científica reagiu, o produto foi analisado a pedido do Ministério da
Ciência Tecnologia e Inovação pelo Laboratório de Química Orgânica Sintética do
IQ-Unicamp, coordenado pelo professor Luiz Carlos Dias, no âmbito do
INCT-INOFAR. "Acreditávamos que havia apenas fosfoetanolamina no grau de
pureza informado pelo grupo do IQSC-USP. Para nossa surpresa encontramos
fosfoetanolamina, mas não como descrita pelo fabricante, e mais quatro
substâncias que não deveriam estar lá", descreveu Dias, naquela
oportunidade.
Em
maio de 2016 o governo paulista anunciou investimento de dois milhões de reais
em testes clínicos realizados pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo.
Estes testes foram recentemente encerrados depois de constatarem a ineficácia
da fosfoetanolamina como fármaco contra o câncer. E nessa época algumas
empresas começaram a vendê-la como suplemento alimentar.
O
presidente da SBQ, professor Aldo Zarbin (UFPR) manifestou sua preocupação com
o fato. "Apoiamos sem restrições o relatório dos cientistas escolhidos
pelo MCTI para analisar o caso. E o relatório é muito claro: não há nenhum
indício, nenhum dado científico, de que a fosfoetanolamina tem efeito positivo
no tratamento contra o câncer. E mais, a fosfoetanolamina que vem sendo
comercializada não é pura. Obviamente a SBQ é absolutamente contra a
comercialização de uma substância impura e ineficaz".
O
professor Luiz Carlos Dias (IQ-Unicamp) é um dos principais químicos na área de
síntese orgânica e química medicinal do Brasil, especialista em pesquisas que
visam o desenvolvimento de novos fármacos e medicamentos. Fez pós-doutorado em
Harvard, orientou mais de 90 alunos de iniciação científica, pós-graduação e
pós-docs, e ministrou 167 conferências no Brasil e no exterior. Pesquisador 1A
do CNPq, autor de 105 trabalhos com mais de 2.700 citações, ele teve seu
laboratório credenciado pela Organização Mundial da Saúde como referência na
síntese de compostos para o tratamento da doença de Chagas. Tem colaborações
internacionais para o desenvolvimento de novos medicamentos para tratamento de
doenças parasitárias tropicais negligenciadas e teve trabalhos em destaque de
capa nas principais revistas de síntese orgânica e química medicinal.
Na
semana passada, por alertar as pessoas sobre o perigo de comprar
fosfoetanolamina sintética como suplemento alimentar, o professor Luiz Carlos
Dias sofreu ataques nas redes sociais por parte de um comerciante de
fosfoetanolamina.
O
professor da Unicamp conhece bem as cápsulas de fosfoetanolamina. Ele analisou
e caracterizou o conteúdo das pílulas produzidas no final de 2015, provenientes
do IQSC-USP, sintetizou os diferentes componentes das cápsulas em sua forma
pura e analisou o contéudo de duas das marcas que agora estão sendo vendidas
como suplemento alimentar pela internet.
Leia
depoimento do Professor Luiz Carlos Dias sobre o caso:
Nós,
cientistas, precisamos ser mais intolerantes com o que nos parece errado. A
fosfoetanolamina virou um caso de enorme gravidade no país! Todos os resultados
divulgados pelo grupo de trabalho montado pelo então Ministério de Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI) para esclarecer a questão (http://www.mcti.gov.br/relatorios-fosfoetanolamina),
aliados aos resultados dos testes em humanos realizados pelo Instituto do
Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), mostraram que a substância não tem
nenhuma atividade anticâncer (http://ciencia.usp.br/index.php/2017/03/31/fosfoetanolamina-nao-e-eficiente-contra-o-cancer-em-pessoas/).
