sábado, 14 de novembro de 2015

Pesquisador e Anvisa apresentam suas versões sobre a fosfoetanolamina em audiência pública



Por Viviane Monteiro, Jornal da Ciência.

Gilberto Orivaldo Chierice, professor da USP que liderou os estudos sobre a eficácia da substância em pacientes com câncer, relatou encontro com presidente da Anvisa ainda na década de 1980. A representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária disse, porém, que informações necessárias para as avaliações dos protocolos dos ensaios clínicos foram solicitadas, mas não chegaram à instituição.

          Sob críticas e pressão de parlamentares, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) admitiu que a instituição foi procurada pelos pesquisadores em 2010 a fim de dar início aos protocolos de pesquisas com humanos para comprovar a eficácia da fosfoetanolamina, substância que se mostra promissora no combate ao câncer. A superintendente de Medicamentos e Produtos Biológicos do órgão regulador, Meiruze Souza Freitas, disse, porém, que informações necessárias para poder fazer as avaliações dos protocolos dos ensaios clínicos foram solicitadas, mas não chegaram à instituição.
          O esclarecimento de Freitas foi concedido após o relato do cientista Gilberto Orivaldo Chierice, professor e pesquisador aposentado da Universidade de São Paulo (USP), de que os pesquisadores procuraram o órgão regulador e laboratórios farmacêuticos em busca de apoio para os ensaios clínicos e a produção profissional da substância.
          Esses depoimentos foram um dos pontos mais aguardados da audiência pública, realizada nesta quinta-feira, 12, na Comissão de Seguridade Social e Família, na Câmara dos Deputados, em Brasília, que reuniu dezenas de parlamentares, pacientes com câncer em defesa da liberação da substância, pesquisadores e outros interessados no tema. Um dos argumentos difundidos é de que os pesquisadores foram desacreditados por não seguirem os procedimentos normais para realização dos testes clínicos de apoio de laboratórios.
          Na audiência, realizada em duas etapas (manhã e tarde), a dirigente da Anvisa tentou rebater as críticas de parlamentares sobre burocracia, morosidade da instituição no âmbito da análise dos protocolos de pesquisas clínicas, além e submissão ao lobby da indústria farmacêutica internacional em detrimento do avanço científico nacional.
          A representante da Agência disse que a reunião em 2010 no órgão, registrada em ata, foi realizada, sobretudo, com a área técnica da pesquisa clínica e da área de eficácia e de segurança da Anvisa. Segundo seu depoimento, o encontro foi fruto de uma solicitação de audiência com a presidência, mas participaram da reunião técnicos e especialistas da Anvisa, que deram orientação sobre os passos relacionados aos registros das pesquisas e solicitaram informações sobre os dados necessários para que uma prévia-avaliação pudesse ser feita. Ela ressaltou, porém, que esses dados não chegaram à instituição.

