Artigo de
Regina P. Markus, professora titular do IBUSP, membro da ABC e ACIESP, e dos
conselhos deliberativos da SBPC e do CNPq.
Estamos
sob uma nova velha ordem no Brasil que vem construindo uma ponte entre momentos
históricos. Como sempre, pouco conhecemos do passado recente, visto que apenas
conseguimos ver o que os nossos olhos, ou mesmo óculos conseguem focar. Assim,
em cada grupo ideológico, classe social ou origem parental temos opiniões
diferentes. Há, no entanto, “coisas” que consideramos essenciais e entre estas
está a educação e a saúde e outras que parecem ser muito importantes, mas que
podem ser relativizadas e entre estas está a ciência.
Ciência,
uma atividade que tem permitido a humanidade distinguir-se de outras espécies
levando o homem a domínio e uso de tecnologias cada vez mais avançados.
Atividade pouco compreendida que às vezes é romantizada, às vezes temida e
outras precisa ser controlada.
Um
fato é certo, a capacidade de gerar conhecimento é que tem distinguido nações e
povos ao longo da história. O domínio da agricultura e da tecnologia da
construção. A capacidade de singrar os mares e o espaço. A melhoria da condição
de vida através do progresso da medicina. Todos estes fatos, que foram
importantes na antiguidade, no início da Era Comum, na Idade Média e Moderna
continuam sendo na atualidade.
Vindo
para o mundo real lembro do dia 24 de outubro de 1924, a famosa quebra das
bolsas de Nova York. Falta de regulação e de comprometimento fez com que uma país
inteiro e o mundo sofresse grandes perdas, a partir de papel. E as empresas
estavam com dinheiro, e com estoques, mas não tinham para quem vender. No que
aplicar? No que investir? Conta a história que uma delas resolve investir em
perguntas básicos e saber se é possível formar longas cadeias de carbono
(polímeros). Muita química? Muito técnico? Sim, para a maioria, mas não para o
jovem William Carothers e a diretoria da Dupont. Era algo revolucionário na
época, mas era uma forma de investimento e a Dupont de 1924 investiu em ciência
básica e colheu os frutos dez anos depois, com o início da era do nylon e de
muitos outros polímeros.
Será
que é muito distante? Então voemos no tempo até 2016, e vamos avaliar o plano
quinquenal da China (2016 – 2020). O objetivo do 13o Plano
Quinquenal é que os trabalhos científicos da China passem a ser os segundos
mais citados no mundo e que os cientistas da China estejam entre os 10% mais
citados do mundo. O Fundo criado para este fim é gerenciado pela “National
Natural Science Foundation of China (NSCF)”. Esta vontade é traduzida em
investimento de 88.8 bilhões de yuans (13,6 bilhões de dólares).
E o
Brasil??? Nos últimos 40 anos, com investimento nacional e no caso de São Paulo
com um forte investimento estadual, o Brasil logrou alcançar o 13o lugar
em publicação e 18o em citações no mundo (Thomas Reuters,
SCImago, 1996-2014). Disto deveríamos nos orgulhar e continuar. Mas, ao invés
vemos o governo atual desmontar o sistema, e mais do que isto, começamos a ver
que existe estudos teóricos baseando estas atitudes (Fernanda de Negri, O
Estado de São Paulo, 7 de novembro de 2016). Estes estudos ignoram o obtido e
consideram que a ciência brasileira pouco contribuiu para o desenvolvimento do
País. Dizem que é preciso focar na busca do conhecimento. Sabemos que esta é a
forma ideal para chegarmos a muito pouco.
Nas
áreas em que o Brasil tem competência em absorver o conhecimento gerado, a
contribuição foi altamente significativa, como é o caso da agricultura – e isto
não só se reflete na competência econômica, como também retorna para a
competência científica – o Brasil responde por 10% dos trabalhos internacionais
nas áreas Ciências Agrícolas (Thomas Reuters, inCities – 2011). Em ciências
ambientais o Brasil responde por 7,4% – o que demonstra que também temos
visibilidade no caso de meio ambiente e biodiversidade – a nossa ciência vem
contribuindo de forma mensurável para o equilíbrio entre o desenvolvimento
humano e a saúde planetária.
Seguindo
nesta lista que mostra o quanto a ciência brasileira vem produzindo encontramos
a área de Farmacologia e Toxicologia – a indústria farmacêutica brasileira
engatinha e as internacionais têm suas bases científicas alhures… Então?? Neste
caso temos que considerar que os avanços obtidos em território nacional e nas
Universidades Brasileiras, com foco especial ao Campus de Ribeirão Preto da
USP, são marcos importantes na Farmacologia Internacional e que o Brasil está
inserido como capítulos básicos de livros textos e na história do desenvolvimento
de fármacos para hipertensão, inflamação e dor. Nominar apenas um Centro em
todo o território nacional é uma injustiça e é preciso deixar registrado que
centros de excelência científica são encontrados no Nordeste, Sudeste,
Centro-Oeste e Sul – e que alguns estão sendo formados na região Norte.
Respostas
rápidas a problemas emergentes só podem ser dadas quando a competência
instalada está ativa e articulada. Anos de financiamento, com avaliação
permanente e foco em excelência fizeram com que rapidamente os cientistas
brasileiros tivessem competência de focar na Zika e mostrarem que esta causava
microcefalia. Passo muito importante na busca da solução, quer individual, quer
de grupo.
Por
que a Ciência Brasileira não é reconhecida e encontra importantes críticos
dentro e fora das Universidades? A falta de capacidade de captação do
conhecimento e transferência do mesmo para o setor produtivo é uma questão que
tem que ser avaliada. Investimento dirigido por aqueles que podem consumir e
transformar, leis que permitam que esta transferência seja objetivada. Enfim,
temos que nos debruçar neste processo e encontrar formas adequadas de gerar
pessoal e competência na área de transferência. Mas, NUNCA, JAMAIS – tolher e
extinguir com todo o progresso já conseguido na GERAÇÃO de conhecimento. Não
existe conhecimento inútil.
A
desconstrução da ciência brasileira ora em curso precisa parar.
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