A fosfoetanolamina não cura nenhum tipo de câncer. O grupo de trabalho montado
pelo MCTI mostrou que as cápsulas do Instituto de Química da Universidade de
São Paulo em São Carlos (IQSC-USP) eram muito impuras e uma pequena atividade
anticâncer foi observada apenas contra melanoma, mas cerca de 3000 vezes menor
que a do antitumoral cisplatina. E esta atividade marginal foi observada para
uma impureza presente nas cápsulas do IQSC-USP, a monoetanolamina, não para a
fosfoetanolamina. Nós testamos em nosso laboratório na UNICAMP, no âmbito do
INCT-INOFAR, tanto as cápsulas provenientes do IQSC-USP como cada um dos
compostos da mistura, preparados em sua forma isolada e pura. O ICESP também
testou em humanos a fosfoetanolamina preparada no laboratório PDT-PHARMA pelo
grupo de São Carlos. Na fase de testes clínicos, o ICESP observou alguma
pequena melhora em apenas um paciente, de um grupo de 72 pessoas, exatamente
para melanoma, que pode inclusive ser devido a efeito placebo ou como resultado
de tratamento anterior com quimioterapia. A ciência séria, conduzida com ética
e respeito deu uma resposta extraordinária para a sociedade brasileira! Estava
provado que a fosfoetanolamina como cura do câncer era uma invenção.
Quando
o MCTI começou a divulgar os resultados dos estudos realizados pelo grupo de
trabalho montado pelo MCTI, nós fomos acusados pelo Prof. Gilberto Orivaldo
Chierice e seus colegas defensores da fosfoetanolamina, em várias ocasiões,
inclusive no plenário do Senado Federal, uma casa do povo brasileiro, de
subornar (sic) resultados, de deturpar a fórmula criada por eles, de agir de
má-fé e de adicionar bário na fosfoetanolamina deles.
Parte 1:
(Fosfoetanolamina – pesquisadores
denunciam no senado fosfo falsificada pelo MCTI)
Parte 2 (continuação):
(Criador da fosfoetanolamina
contesta grupo de trabalho do governo: suborno de dados é má-fé)
Fomos
acusados, dentre outras coisas, de usar uma síntese que não era a deles, de
usar uma síntese em que adicionávamos bário, o que é um completo absurdo. O
bário está sim presente, mas apenas nas cápsulas do IQSC-USP, não na que
sintetizamos na UNICAMP. Infelizmente nós não fomos convidados a estar
presentes nesta sessão no Senado Federal e não nos foi dada a oportunidade de
defesa ou teríamos comparecido, por razões óbvias.
Em
maio de 2016, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) organizou um seminário
público em sua sede no Rio de Janeiro, convidando o grupo de trabalho do MCTI e
os criadores da fosfoetanolamina para discutir frente a frente os resultados,
mas embora tenhamos ido ao seminário, os criadores da fosfoetanolamina não
compareceram.
1. https://www.youtube.com/watch?v=q6Es2vn3IAw
(Seminário sobre Fosfoetanolamina - Manhã)
2. https://www.youtube.com/watch?v=fIP_cesJlnY
(Seminário sobre Fosfoetanolamina – Tarde)
Em
uma de suas falas no Plenário do Senado Federal, o Dr. Marcos Vinícius de
Almeida, do grupo do Prof. Chierice, após sugestão do então Ministro Celso
Pansera, de lançar a fosfoetanolamina como suplemento alimentar (em minha
opinião, também de forma equivocada), afirmou que lançar como suplemento seria
"patifaria". Contudo, após a divulgação dos resultados em humanos
pelo ICESP e a comprovação de que a fosfoetanolamina não cura câncer, eles
perceberam que lançar como suplemento alimentar seria a alternativa
comercialmente viável para o seu produto. Assim, o Dr. Marcos e o Dr. Ricardo
Meneguelo aparentemente romperam com o Prof. Chierice e decidiram lançar a
fosfoetanolamina como suplemento alimentar, nos Estados Unidos (USA). Eles
passaram a produzir o suplemento de fosfoetanolamina no laboratório Federico
Diaz, no Uruguai e a comercializar pela Quality Elements, em Miami. Como já
havia um suplemento alimentar contendo fosfoetanolamina nos Estados Unidos,
vendido pela New Life e que seria, portanto, um forte concorrente deles, foi
feito um enorme trabalho de publicidade a fim de associar a fosfoetanolamina da
Quality Elements à cura do câncer e a ANVISA suspendeu a propaganda enganosa
proibindo a comercialização de fosfoetanolamina no Brasil.
