Bem-humorado, prêmio IgNobel laureia estudo sobre pessoas que veem o
rosto de Jesus em torradas, técnica que usou bacon para estancar sangramento e
salsicha ‘enriquecida’ com bactérias de fezes de bebês, entre outros casos da
ciência improvável.
Por: Marcelo Garcia, Ciência Hoje On-line.
Não há nada errado com quem enxerga o rosto de Jesus em uma torrada ou
de Elvis em uma tortilha: essa é a conclusão de um dos ridiculamente
interessantes estudos ganhadores do IgNobel de 2014. (foto: Flickr/ joshkehn –
CC BY 2.0)
A zoeira não teve limites
na noite de ontem (18/09), durante o evento anual do bom humor na ciência, a
cerimônia de entrega do prêmio IgNobel, paródia do prêmio Nobel. Entre as
atrações, chuvas de aviões de papel, salsichas ‘enriquecidas’ com bactérias do cocô
de bebês, ópera com coro de bactérias, encontros às cegas e, claro, pesquisas
estranhas e ridiculamente interessantes premiadas em 2014. O tema deste ano,
que orientou boa parte das premiações, foi ‘comida’ – o que, em alguns
momentos, fez a coisa toda descambar para a escatologia, mas tudo com muita
classe e rigor científico!
Para abrir a cerimônia,
realizada na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, uma cena provavelmente
nunca vista em qualquer teatro: nada de tomates ou ovos, a plateia proporcionou
um bombardeio de aviões de papel contra um pobre alvo humano.
Como de costume, o evento
contou com laureados do Nobel para entregar os troféus – Roy Glauber, Nobel de
Física de 2005, varria os aviõezinhos de papel do palco – e com outros
convidados especiais, como Jim Bredt, coinventor da impressão 3D, que fez
‘bico’ de ‘ponto de luz humano’. Nos intervalos, uma ópera mostrou a história
de um casal que atingiu a imortalidade trocando a comida por pílulas com
nutrientes – até que, 600 anos depois, as bactérias de sua flora digestiva se
cansaram da brincadeira!
Fatias de 'bacon' enfiadas no nariz podem ajudar a conter certo tipo de
hemorragia nasal incontrolável: essa foi uma das demonstrações dos estudos
laureados apresentadas no palco da cerimônia de entrega do IgNobel. (foto:
reprodução)
Para todos os gostos
“Mas e os prêmios?”, você
pode estar se perguntando. Depois desse aperitivo, vamos então ao que todo
mundo esperava (ou não). A tradição presente até no lema do IgNobel foi
cumprida: primeiro fazer rir e, depois, pensar. A premiação começou com um estudo de um grupo
japonês muito útil para
desenhos animados e esquetes de comédia: laureado na categoria Física, ele
avaliou a fricção na interação entre sapato, casca de banana e chão em uma
daquelas cômicas derrapadas.
Muito mais ‘metafísico’
foi o prêmio de neurociência, concedido a pesquisadores da China e do Canadá
que estudaram o que
ocorre no cérebro de pessoas que veem o rosto de Jesus Cristo em uma torrada – e quem disse que
religião e ciência não combinam, não é mesmo? O resultado pode surpreender: não
há nada de errado com elas. “Na verdade, seu cérebro é perfeitamente normal se
você vê rostos em objetos do dia a dia, como Elvis numa tortilha; mas se você
não os vê, isso pode significar que não tem o necessário para uma imaginação
vívida”, argumentou Kang Lee, um dos autores. “Mas para quem não tem
imaginação, é possível comprar uma torradeira de Jesus no Ebay.”
“Por favor, pare! Estou entediada.” Os berros da pequena ‘Miss Sweety
Poo’, de oito anos, faziam calar os oradores mais demorados, como o ganhador do
IgNobel de saúde pública Jaroslav Flegr. (foto: reprodução)
O prêmio de biologia
ficou com especialistas da República Tcheca, Alemanha e Zâmbia por
identificarem que, quando defecam ou urinam, cães e gatos posicionam-se em paralelo às linhas do campo
magnético da Terra. Pode parecer brincadeira, mas há muitos estudos que avaliam a capacidade de animais de ‘sentir’ esse campo
invisível. E se a plateia queria levar lembrancinhas para casa, ficou feliz:
recebeu saquinhos de papel supostamente contendo o cocô dos animais,
educadamente recolhido pelos cientistas.
