domingo, 18 de setembro de 2016

Ciência tem que ter critérios mais rígidos, diz presidente da Fapesp


          Além de trabalharem em um ambiente científico sólido, onde não falta dinheiro, José Goldemberg, 88, presidente da Fapesp, defende a tese de que os pesquisadores paulistas devem ter a barra de qualidade de seus trabalhos colocada mais no alto.
          O exemplo que usa é inspirado no atleta brasileiro Thiago Braz, 22, ouro na prova de salto com vara na Rio-2016. "Ciência é como competição olímpica mesmo. Tem que ser mais criterioso, apertar mais os parafusos", afirma Goldemberg, que completa um ano à frente da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) neste mês de setembro.
          Físico de formação, o cientista e administrador público tem em seu currículo uma extensa lista de cargos, desde o Ministério da Educação no governo Collor, até a reitoria da USP (Universidade de São Paulo) entre 1986 e 1990.
          O próprio prazo dos doutorados é um dos problemas que impede a melhoria do trabalho dos pesquisadores em início de carreira, diz ele.
          "Você tem até quatro anos para se doutorar [tempo que, em média, dura uma bolsa de doutorado]. Por quê? No exterior não tem isso – você ganha o grau de doutor quando acaba. A USP tem muitos doutorados por ano, 5 mil. Precisa ser mais exigente".
          Segundo Goldemberg, até mesmo a tese, geralmente requerida para a obtenção do título acadêmico, é algo discutível. "Existem universidades no exterior que você não apresenta tese, mas uma coletânea de artigos publicados em revistas científicas".
          Em grande medida, é por meio da avaliação da produção científica –medida pelo número e qualidade de artigos científicos– que os cientistas são avaliados, tanto para obtenção de verba para a pesquisa quanto na avaliação em concursos públicos.

AMIGOS, AMIGOS...
          Um dos possíveis contaminantes dessa maneira de avaliação (como em bancas de defesa de tese ou para a concessão de financiamentos) é a amizade entre avaliador e avaliado. Nesses casos, vigora a avaliação entre pares, ou seja, cientistas avaliam outros cientistas.
          "Aqui no Brasil não podemos ter critérios de amizades. Eles precisam ser objetivos. Outra má ideia é essa história de acabar com a nota das teses. O sistema quando tinha nota passava uma mensagem. Se você fosse aprovado com 9 ou 9,5, ficava bem. Não me lembro de ter dado nunca um dez em uma banca", afirma Goldemberg.
          Atualmente em universidades como USP e Unifesp só há dois conceitos: aprovado ou reprovado. Em uma banca, uma nota 7 deixaria claro para o postulante ao título que o trabalho apresentado não é tão bom assim.
          Para Goldemberg, falta o Brasil melhorar na publicação em revistas de alto prestígio, critério em que o país amarga colocações de medianas a ruins em rankings internacionais, como o Nature Index –apesar do crescente número total de publicações nas últimas décadas.
          Mesmo assim, sobre a situação de São Paulo, onde atua a fundação, Goldemberg faz questão de frisar que o sistema científico do Estado é bastante sólido, principalmente porque houve financiamento contínuo, ao longo de décadas.
          "A maioria dos pesquisadores do Estado de São Paulo –5 mil na USP, 2 mil na Unicamp e outros 2 mil na Unesp–, tem o básico. Eles têm o que precisam. No Estado, há trabalho sério sendo feito e é algo permanente".
          Todas as áreas de conhecimento em que o Brasil tem destaque no exterior, seja em astronomia ou nas pesquisas contra o vírus da zika ou em mudanças climáticas, por exemplo, lembra Goldemberg, têm recursos da Fapesp.
          Nos apoios às pesquisas, a fundação não paga salários, somente bolsas. Em algumas modalidades há um aporte de recursos maior para bancar a aquisição de equipamentos. Já a infraestrutura tem de ser fornecida pela instituição à qual o pesquisador é filiado.

PESQUISA INÚTIL
          O fato de a concessão de bolsas e auxílios de pesquisa na Fapesp serem baseados na meritocracia, para o presidente José Goldemberg, é que faz a fundação sempre apoiar ideias criativas, inovadoras.
          A afirmação sobre a utilidade da pesquisa bancada pela Fapesp vai de encontro ao discurso do governador Geraldo Alckmin (PSDB). Em abril deste ano, o tucano disse, em reunião de secretários, que a Fapesp vem priorizando estudos sem utilidade pública.
          Relativamente baratas de serem realizadas, as pesquisas em ciências humanas, criticadas pelo governador, recebem cerca de 10% dos recursos da instituição anualmente.
          "Sobre a afirmação do governador, é importante contar a história toda", afirma Goldemberg. A Fapesp foi implementada em 1947, "com um forte componente cultural e científico", diz. Mas, na Constituinte estadual de 1989, "de forma muito acertada", avalia Goldemberg, a missão da instituição também passou a ser o fomento tecnológico. Para isso, a receita tributária repassada foi de 0,5% para 1%.
          "A transição para incluir pesquisa tecnológica demorou um pouco. De 1989 para cá o pessoal está aprendendo. Temos uma quantidade muito grande de programas que não são acadêmicos como no passado". Cerca de metade do orçamento investido pela Fapesp em 2015 foi aplicado em pesquisa com vistas em aplicações diretas.
          A fundação lança hoje o Relatório de Atividades de 2015. A porcentagem do ICMS recebido do Estado em 2015 ficou em cerca de R$ 1,0 bilhão. No mesmo período foram gastos R$ 1,2 bilhão.
          "Em 2015, aprovamos um Pipe (Programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas) por dia. São programas ótimos, a fundo perdido. Na Olimpíada, os balões que faziam monitoramentos climáticos saíram de uma dessas start-ups. Nós não geramos nenhum Bill Gates ainda, mas a França também não. A Inglaterra também não. Quando há um sistema sólido, essas pessoas vão aparecendo", diz Goldemberg.

Por EDUARDO GERAQUE e GABRIEL ALVES, Folha de São Paulo, 14/09/2016.

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