Há
poucos dias, mais uma quadrilha foi pega, agora em Cascavel, no Paraná,
vendendo cápsulas do suplemento contendo fosfoetanolamina, da marca New Life,
concorrente da marca Quality Elements. Este suplemento da New Life é o Phospho
2-AEP, suplemento à base de zinco, que, segundo o site da empresa, contém
cálcio e magnésio, além da fosfoetanolamina. Este suplemento foi e está sendo
atacado por Marcos Vinícius, Renato Meneguelo e todos os que defendem a
fosfoetanolamina da equipe do Prof. Gilberto Chierice. Isto dá para ter uma boa
idéia do caso, complicadíssimo! Eles dizem que este suplemento e outros à base
de fosfoetanolamina são falsificados e apenas o suplemento produzido pela
Quality Elements e preparado com o aval deles é o confiável!
Nós
não temos informações se estes frascos de suplemento pegos pela PRF em Cascavel
são procedentes dos USA, o que configura contrabando internacional, ou se estão
sendo produzidos e falsificados aqui no Brasil (http://g1.globo.com/pr/oeste-sudoeste/noticia/prf-apreende-14-mil-frascos-de-medicamento-estudado-para-o-tratamento-do-cancer.ghtml?utm_source=facebook&utm_medium=share-bar-desktop&utm_campaign=share-bar).
Nós
adquirimos no nosso laboratório em Campinas cápsulas de fosfoetanolamina
vendidas como suplemento alimentar de dois fornecedores americanos, Cardan
Wellness e Quality Elements e fizemos análise independente. Por estes frascos
analisados, é possível afirmar que ambas tem os mesmos componentes das cápsulas
do IQSC-USP em diferentes proporções e até mais impurezas que as contidas nas
cápsulas produzidas originalmente no IQSC-USP. Se você conhece alguém que usa
estes produtos, avise para parar, pois os mesmos contém impurezas de outras
naturezas além das anteriormente detectadas na fosfoetanolamina produzida pelo
grupo de São Carlos, que já era muito impura. Eu convidei o Dr. Marcos Vinicius
de Almeida, que me ofendeu publicamente após minha postagem a respeito do
assunto em meu perfil no Facebook a vir ao meu laboratório trazendo frascos
lacrados de seu suplemento, que eu teria o prazer em analisar e elaborar um
laudo oficial. Até o momento não tive qualquer resposta.
Os
ativistas pró-fosfoetanolamina acreditam que tanto a Globo, o Dr. Paulo Hoff, o
Dr. Dráuzio Varella e o grupo montado pelo MCTI, onde me incluo, somos todos
corrompidos pelas grandes indústrias farmacêuticas. Mas ao que parece,
felizmente muitos deles estão mudando de opinião. Hoje eu estou sendo procurado
por pessoas que acreditavam no grupo do Prof. Chierice e criticavam minha
postura contra a fosfoetanolamina. Há grupos no facebook, inclusive com mais de
20.000 membros que, no passado, acreditavam no Professor Gilberto Chierice e
sua equipe. Há entidades que amparam pacientes com câncer e hoje percebem os
"enganos" cometidos pelo grupo ligado ao Prof. Chierice. Hoje, vários
grupos já não acreditam mais na promessa de cura do câncer e estão solicitando
minha ajuda para testar a qualidade e os componentes das cápsulas destes
suplementos. Segundo relatos pessoais desses grupos, alguns destes suplementos
reforçam o sistema imunológico para ajudar o próprio organismo a lutar contra a
doença. Muitos deles sabem que a fosfoetanolamina não cura nenhum tipo de
câncer. Mas há os que acreditam. Aparentemente, alguns destes suplementos tem
ajudado muitas pessoas que fazem quimioterapia, que parecem não sentir com
tanta intensidade os efeitos colaterais adversos e parecem ser um bom adjuvante
à quimioterapia. Segundo relatos destes mesmos grupos, o mesmo não é observado
com outros suplementos à base de fosfoetanolamina, que parecem enfraquecer
ainda mais os pacientes e piorar o quadro de câncer, embora obviamente todos
estes relatos precisem de comprovação científica. Mas dá para se ter uma boa
idéia do caso, complicadíssimo! Como eu vejo: Há muitos grupos e ativistas com
diferentes objetivos. Alguns podem ter boas intenções, mas muitos outros tem
interesses escusos. Há os que defendem a fosfoetanolamina do IQSC-USP, outros a
da PDT-PHARMA, outros que defendem cada um dos diferentes suplementos contendo
fosfoetanolamina. É possível perceber que uns atacam os outros. Embora de forma
disfarçada, todos vendem os suplementos com a promessa de cura do câncer ou do
alívio dos sintomas. Alguns tem claramente interesses financeiros e tem muita
gente lucrando com a dor, o desespero e a falta de informação dos pacientes com
câncer. No meio desta fogueira de vaidades estão os pacientes com câncer e seus
familiares. Um caos!