Grandes temas,
estranhos estudos
As grandes questões dos
nossos tempos também marcaram presença na festa: laureado na categoria Ciência
Ártica, um estudo de pesquisadores da Noruega e da Alemanha avaliou a reação de
renas ao observar humanos disfarçados como
ursos polares, animais com os quais elas passaram a conviver mais devido ao
aquecimento global e aos degelos nas altas latitudes – talvez a ciência jamais
se recupere dos ridículos disfarces utilizados.
O
Instituto Nacional de Estatística da Itália foi laureado por sua liderança
mundial em encontrar maneiras de incluir as receitas de prostituição, tráfico
de drogas, contrabando e outras transações ilícitas na contas do PIB.
Já a crise econômica
mundial apareceu no discurso da autora da pesquisa laureada na categoria Arte, que mediu a
dor que as pessoas sentem quando olham para uma pintura feia ou bonita enquanto
um feixe delaser é apontado para sua mão. “A arte é boa para curar
a dor, na Itália somos bons nisso, por razões econômicas”, afirmou a pesquisadora.
“Se você está com dor, vá ao museu ver uma pintura, Botticelli é bom para dor de dente e Van Gogh para dor nas costas.”
O prêmio de economia
também foi italiano: o Instituto Nacional de Estatística do país foi o
laureado por sua liderança
mundial em encontrar
maneiras de incluir as receitas de prostituição, tráfico de drogas, contrabando
e outras transações ilícitas na contas do Produto Interno Bruto (PIB). Se essa
estratégia pega por aí, talvez tivéssemos mudanças no panorama atual da
economia mundial, hein?
Permitido brincar com
a comida!
Por fim, é claro que uma
noite de humor com comida não poderia acabar sem algumas ‘nojeiras’: na
categoria Nutrição, por exemplo, o estudo espanhol
laureado avaliou o uso
de bactérias fecais de bebês como potenciais probióticos para salsichas
fermentadas, ou seja, como colocar bactéria do cocô em alimentos. Os laureados
com o prêmio Nobel presentes puderam provar a ‘receita’ – mas não se empolgaram
muito...
Os laureados com o Nobel que participaram da cerimônia tiveram a
duvidosa honra de provar a salsicha probiótica espanhola ‘enriquecida’ com
bactérias das fezes de bebês. (foto: reprodução)
Na área de medicina, os
pesquisadores da Índia e dos Estados Unidos laureados desenvolveram um método
para tratar casos incontroláveis de hemorragia nasal usando tiras de carne de porco curada
nas narinas. “Obrigada a todos
os canais culinários que dizem que bacon deixa tudo melhor, e
também à minha mãe, que sempre dizia: ponha porco em tudo e você ficará bem”,
comemorou Sonal Saraiya, uma das autoras. “Esse estudo também foi ótimo porque
sou vegetariana e não sabia o que fazer com bacon.”
Completando a relação de
premiados, a láurea de psicologia foi para um estudo que mostrou que quem fica
acordado até tarde tende a ter mais autoadmiração, ser mais manipulador e mais
psicopata. Já o IgNobel de saúde pública foi para três pesquisas que avaliaram se é mentalmente
perigoso para um ser
humano possuir um gato. Cada laureado ganhou um belo troféu
na forma de bandeja de refeitório, além da quantia de dez trilhões de dólares –
do Zimbábue, o que não dá para comprar nem um lanche em qualquer cadeia
de fast-food.
Por fim, a festa contou,
ainda, com uma bela homenagem ao pesquisador Francis Fesmire, falecido
recentemente e que levou o IgNobel de medicina em 2006 por ter estudado
técnicas de parar soluços com recurso ao toque retal. Ele foi lembrado com
todos apontando seus indicadores para o alto. Poético, sem dúvida. No próximo
ano, o IgNobel completa 25 anos, data que será comemorada, com certeza, com
muitas risadas!
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