Versão do cientista
          Na versão de Chierice, que iniciou as pesquisas no fim da década de 1980, a reunião dos pesquisadores foi com a presidência. “Quando estivemos no órgão, o presidente da Anvisa da época (Dirceu Raposo de Mello) nos convidou para começar os trabalhos juntamente com a Fiocruz. Não fomos registrar o produto. Fomos buscar uma orientação para que a Anvisa conduzisse os papéis. Tanto é que para fazer os dados clínicos nos foi sugerido hospitais militares, porque eram os hospitais de confiança do governo”, recordou o cientista, assegurando ter tudo documentado.
          “É uma papagaiada o que está na imprensa. Vira e mexe surge a pergunta se fomos ou não fomos a Anvisa. Eu não minto. O deputado que estava presente conosco tirou uma foto há quatro anos. Não fui eu que tirei, foi ele”, complementou o cientista, referindo-se a uma foto do encontro apresentada pelo deputado Reginaldo de Oliveira Lopes (PT/MG) na audiência pública e que mediou o encontro da época.
          O cientista acrescentou que a Fundação Oswaldo Cruz foi procurada em seguida. “Temos também documentos de que procuramos a Fiocruz, que disse que poderíamos iniciar os trabalhos. Isso foi conversado com a instituição, onde estavam todas as autoridades competentes da área de saúde. Foi-nos dito, porém, que só poderíamos iniciar os trabalhos se a patente fosse transferida”.
          Chierice afirmou que a conversa não avançou porque a patente da fosfoetanolamina sintética não tem finalidade comercial. Segundo disse, está em nome de cinco cientistas envolvidos na pesquisa e o registro da patente é para proteção da substância. “Essa patente existe única e exclusivamente para proteger a substância. Dentro da universidade fizemos muitos trabalhos que foram para gaveta e para evitar que a fosfoetanolamina ficasse na gaveta, a patente teria de pertencer a alguém. E esse alguém era eu e meus alunos”, destacou, sob aplausos da plateia.
          O cientista foi questionado sobre o fato de não ter fechado acordo com a Fiocruz e respondeu que não aceitou o acordo “porque não garantiria que a substância chegaria ao povo e que poderia ficar engavetada.”

Bola para frente
          A representante da Anvisa entende, porém, que o momento atual é outro e que não é o caso de olhar pelo retrovisor. “O que precisamos fazer agora é avaliar os dados atuais”, pontuou. Freitas disse que a intenção é avaliar o quão promissores são dados apresentados pelos pesquisadores e se também é possível encurtar alguma etapa para os estudos clínicos -, mas de forma responsável, para não atropelar a velocidade necessária da realização dos testes com seres humanos para comprovar a eficácia da substância e sobre a toxicidade da droga.
          “Não podemos fazer isso sem pular as etapas. Há muitos relatos interessantes que mostram que há perspectiva de resposta positiva, mas os estudos clínicos devem ser controlados e padronizados para chegarmos a uma conclusão sobre o medicamento”. Ela destacou que em outros países a fosfoetanolamina é utilizada como suplemento de cálcio, mas não sem indicação terapêutica. “São utilizados como suplementos e não como medicamentos”, esclarece.
          Freitas frisou que a Anvisa segue os padrões internacionais e defendeu o procedimento técnico do quadro de funcionários da Agência para avaliar o risco da exposição dos pacientes a uma nova droga. Segundo disse, a avaliação de uma molécula nova demora em torno de 360 dias no mundo e a de novas drogas, em torno de 270 dias, procedimentos semelhantes aos adotados no Brasil.
          Ainda em resposta aos parlamentares, a especialista da Anvisa acrescentou que a submissão “de um dossiê” na agência reguladora precisa ter a participação de uma empresa ou indústria para desenvolver o produto em estudo e assumir a responsabilidade do medicamento no mercado. Acrescentou, ainda, que o órgão controlador “não tem a menor intenção” de proibir ou de limitar o acesso a uma droga que tenha eficácia terapêutica comprovada.