Parece
também que a fosfoetanolamina produzida no laboratório PDT-PHARMA em Cravinhos
está sendo vendida e fornecida para atender liminares obtidas por pacientes na
justiça:
Muita
gente pode estar lucrando no atendimento às liminares e creio que isto deva ser
investigado pelas autoridades competentes. Inclusive, relatos de grupos que
antes eram pró-fosfoetanolamina do grupo do Prof. Chierice dão conta que a
fosfoetanolamina produzida no PDT-PHARMA é muito impura, contém a mesma
quantidade de bário detectada nos testes feitos em meu laboratório e está
prejudicando pessoas que, inadvertidamente, continuam acreditando nesta
história. Acreditamos que isso merece uma investigação cuidadosa!
Como
muito bem resumiu o jornalista Carlos Orsi, esta história envergonhou a ciência
brasileira, mas infelizmente parece longe de acabar (http://www.gazetadopovo.com.br/ideias/fosfoetanolamina-ocaso-que-envergonhou-a-ciencia-brasileira-d5wnxh6h28oop2z9b3xsg6v3w).
Luiz Carlos Dias
Prof. Titular – IQ-UNICAMP
Nota da Editora: No final de 2015, a convite do Ministério de Ciência,
Tecnologia e Inovação e em colaboração com o Laboratório de Avaliação e Síntese
de Substâncias Bioativas (LASSBio), do Instituto de Ciências Biomédicas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, coordenado pelo Prof. Eliezer
Barreiro, o Prof. Luiz Carlos Dias, analisou, no Laboratório de Química
Orgânica Sintética do IQ- UNICAMP (LQOS), os componentes químicos das cápsulas
de fosfoetanolamina (FOS) oriundas do Instituto de Química de São Carlos da
Universidade de São Paulo (IQSC-USP). A iniciativa envolveu ainda a realização
de testes in vitro e in vivo no Centro de Inovação de Ensaios Pré-Clínicos
(CIEnP), instituto privado localizado em Florianópolis, coordenado por João
Batista Calixto, ex-professor titular aposentado de Farmacologia da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e no Núcleo de Pesquisas e
Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará (NPDM-UFC),
coordenado pelo médico Manoel Odorico de Moraes, professor da UFC. Os cerca de
20 relatórios técnico-científicos gerados pelo Grupo de Trabalho montado pelo
MCTI estão divulgados no site especial criado pelo MCTI, dedicado a
fosfoetanolamina: http://www.mcti.gov.br/fosfoetanolamina
e http://www.mcti.gov.br/relatorios-fosfoetanolamina.
O resumo do relatório técnico científico sobre os testes químicos realizados
com as cásulas da "pílula do câncer" pode ser acessado em: http://boletim.sbq.org.br/noticias/2016/n2350.php.
Texto: Mario Henrique Viana (Assessor de Imprensa da SBQ)
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