Helena Nader
06/05/2016, Folha de São Paulo.
Se numa transição governamental normal
(via eleições) a Ciência e a Educação devem ser entendidas e tratadas como
política de Estado, a assunção de um novo governo pelo afastamento, temporário
ou definitivo, do anterior não pode negar essa condição aos temas que mais
dizem respeito ao futuro do país.
A notícia de que um bispo licenciado
da Igreja Universal do Reino de Deus (Marcos Pereira, presidente nacional do
PRB) é cotado para assumir o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, em
eventual governo Temer, mostra que a barganha política está acima dos critérios
de competência, afinidade e compromissos com a área.
Não temos nada contra religiões, nem
contra a pessoa do político cotado para o posto, mas não se pode misturar
preceitos religiosos com a Ciência. Precisamos de um ministro empenhado no progresso
científico, com conhecimento a acrescentar, e não de um político com agenda
religiosa.
Durante décadas, repetimos
exaustivamente que os rumos da Ciência e Tecnologia e da Educação não poderiam
continuar submetidos exclusivamente aos interesses do governante que estivesse
ocupando o Palácio do Planalto.
O Brasil caminhou e podemos dizer que,
nos últimos anos, Ciência e Tecnologia e Educação vêm avançando
progressivamente para atingir o status de políticas de Estado. Portanto, não
podemos admitir a possibilidade de retrocessos.
Conseguimos, a partir do momento em
que a educação passou a superar a condição de política de governo,
universalizar o acesso ao ensino básico, estabelecer mecanismos de avaliação em
todos os níveis do sistema e envolver a sociedade nas lutas pela melhoria da
escola.
Ainda precisamos universalizar a
qualidade do ensino, especialmente na escola pública. O tamanho dessa tarefa
nos faz exigir, na iminência de um novo governo, que as questões educacionais
tenham tratamento à altura deste desafio: gente competente no Ministério da
Educação (do ministro aos chefes de programas), orçamento condizente com a
importância da pasta, eficiência administrativa e diálogo com a comunidade
educacional.
Com a Ciência, o quadro é o mesmo:
avançamos nos últimos anos, mas há chão pela frente – principalmente porque o
conhecimento científico está associado a três níveis de desenvolvimento
indispensáveis ao Brasil de hoje e de amanhã.
Um nível é o da Ciência como base do
desenvolvimento tecnológico e da inovação, ferramentas cada vez mais utilizadas
para a promoção da competitividade das empresas e das economias nacionais.
O outro nível é o de desenvolvimento
humano. Por exemplo, ao potencializar a funcionalidade de alimentos; ao
pesquisar doenças, suas causas, comportamento e remédios; ao desenvolver
equipamentos de alta tecnologia para diagnóstico e cura de enfermidades.
O terceiro nível é o da
sustentabilidade ambiental com desenvolvimento econômico. Conhecer e explorar
nossos recursos naturais são dois aspectos que se interligam. Não há outra
alternativa que não seja recorrer à Ciência para termos as respostas que nos
indiquem os caminhos corretos para utilização das riquezas da nossa
biodiversidade.
Nesses três níveis, a Ciência
brasileira já caminhou consideravelmente, mas ainda tem muito a contribuir com
o país. Portanto, para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação também
deve haver pré-requisitos: escolha de um ministro compromissado com o saber
científico, seu desenvolvimento e sua aplicação; orçamento que acompanhe a
curva histórica de crescimento; investimento equilibrado em Ciência básica e na
sua aplicação.
Precisamos de ações e pessoas à altura
do Estado brasileiro.
HELENA
NADER,
68, biomédica e professora titular de biologia molecular da UNIFESP, é
presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
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