História da fosfoetanolamina
          Chierice fez um relato sobre a trajetória de estudos sobre a fosfoetanolamina sintética, princípio ativo compatível ao pH (potencial hidrogeniônico) do organismo humano e que, segundo ele, combate células cancerígenas. A pesquisa foi iniciada entre o fim de 1989 e início da década de 1990. De acordo com os pesquisadores, a fosfoetanolamina tem mais de 50 anos de história e foi isolada e identificada na década de 1930. Os pesquisadores garantem que não há efeito colateral do uso do produto.
          O pesquisador disse que a substância brasileira é sintetizada de forma inédita no mundo. Enquanto o grama de fosfoetanolamina é comprado por US$ 2,5 mil no mundo, “a nossa” tem rendimento de 98%. “Essa é a patente que temos. O resto, vocês me perdoem, mas é muita falação para uma coisa que é exata”, disse o cientista, econômico nas palavras quando fala com a imprensa.
Quando foi questionado pela imprensa se lamentava a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo de cancelar a distribuição da fosfoetanolamina, ele respondeu que “não”. “Acho que você tem que perguntar ao juiz, por que ele fez isso. Talvez ele não precise das cápsulas, agora. Talvez mais tarde, sim. Aí, vamos ver”, provocou.
          Na audiência pública, Chierice recordou que os testes com humanos começaram em 1995, na comissão de ética (CEP) do Hospital Amaral Carvalho, dois anos antes da criação da Anvisa, em 1997. Conforme relatou, esse foi um acordo fechado com a USP. O procedimento, de acordo com ele, foi “igualzinho” ao que acontece hoje nas CEPs distribuídas em hospitais universitários e em instituições de pesquisas, dentre outros.
          “A comissão de ética se reuniu, escolheu a área, escolheu o produto e pediu a permissão ao famoso Ministério da Saúde, que foi concedida. O hospital, então, começou a trabalhar”, declarou ele, que diz não ter informações sobre o fato de o hospital hoje não ter o histórico desses dados clínicos.
          O cientista acrescentou, porém, que a substância é doada há 20 anos no Brasil “e existe muita gente viva em razão dela”. Calculou, grosseiramente, que mais de 50 mil pessoas usaram a substância. “Têm muito médico, pai de médico, filha de médico, mãe de médico e filho de médicos curados. O médico pede a fosfoetanolamina para sua família. Mas para o paciente não.”
Ele disse não temer que a substância possa ser patenteada no mundo, diante do impasse brasileiro. Nesse caso, sugeriu apenas que a substância chegue ao paciente com câncer. Ele desconhece estudos semelhantes ao do Brasil no mundo e destacou que a ciência internacional está interessada no tema. “Tenho convite da Nature e tenho publicações internacionais de revistas de câncer”.
          O deputado Celso Russomano (PRB/SP) foi um dos parlamentares que defenderam a liberação da substância. Citou o caso de seu pai, com 86 anos, que está com câncer e sem condições de fazer a quimioterapia porque a saúde está debilitada. Disse ter entrado com ação judicial, sem sucesso, para que o pai pudesse receber as cápsulas e ser voluntário no uso da substância.

Eficácia
          Para o chefe do Laboratório de Imunologia do Instituto Butantan, Durvanei Augusto Maria, um dos responsáveis pela fosfoetanolamina, a substância tem efeitos comprovados cientificamente no tratamento de vários tipos de câncer, como o de mama, rins, leucemia e na boca. “A fosfoetanolamina tem potencial para ser uma nova droga para o tratamento de tumor na cavidade oral. É a primeira vez que isso acontece”, assegurou.
          Augusto Maria apresentou resultados de pesquisas via imagens que mostravam bolhas na superfície das células e disse que os estudos comprovam a redução dos tumores e a morte das células cancerígenas.
          Ele garantiu que o Brasil tem tecnologia para produzir o fármaco para atender a população e cobrou um posicionamento efetivo de como ficará a liberação da substância e o atendimento aos pacientes.  “Temos que ter ações que possam ser conclusivas. Não queremos burlar as fases (das pesquisas), mas pelos estudos, pelos anos de pesquisa e pelo material disponível que podem ser compilados em um dossiê, etapas em menor período de tempo podem ser efetivas”, sugeriu.

Posicionamento da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica
          O representante da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), o médico Sandro Martins, reconheceu que a fosfoetanolamina é uma substância promissora para o tratamento do câncer, mas não recomendou o uso das cápsulas “azuis e brancas” pelas vítimas de câncer, antes da realização, controlada pela Anvisa, dos ensaios clínicos para determinar os níveis de segurança ao uso humano.
          Embora seja uma substância conhecida, o médico disse que o papel desse tratamento no ser humano ainda não foi observado de maneira sistematizada, o que interfere no conhecimento sobre efeitos colaterais do uso do produto. “Efeitos colaterais não estudados não quer dizer que não existam. Até a água é tóxica, dependendo da dose que se ingerir. E não é possível que a fosfoetanolamina seja mais segura do que a água”, alertou.
          Martins avaliou os ensaios pré-clínicos apresentados pelos pesquisadores na audiência pública e disse que na medida em que se aumenta a dose do medicamento para melhorar o efeito antitumoral, pelos modelos in vitro, é de se esperar que o aumento da dose da substância em seres humanos possa levar ao aparecimento de toxidade: “Em algum momento, essa toxidade pode se tornar proibitiva, porque se torna maior do que a proporção dos benefícios proporcionados”.
          “Esse intervalo de dose entre o mínimo que produz uma eficácia interessante e o máximo de toxidade aceitável torna-se o que se chama de janela terapêutica que todo medicamento tem. Pode ser que a fosfoetanolamina tenha uma janela terapêutica infinita. Ou seja, pode-se ingerir 7 kg da substância e não se verificar toxidade. Mas isso há de ser demonstrado”, complementou.
          Em outra etapa da audiência pública, o cientista Renato Meneguel, médico do grupo responsável pela descoberta da substância, respondeu que foram realizados testes de toxidade com humanos, embora não tenham sido controlados pela Anvisa. Ele apresentou laudos médicos produzidos por toxicologistas da UNESP de Botucatu, interior de São Paulo, e acrescentou que os testes pré-clínicos foram realizados baseados nos protocolos americanos. “Falaram aqui ser necessário fazer testes de letalidade (DL 10). Isso quer dizer 10% de mortalidade dos animais. Mas já avaliamos que a dose letal média é de 50%”, acrescentou.
          “A fosfoetanolamina não é manipulada. Ela é sintetizada”, disse o médico, sobre críticas de que a substância poderia ser comprada industrialmente. “O que é comprada industrializada é a substância para fazer shampoo, que não está dentro dos padrões do pH do corpo humano e nem dentro do organismo humano. A nossa está, comprovadamente”, assegurou.

          Como provocação, apresentou maços de cigarros, que detêm 4 mil substâncias cancerígenas e que são regulamentados pela Anvisa.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Academia Brasileira de Ciências se manifesta sobre a fosfoetanolamina


O texto foi escrito pelos acadêmicos João Batista Calixto e Mauro Martins Teixeira, que são membros da Diretoria da ABC. O documento chama a atenção para alguns fatos preocupantes relacionados à substância
A Academia Brasileira de Ciências (ABC) produziu um documento alertando para os riscos do consumo da fosfoetanolamina, produto que não passou pelas etapas indispensáveis de teste clínico e vem sendo usado como um método para o tratamento do câncer.
O texto foi escrito pelos Acadêmicos João Batista Calixto e Mauro Martins Teixeira, que são membros da Diretoria da ABC. Calixto é diretor-presidente do Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos (CIEnP) e Teixeira é professor no Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O documento explica como se dá o processo de aprovação de um medicamento, que teve início com a agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA) e que, no Brasil, é controlado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo o texto, todo o processo de desenvolvimento e de registro de um novo medicamento pode demandar até 12 anos, pois deve passar por diversas etapas de teste in vitro e in vivo, e a fosfoetanolamina não passou por todas essas etapas.
O documento chama a atenção para alguns fatos preocupantes relacionados à substância. Afirma que não há garantia da segurança da produção e estabilidade química entre os vários lotes; não há evidências disponíveis que demonstrem a segurança (toxicologia) e a eficácia da molécula em estudos pré-clínicos; não existem estudos clínicos demonstrando a segurança toxicológica do uso da molécula em seres humanos; entre outros.
Além disso, o manifesto explica que não existe um tipo único de câncer e que, para cada caso particular da doença, há a necessidade da demonstração da eficácia clínica do medicamento e de compará-lo com outras terapias já existentes.
Para acessar a íntegra do documento, clique aqui.

Leia também: